Enquanto os exportadores têm acesso a créditos e incentivos, o pequeno agricultor sofre com a falta de apoio.
Por Rui Daher*
A exemplo de nosso diretor de redação, a prezada leitora Cristiane costuma conversar com seus botões e, como eu, analisar os temas usando uma lupa. Ela pergunta a CartaCapital, que me repassa:
“Os agricultores e pecuaristas recebem uma série de incentivos do governo, acredito que para a alimentação do povo brasileiro, mas a questão é que estamos com uma alimentação péssima, tudo caro e de má qualidade, enquanto os agricultores exportam o que há de melhor. Resumindo, o governo oferece isenção de impostos para agricultores e pecuaristas exportarem e nos deixarem comendo mal? É isso mesmo? Ou já estou pirando?”
Cristiane, em relação aos incentivos do governo, pirada estaria se pensasse o contrário. Em relação à qualidade da alimentação, trata-se de um tema complexo em que não podemos enfiar tudo num mesmo saco de maldades. A qualidade da alimentação brasileira que vai para exportação é obrigada a exigir padrões e legislações específicos de cada país importador. Muitas vezes, mais por interesses comerciais do que sanitários.
Mas, com exceção do uso exagerado de agrotóxicos, os alimentos brasileiros que chegam às nossas mesas, em geral, são de boa qualidade. Refiro-me aos naturais, que poderiam ter sua toxicidade diminuída com produtos que ajudam a reduzir as aplicações de agroquímicos e tóxicos. A maior parte do problema, no entanto, ocorre nos alimentos processados que necessitariam de maior fiscalização.
Outro ponto de que se tem uma visão distorcida da realidade é em relação a preços, no que nossas folhas e telas cotidianas ajudam muito a demonizar.
Não se deve generalizar. Como qualquer mercadoria, no sistema capitalista, os preços seguem a relação entre oferta e demanda. Nos produtos de exportação, também o câmbio, e o mesmo acaba se refletindo no mercado interno.
Em princípio, por aspectos de solo, clima, disponibilidade de água, biodiversidade (se pararem de destruí-los), vocação para a agropecuária, no Brasil, os alimentos são, relativamente, baratos. Basta compará-los aos de outros países.
O problema está mais na pobreza da população, massacrada pela baixa renda, serviços insuficientes educacionais e de saúde, além da precariedade nos transportes. Sem poder aquisitivo, determinado por distribuição, tudo fica caro, até os alimentos.
Um reparo: os mesmos incentivos à produção para exportação deveriam chegar às produções de arroz, feijão, mandioca, hortaliças, leite, enfim, aos “pratos do dia”, a maioria deles saída da agricultura familiar.
Na coluna anterior, dou um toque sobre a situação dos produtores de hortaliças, legumes e frutas, essenciais para a nossa alimentação. Sem qualquer apoio.
No domingo, num sacolão de São Paulo, ouvi um casal conversando. Ela, toda alegre, para o companheiro: “Nossa! Como abaixaram os preços das frutas, legumes e verduras”.
Pensei interferir: “Senhora, a sua alegria reflete exatamente a tristeza de caboclos, campesinos e sertanejos que passam das quatro da madrugada às cinco da tarde cuidando de seus canteiros ou pomares. Gastam com insumos de preços cartelizados e distribuição cara. Dos bancos esperam sentados os diligentes bancários soltarem os financiamentos e cobrarem taxas absurdas, que fizeram os lucros dos bancos crescerem 15% no último trimestre”.
Poucos são os agricultores com tal acesso. A maioria está inabilitada ao crédito, pois inadimplente, terra empenhada, tratores e implementos de ferros-velhos, ou trabalhando em terras arrendadas.
Resisti. Minha idade é boa fotógrafa e fez pressentir pessoas que bateram panelas, envolvidas no pavilhão nacional. À primeira alta de tomates ou salsinhas, delatada pela bancada do Jornal Nacional, diriam: “Aquele senhor do sacolão não entendia bulhufas de agricultura”.
Não sei em quantas colunas, nestes anos de site de CartaCapital, fui contra a manada ruralista, que usa suas bancadas, confederações, federações, entidades patronais, para reclamarem favores, muitos deles contrários à preservação ambiental, à saúde humana, e outros setores da própria economia do País.
Escrevi várias vezes que o foco de melhorias e incentivos não deve ser procurado no Ministério da Agricultura. Este, assim, assim, atende aos interesses dos grandes, ainda mais hoje quando capitaneado por uma quadrilha golpista.
O apoio, necessário à boa qualidade e preços de nossa alimentação básica, aquela que chega às nossas mesas, restaurantes com refeição a quilo, enfim, à vida de nossa população, estava no Ministério de Desenvolvimento Agrário, hoje em dia, praticamente extinto.
Intensificava o apoio à agricultura familiar, reformulava a lavoura em assentamentos através de arranjos produtivos locais que garantissem distribuição e comercialização lucrativas.
Comeríamos bem e ajudaríamos à inserção social no País. Cristiane, estou à sua disposição e de seus botões em CartaCapital.
Fonte: Carta Capital
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