domingo, 24 de novembro de 2019

Golpistas da Bolívia reprimem até os mortos


Eric Nepomuceno, do Jornalista pela Democracia, alerta para o que está acontecendo na Bolívia desde o golpe que derrubou e despachou para o exílio o presidente Evo Morales: "além de trágico, de uma perversão sem limites"

(Reprodução)
Retrato da repressão: indígenas não podem enterrar seus mortos na Bolívia e caixões ficam no meio da rua. “Não respeitam nem os mortos”. Retrato da repressão: indígenas não podem enterrar seus mortos na Bolívia e caixões ficam no meio da rua. “Não respeitam nem os mortos”.
A fúria descontrolada da polícia militarizada ganhou nos últimos dias um reforço extra com a participação, nas ações dirigidas principalmente contra indígenas e apoiadores do presidente deposto, de tropas do Exército.

Desde a derrubada de Evo Morales e a entrada em cena da autoproclamada presidente Jeanine Áñez mais de 30 bolivianos foram mortos. E o que se viu em La Paz na quinta-feira, dia 21, mostra que a brutalidade sem limites não poupa sequer os mortos dessa violência.

Naquela tarde, uma multidão de dezenas e dezenas de milhares de pessoas caminhou mais de oito horas para superar os vinte e cinco quilômetros que separam Senkata, na região de El Alto, bastião dos seguidores de Morales, de La Paz.

Levavam os caixões de cinco dos oito mortos no massacre do fim de semana anterior. Queriam enterrá-los na capital.

Encabeçando a marcha estavam familiares dos mortos, várias mulheres vestidas de negro e outras, muitas outras, com o vestido amplo e o chapéu característico de sua vestimenta tradicional. Em sua esmagadora maioria, indígenas.

Todos, todas, de origem extremamente humilde.

Na entrada de La Paz receberam o reforço de outras colunas que vinham das redondezas da capital e de cidades vizinhas.

E as ruas foram cobertas pela correnteza de gente que gritava exigindo justiça para os autores do massacre de El Alto.

Quando chegaram na praça Murillo, onde fica o palácio de governo, esbarraram numa barreira policial que impediu que continuassem andando.

Manifestantes que carregavam dois caixões levando mortos de Senkata e que estavam na linha de frente tentaram abrir passagem.

O choque dos caixões com escudos policiais foi o sinal para que blindados do Exército, que estavam atrás da barreira policial, entrassem em ação. Os manifestantes chegaram a colocar um dos caixões no capô de um blindado, numa tentativa inútil de que respeitassem o morto.

Tudo em vão: num átimo de tempo o temporal de gás lacrimogêneo encobriu o ar da praça e de muitas ruas vizinhas, forçando as colunas de gente a se dispersarem.

Quando a praça ficou enfim vazia de gente, o que se viu foram policiais militares com suas máscaras protetoras dos efeitos do gás e blindados zanzando de um lado a outro.

No meio da rua, abandonados, dois caixões.

Passou um tempinho e um veículo militar recolheu os dois. Não se sabe que fim levaram.

Assim está a Bolívia: até os mortos, quando são de origem indígena, não descansam em paz: viram alvo de uma repressão.

Jeanine Áñez, uma senadora até pouco tempo obscura, agora autoproclamada presidente do país, não se manifestou.

No Congresso, senadores e deputados continuam debatendo os projetos de lei para convocar eleições. Os do MAS (Movimento ao Socialismo), de Evo Morales, querem convocar para janeiro. Os golpistas querem março.

Nas ruas, as manifestações continuam. E o país continua cumprindo uma sina que parecia ter sido superada: viver mergulhado na tragédia.

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