Com sugestiva taxonomia do quadro partidário, sem largar o leme do movimento estratégico, o texto ajuda a não cair nas “armadilhas da tática”.
por Ronald Freitas
Publicado 09/02/2021 00:34 | Editado 09/02/2021 00:36
Apresentação de A.
Sérgio Barroso
Os resultados das
eleições municipais de 2020 – metaforicamente falando – deram munição a um
encarniçado tiroteio, onde até o nosso conhecidíssimo protagonista das piadas,
o cego, resolveu declarar-se o vitorioso.
Análises as mais
estapafúrdias convergiram, em geral, ou à depressão e à desistência, ou a
frequentes ataques furiosos à esquerda. “Fundo do poço”, disseram uns; outros
confundiram neofascistas com os mofados e resilientes direitistas, estes ora
camuflando-se de “centro”, ora de “centro-direita”.
Até dois elementos
centrais que fundamentaram a ascensão do furor de extrema-direita – a campanha
farsesca da “anti-política” ou tudo contra o “establishment”; e a desagregação
da base política aliada originária (2018) de Bolsonaro – desapareceram do radar
desses analistas. E o açodamento de conclusões superficiais e erráticas poderão
dinamitar a ponte para 2022.
Ocorre que tática
política é coisa para profissional, independentemente das vicissitudes
orgânicas ou conjunturais que condicionam a ação das correntes avançadas, em
determinado quadro de forças. E a conduta política para as eleições gerais do
ano vindouro dependem, preliminarmente, da “análise concreta da situação
concreta” (Lênin).
En passant, recordo
aqui do mago chinês da arte da guerra Sun Tzu, certos princípios da estratégia,
de fortes implicações na tática: “O mais importante é atacar a estratégia do
inimigo. Segue-se: fazê-lo romper as alianças. Em terceiro lugar: atacar o
inimigo no campo de batalha” (Grande Estratégia Indireta, cap. 3, 2ª parte, “A
arte da Guerra).
Em Tempo. A última
eleição à presidência da Câmara de deputados é exemplar: o quartel-general do
Rodrigo Maia (e do DEM) foi destroçado por ruptura de seu sistema interno de
alianças!
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Eleições municipais
de 2020 – notas sobre os resultados
Ronald Freitas*
As recém-terminadas
eleições municipais se realizaram em meio a uma situação de crise multilateral:
política, sanitária, econômica, de avanço do estabelecimento de um Estado de
Exceção por parte de círculos jurídico-policiais, e de fortes limitações
democráticas à participação dos partidos de feição popular. Abordaremos alguns
aspectos das circunstâncias em que se realizaram essas eleições, e que tiveram
impacto em seus resultados, objetivando entender o “recado das urnas” e os
desafios dele decorrentes para darmos curso ao complexo, longo e inconcluso,
processo de construção nacional.
A – Circunstâncias
Políticas.
A.1 – O longo
período de retrocesso político, no mundo e no país, que perdura desde os fins
da década de 90 do século passado, com o fim da ex-URSS, é um fator
condicionante fundamental da evolução política, econômica e social de nossa
conjuntura e incidiu fortemente no resultado das eleições municipais
recém-terminadas. Tecerei algumas considerações sobre esse quadro, tendo
presente que, como ele se apresenta hoje, deita suas raízes no passado recente
de nossa conturbada vida política.
A.2 – O traço
fundamental dessa situação é o ascenso das direitas, desde a direita clássica
até a extrema-direita. A primeira, composta por políticos geralmente nomeados
de conservadores, os quais, na atualidade, defendem e atuam para impor suas
ideias neoliberais, de diminuição do papel do Estado e da predominância sem
questionamentos do “mercado” em torno do chamado “consenso de Washington”. A
segunda, procura superar a crise estrutural do capitalismo que vivemos com a
implementação de regimes autoritários, protofascistas, e que tem se aglutinado
em torno das ideias de uma pretensa luta antiglobalista e de um nacionalismo de
direita xenófobo e autoritário, buscando frear a roda da história com o retorno
aos regimes políticos pré-iluministas.
A.3 – No nosso
país, essas tendências, cada uma à sua maneira, adaptaram-se às condições
políticas e econômicas, surgidas após o fim da ditadura militar em 1985, e a
promulgação da atual Constituição Federal em 1988.
A.4 – A Direita
Clássica, além de segmentos e setores sociais que a compõem, como grandes
industriais e financistas, agro empresários, militares graduados, alta
burocracia estatal etc., tem no MDB, no PSDB e no DEM, na atualidade, seus
principais partidos políticos. Por meio desses e de outros partidos, com
variada denominação, a partir da promulgação da Constituição de 1988,
paulatinamente recuperaram espaços na cena política e na organização do Estado
brasileiro. Nesse processo introduziram mudanças importantes em dispositivos
constitucionais que estabeleciam avanços na organização do Estado e na vida da
sociedade. Alguns exemplos: na economia, com as reformas introduzidas no
governo FHC, que mudaram no essencial o capítulo da Ordem Econômica da
Constituição, oportunidade em que retiraram do texto constitucional o conceito
de Empresa Brasileira de Capital Nacional, e praticaram um agressivo programa
de privatizações; na política, com um continuado e persistente processo de
regulamentação partidária, que tem prejudicado, de forma crescente, a atuação
dos pequenos partidos, e, dentre estes, os de nítida feição
programático-ideológica, por meio das sucessivas reformas eleitorais e do
continuado e exacerbado controle burocrático das legendas efetuado pelo
Tribunal Superior Eleitoral; nos direitos sociais, com o cerceamento das atividades
das entidades de massas, por meio de seguidas leis restritivas, sendo
emblemático disso o fim do imposto sindical, forma pela qual foram impostas
severas restrições à atuação dessas entidades; no que diz respeito ao aparato
burocrático jurídico/policial, além do status de poder independente que o MPF
adquiriu na Constituição de 1988, foram criadas leis que atribuem a órgãos,
como Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal,
Ministério Público de Contas, dentre outros, poderes excepcionais e, na
prática, autonomia plena, e recursos financeiros polpudos. Com isso esses entes
públicos foram empoderados, de forma extraordinária e excepcional,
permitindo-lhes agir de forma autoritária e abusiva, desrespeitando os poderes
constitucionais básicos da organização do Estado Nacional – o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário – e se comportarem como um verdadeiro poder paralelo
na República.
A.5 – Dessa forma,
a Direita Clássica foi paulatinamente recuperando o espaço que perdeu com o poderoso
movimento democrático-popular que derrotou a Ditadura, e retomou o leme de
condução do Estado nos termos em que o fez desde a Proclamação da República.
Pois, mesmo no breve interregno de 13 anos (2003-2016) em que forças
democrático-populares, sob hegemonia do PT, estiveram à frente do Governo
Federal – governos Lula e Dilma –, esse processo de retomada do controle do
aparato do Estado pela Direita Clássica não foi interrompido, e em certos casos
foi fortalecido. É emblemático o apoio, por esses governos, para a aprovação de
leis que colocam nas mãos dos citados órgãos – MPF, PF etc. – a justificativa
legal para cometerem arbitrariedades e abusos e desrespeitarem a separação dos
poderes estruturantes da República etc.
A.6 – Nesse mesmo
período, utilizando-se das liberdades existentes, a Extrema- Direita,
fundamentalista – em íntima e orgânica ação com seus pares em outros países,
principalmente nos EUA, mas não só – atuou de forma discreta, acumulando
forças, fazendo intenso e continuado proselitismo de ideias, formando quadros e
ativistas, atuando no parlamento, apoiando-se em setores religiosos
reacionários e conservadores, como os católicos fundamentalistas e os
evangélicos neopentecostais. Na frente ideológica, utilizando de forma
eficiente modernos meios de comunicação, efetuou, e efetua, intenso processo de
divulgação de suas ideias e promove cursos de formação política, nos quais
transmite os ideais direitistas e conservadores. Na mobilização das massas, em
torno de seus objetivos, por meios abertos, clandestinos ou semiclandestinos,
joga intenso papel, como na atuação desenvolvida nos protestos contra a
realização da Copa do Mundo, nas lutas contra a realização das Olimpíadas e nas
manifestações de 2013, deflagradas a partir de reivindicações contra o aumento
de passagens de ônibus. Trata-se de um conjunto de ações políticas que
prepararam o terreno para o impeachment de Dilma em 2016. No parlamento, atuou
fortemente por meio de deputados do chamado baixo clero, como Bolsonaro, e de
bancadas setoriais e conservadoras, como a bancada da bala, a bancada do boi e
a bancada dos evangélicos. Setores esses que paulatinamente cresceram desde a
década de 90 do século passados até os dias atuais. Essa direita
fundamentalista, tratada até recentemente como folclórica pelas esquerdas e por
certos setores progressistas, é, na realidade, uma reserva estratégica da
direita conservadora, a ser utilizada quando necessário para desestabilizar
governos progressistas como os recentes de Lula e Dilma, no processo político
que culminou com o impeachment de Dilma e com a eleição de Bolsonaro à
presidência.
A.7 – Com a
evolução da crise dos anos 90 do século passado, e aproveitando-se dos erros
cometidos pelo PT e pelos governos Lula/Dilma, a Direita Clássica – com entusiasta
e eficiente apoio dos meios tradicionais de comunicação, com intenso uso das
mídias sociais, e tendo o aparato jurídico/policial acima referido como ponta
de lança legal, e desde o início com discreto, mas eficiente, apoio das Forças
Armadas, além da ação militante da extrema-direita – levou à frente, por meio
do impeachment de Dilma em 2016, o afastamento do governo central da República,
do conjunto de forças democráticas, progressistas e de esquerda que o dirigia.
Em consequência instalou-se uma forte instabilidade política no país, que teve
como resultado a eleição de Bolsonaro para a Presidência. Dessa maneira, a
Extrema-Direita, fundamentalista, xenófoba, anticivilizacional, defensora de um
governo autoritário, instalou-se no comando do governo e está levando o Estado
brasileiro a seguidos impasses, na sua busca de implementar seu retrógrado e
autoritário programa.
A.8 – O campo
popular, democrático e de esquerda – composto por movimentos sociais
progressistas, movimento sindical, intelectualidade e membros da academia,
setores artísticos e culturais, ambientalistas, defensores dos direitos humanos
difusos e de variadas causas, como a dos direitos indígenas, entre outras, e
que tem no PT, PCdoB, PSB, PDT, PSOL seus partidos mais representativos, durante
todo esse processo de evolução da crise estrutural que se iniciou nos anos 90
do século passado, e continua – desenvolveu intensa atividade política,
conquistou vitórias importantes, como a existência dos governos Lula e Dilma,
no plano federal, e de vários governos da mesma natureza nos estados e
municípios. Mas faltou a esse campo um projeto de Nação que, ao lado de
unificá-lo, fosse capaz de mobilizar as mentes e os corações, das várias
camadas de nossa população, e as unificar e as engajar na construção de um
Brasil soberano, desenvolvido, democrático, dotado de capacidade de autodefesa
que desestimule ambições externas, e socialmente mais justo. Em decorrência
disso, atuou de forma dispersa e muitas vezes conflituosa e, com o evoluir da
situação socioeconômica, do agravamento da crise política a partir de 2013, e
do impeachment de Dilma, em 2016, foi para a defensiva, viveu e vive um forte
desgaste político e sofreu a derrota eleitoral e política em 2018.
B – Circunstâncias
Econômicas.
B.1 – Embora não
seja objetivo deste texto fazer uma análise exaustiva e técnica da conjuntura
econômica mundial e brasileira, os comentários a seguir são indicações do
quanto a base essencial da sociedade, a economia, no mundo e no Brasil, vive em
situação de impasse estratégico. Nunca a humanidade viveu uma época em que a
produtividade do trabalho fosse tão alta, e nunca também viveu uma época em que
a apropriação dos resultados dessa produtividade, ou seja, a riqueza criada
pelo trabalho de todos, ficasse concentrada em tão poucas mãos.
B.2 – Como na
política, também na economia, vivemos um longo período de crise, que a partir
de 2007/8 vem se desdobrando e agravando as condições de vida dos povos,
obstruindo o processo de desenvolvimento de nações emergentes e agravando as
assimetrias nas trocas comerciais entre as nações ricas, pobres ou em
desenvolvimento. Uma crise estrutural do capitalismo que, em sua fase
neoliberal, tem propiciado uma crescente concentração de riqueza, e uma forte
desorganização das economias nacionais em favor do controle delas por grupos
financeiros-industriais multinacionais. Concomitante a isso, mas com
características próprias, vem ocorrendo profundas modificações nas forças
produtivas, por meio das revoluções tecnológicas em curso, que aumentaram
enormemente a produtividade do trabalho e provocaram, como efeito colateral
perverso, uma onda de desemprego em todo o mundo capitalista, e um enorme
aumento dos ganhos do capital.
B.3 – Os reflexos
dessa crise estrutural entre nós são significativos, pois, como país
economicamente dependente do capital financeiro internacional, em rápido
processo de desindustrialização, tendo no agronegócio e no extrativismo mineral
o polo dinâmico de sua economia – o que nos caracteriza como exportadores de
commodities –, somos fortemente atingidos pelas dificuldades que acometem os
países centrais do capitalismo.
B.4 – No Brasil,
essa crise se manifesta de múltiplas formas. Estamos com o nosso crescimento
estagnado e, no ano de 2020, devemos ter um PIB negativo em cerca de 4,41%,
segundo o relatório Focus do Banco Central, de 14-12-2020. O desemprego é
alarmante, pois, segundo o IBGE–PNAD, de 27-11-2020, está na faixa de 14,6% e
tem crescido com a pandemia. Temos cerca de 15 milhões de desempregados e, se
agregarmos a isso o subemprego, a atividade informal etc., a legião de pessoas
que não têm um meio regular de sobrevivência é assustadora.
B.5 – Isso tudo
teve forte impacto nas eleições de novembro último, facilitando a influência do
poder econômico no processo eleitoral e contribuído sem dúvida para a
desesperança do eleitorado, além de potenciar as práticas abusivas da compra de
votos entre outras.
C – Circunstâncias
Sanitárias.
C.1 – A longa e
séria pandemia que se abate sobre o mundo e o Brasil foi um dos condicionantes
principais do desenrolar do processo eleitoral recém-terminado. Para se eleger
um candidato, pela natureza da atividade da busca do voto, é necessário ir à
rua, interagir com a população, gastar “sola de sapato”. E as condições
sanitárias em que atualmente vivemos não permitiram isso, ou exigiriam uma
grande dose de coragem daqueles que se aventuraram a ir pessoalmente atrás do
voto, e, por vários relatos ouvidos, não tinha muita gente na rua disposta a
interagir. O justo medo de contrair o vírus diminuiu em muito o efeito das
atividades de campanha. Assim, a chamada campanha virtual e a televisão
assumiram um papel central nessas eleições; o que, para a grande maioria dos
candidatos e mesmo eleitores, foi um dificultador da participação.
C.2 – Além desses
aspectos, a pandemia foi parte importante da disputa de ideias e de votos
durante as eleições. Na realidade, durante toda a campanha, confrontaram-se
concepções distintas, e mesmo antagônicas, de como se comportar no
enfrentamento da pandemia. De um lado, as forças que faziam parte ou gravitavam
em torno do grupo político de Jair Bolsonaro e da direita fundamentalista que,
com posturas negacionistas e anticientíficas, subestimavam o vírus e a situação
sanitária decorrente de sua ação, e preconizavam o uso de medicamentos não
recomendados pela ciência médica para combatê-los. De outro, as forças mais
esclarecidas da sociedade, onde se situaram as forças de esquerda,
centro-esquerda e outros segmentos democráticos, que defendiam a ciência como o
vetor central de enfrentamento do vírus, e a necessidade de se preservar vidas
e, em decorrência disso, a necessidade de combater o vírus com as recomendações
de sanitaristas e epidemiologistas; o que significa ter cuidados como
distanciamento social, não participar nem provocar aglomerações, usar máscara
etc. Esse embate permeou toda a campanha e foi um elemento significativo na
definição do voto de muita gente.
D – Circunstâncias
normativas, burocráticas e operacionais.
D.1 – Esse processo
de retomada do controle da direita sobre o aparato de Estado, a partir da
promulgação da Constituição de 1988, e que incidiu fortemente no resultado das
eleições municipais de novembro, tem múltiplas manifestações sobre os
desempenhos partidários nessas disputas, dos quais destaco.
D.1.1 – Na medida
em que se regulavam certas conquistas democráticas obtidas na Constituinte de
1988, como tempo de televisão formalmente gratuito para que os partidos
divulguem suas propostas e, nas campanhas eleitorais, apresentem seus
candidatos. Também na medida que se regulava como seria a distribuição dos
valores das quotas a que cada partido teria direito em função, inicialmente, do
Fundo Partidário e, posteriormente, do Fundo Eleitoral, foi sendo estabelecido
que o acesso de cada partido, ao tempo de televisão e aos Fundos citados,
estaria subordinando ao tamanho da bancada de cada um deles, na Câmara Federal.
Criando-se com isso uma “reserva de mercado” dos grandes partidos sobre o
acesso aos recursos públicos dedicados ao financiamento partidário, e
estabelecendo uma disputa desigual de espaço entre eles.
D.1.2 – Um segundo
elemento restritivo da atuação dos partidos no Parlamento foi o estabelecimento
da Cláusula de Barreira, legalmente chamada de Cláusula de Desempenho. Esse
dispositivo, sob o falacioso argumento de evitar a existência de partidos
cartoriais, estabelece que um partido – para ter desempenho parlamentar pleno,
como lideranças, participação em comissões, acesso aos fundos públicos e aos
tempos de televisão legalmente estabelecidos – terá que obter um certo
percentual de votos para a Câmara dos Deputados, distribuídos em certo número
de estados, e/ou eleger deputados em um número mínimo de estados da Federação.
Essa medida, combinada com a anterior, forma um sistema excludente de participação
dos pequenos partidos e, dentre esses, os mais atingidos são aqueles que
possuem posições programático-ideológicas definidas.
D.1.3 – Nessas
eleições municipais de novembro de 2020, começou a vigorar, conforme aprovado
no parlamento, a mais nova norma restritiva quanto às disputas legislativas,
que é a proibição da realização de coligações partidárias para as disputas
proporcionais, ou seja, para a disputa de uma cadeira nas Câmaras de
Vereadores, nas Assembleias Legislativas e na Câmara dos Deputados.
D.1.4 – Em paralelo
a essas medidas legislativas, merece destaque o sistema de controle das contas
partidárias, e as respectivas prestações de contas, que, paulatinamente, está
sendo implantado no, e pelo, TSE. Usando o falso discurso da transparência e da
moralidade pública, e sob o comando de uma elite burocrática ali existente,
encastelada em órgãos de assessoramento como um de sigla ASEPA (Assessoria de
Exame de Contas Eleitorais e Partidárias), ano após ano, os partidos políticos,
no que diz respeito aos controles das contas partidárias, são cada vez mais
tratados como uma “repartição pública”. Isso tem trazido crescentes
dificuldades ao funcionamento dos partidos em geral. A continuidade dessa
transformação de um partido político em uma “repartição pública”, para efeitos
de controle por parte do TSE, trará graves consequências para o funcionamento
político desses entes. E é objetivamente uma ameaça à democracia.
E – Decorrências.
E.1 – Esse é o pano
de fundo mais geral do ambiente em que se realizaram as eleições municipais de
novembro último, que sem dúvida influenciou fortemente no seu resultado. Mas
ele não nos exime de buscar aspectos outros, sejam diretamente ligados às
campanhas, sejam decorrentes dos resultados nelas obtidos.
E.2 – As condições
estruturais internas e externas acima expostas, a atuação das forças
conservadoras de vários matizes, que após o fim da ditadura, paulatina e
metodicamente, retomaram as rédeas de controle do Estado, as limitações
impostas pela pandemia, os altos custos das campanhas, a prática da compra de
votos, as limitações de recursos financeiros para certos partidos, a ação do
crime organizado, cuja participação cresce paulatinamente nas disputas
eleitorais, formam parte do conjunto de variáveis que interferiram de forma
significativa no processo eleitoral e no resultado das urnas recém-terminados.
E.3 – Mas o
problema é mais complexo e amplo, não se resume a uma avaliação da incidência
desses fatores nas eleições municipais de 2020. Esse conjunto de fatores, que vão
de circunstâncias políticas, econômicas, sociais, até o sistema jurídico
regulador, que tem seu vértice no TSE, cria um ambiente para a disputa
político-eleitoral, que privilegia os grandes e já estabelecidos partidos
existentes, destacadamente os de perfil direitista, inibe o crescimento de
partidos programáticos e ideologicamente definidos e tem como objetivo final
estabelecer, no Brasil, um sistema político em que existam, poucos partidos,
com predominância dos direitistas conservadores, como tentou o general Golbery
no fim da Ditadura, ao tentar restringir o número de partidos, no máximo a
cinco. Nessas circunstâncias, a participação nas disputas eleitorais se tornará
paulatinamente mais difícil e excludente para os partidos que não fazem parte
do sistema dominante, e particularmente para os de natureza democrática,
popular, progressista e de esquerda.
E.4 – Não deixa de
ser irônico. A existência do tempo de TV gratuito, do Fundo Partidário e do
Fundo para o Financiamento Público de Campanhas – que foram defendidos e
conquistados com intensa participação das esquerdas e de setores democráticos,
a partir de sua regulamentação, que privilegia o tamanho da bancada de cada
partido na Câmara Federal, para a participação do tempo de TV, e na
distribuição dos valores, a serem atribuídos aos partidos, provenientes dos
fundos citados – tornou-se um empecilho ao desempenho dos pequenos partidos,
particularmente os de esquerda, que recebem quotas pequenas, e com isso não
conseguem competir em iguais condições com as grandes legendas, tendo em vista
que estas recebem vultosos recursos.
F – A realidade do
voto.
F.1 – Nessas
eleições municipais, participaram, de uma maneira ou de outra, 33 partidos
representantes dos mais variados interesses econômicos e sociais. Pode-se
afirmar sem dúvida que neles está representada a totalidade do espectro
ideológico que compõe a sociedade. Vai da extrema-direita à extrema-esquerda.
Mas o nome que assumem não nos permite avaliar o conteúdo político-ideológico
da absoluta maioria deles, e são uma fonte constante de confusão, quando se
procura analisar seus desempenhos eleitorais. Nesse sentido, na busca de
analisar da forma mais objetiva possível o resultado das últimas eleições, um
importante problema a ser enfrentado é o de se estabelecer uma tipificação
desses 33 partidos que participaram do processo eleitoral. Tarefa dificílima,
reconheço, mas irrecusável, pois, sem essa tipificação, faremos análises
fragmentadas dos resultados, perdendo a noção do todo político, ou seja, como
as várias classes sociais estão representadas na cena política, como se
articulam e se agregam para defenderem seus interesses.
F.2 – Considerando
os vários partidos hoje atuantes no país, e com base em seus programas, sua
prática e suas alianças nessas eleições, os agruparei para efeitos dessa
análise, em dois grandes Blocos. Um de partidos de Direita, e outro de partidos
de Esquerda. Essa divisão em dois grandes blocos parte da constatação de que a
parte orgânica e ativa da sociedade, atuante na política nacional, agrupa-se,
em termos gerais, entre aqueles que querem manter o status quo, bloco da
Direita, e aqueles que querem mudá-lo, bloco da Esquerda; existindo expressiva
parcela da sociedade que tem atitude amorfa diante das disputas políticas
realizadas por partidos e outras instituições sociais. Mas, como esses blocos
não são monolíticos e o grau de participação política da sociedade é muito
desigual, diverso e complexo, surgem entre eles intersecções, configurando o
que se convencionou classificar como centro político. Mas esse centro é
constituído por forças tanto a favor da manutenção do status quo, quanto a
favor de sua mudança, sendo assim um espaço político de alta fluidez de
posicionamentos, que o faz atuar ora com a Direita, ora com a Esquerda,
conforme as conveniências e as circunstâncias do momento.
F.3 – Mas esses
dois grandes blocos, Direita e Esquerda, não são, como já dissemos,
monolíticos. Por representarem amplos setores da sociedade, comportam
subdivisões dentro deles e, assim, neste estudo cada um deles será subdividido
em três, perfazendo a rigor seis blocos partidários. Registro, com destaque,
que essa classificação, além de ser muito difícil de ser feita, não tem a
pretensão de ser definitiva e esgotar o assunto. Ela é feita por imperativos
metodológicos e didáticos, para tentar entender mais a fundo os resultados
dessas eleições.
F.4 – Assim os 33
partidos que disputaram as Eleições municipais serão agrupados da seguinte
forma:
Bloco dos partidos
de Esquerda
- Esquerda tradicional: PT, PCdoB, PSOL.
- Extrema-esquerda: PSTU, PCB, UP, PCO.
- Centro-esquerda: PDT, PSB, REDE, PV.
Bloco dos partidos
de Direita
- Direita Clássica/liberal: MDB, PSDB, DEM, PSD,
CIDADANIA, NOVO.
- Extrema-Direita: Republicanos, PSL, PSC,
Patriotas, PRTB.
- Direita Pragmática/CENTRÃO: PP, PL, PTB, SD,
PROS, Avante, DC, PTC, PMN, PMB, Podemos.
G – A realidade do
voto em números e o seu significado.
G.1 – Em grandes
números, essas eleições mostraram uma força da direita, em suas várias
manifestações, que deve nos chamar a atenção. Nas eleições para prefeito, os
votos obtidos pela direita, no seu conjunto (ver Anexos 1 e 2), englobando
Direita Clássica, Direita Pragmática/Centrão e Extrema-Direita, foram
78.286.486, que correspondem a 78,3%, e elegeram 4.609 prefeitos, ou seja,
84,4% do total. Já o Bloco das forças de esquerda, considerando esse campo
constituído pela Esquerda Clássica, a Extrema-esquerda e a Centro-esquerda,
obteve 21.753.813 votos, correspondentes a 21,7% do total, e elegeu 617
prefeitos, ou seja, 15,6% do total. Para vereadores o fenômeno se repete (ver
Anexos 3 e 4). O bloco da direita obteve 77.531.520 votos, ou 78,2% do total, e
elegeu 46.720 vereadores, ou seja, 81,3% do total. E o bloco da Esquerda,
21.658.644 votos, correspondentes a 21,8% do total, elegendo 10.754, ou seja,
18,7% do total. Esse comparativo nos mostra que a absoluta maioria da população
votou em partidos, e elegeu candidatos de direita, que representam, de uma
forma ou de outra, valores conservadores, reacionários mesmo.
G.2 – Porém, a
direita não forma um bloco coeso, mas se subdivide em grupos e frações, com
atuação parlamentar e extraparlamentar, e, do ponto de vista
político-ideológico, abriga no seu seio desde conservadores tradicionais, de
natureza liberal clássica; fundamentalistas de extrema-direita, de natureza
nazifascista; milicianos e políticos pragmáticos que se alinham com qualquer governo
conforme seus interesses. E a esquerda também tem divisões, que vão além de
questões políticas eleitorais, e têm raízes históricas, algumas delas de
difícil superação. Assim temos uma Esquerda que, ao mesmo tempo que define
mudanças revolucionárias na sociedade, busca atingir esse objetivo por meio de
complexos processos de acumulação de forças, atuando na cena política de acordo
com a realidade objetiva imposta, e tendo nas disputas eleitorais um
importante, mas não exclusivo, componente de sua prática, onde incluo o PCdoB.
Tem a Esquerda, que não se propõe a mudar as estruturas do Estado como tal, mas
que se indigna com as brutais condições de desigualdade geradas pelo
capitalismo, é imbuída de sentimento de solidariedade para com os explorados
por esse sistema econômico e propõe reformas que mitiguem essa exploração e
criem um ambiente de convivência harmoniosa entre capital e trabalho, onde
incluo as forças que hegemonizam o PT. E tem um segmento na Esquerda que,
embora propugne mudanças revolucionárias, não consegue traduzir esse desejo em
políticas capazes de viabilizar esses objetivos, tornando-se um corpo apartado
do embate político concreto que se trava no tempo e no espaço da sociedade,
onde situo o PSOL, certas correntes petistas, e os partidos da
extrema-esquerda.
G.3 – Tendo esses
conceitos e essa tipificação como pano de fundo, procuraremos realizar uma
análise dos resultados das recentes eleições municipais, com o fito de
dimensionar seus impactos na nossa ação política concreta.
G.3.1 – DIREITA
CLÁSSICA.
Composta pelos
conservadores tradicionais, agentes políticos que atuam desde sempre na
política nacional, a Direita Clássica constitui a espinha dorsal das elites
dominantes de nosso país, assumindo posições ora conservadoras, ora liberais,
na economia e no que respeita às regras do jogo democrático, chegando em alguns
momentos a assumir posições levemente progressistas no que diz respeito à
defesa de interesses nacionais. Na atualidade se encontra principalmente em
partidos como MDB, PSDB, DEM, PSD, Cidadania e NOVO[1]. Esse conjunto de
partidos, que chamo de Direita Clássica, teve importante desempenho nessas
eleições. Na disputa das prefeituras, obtiveram 42.369.616 votos,
correspondentes a 42,4%, e elegeram 2.562 prefeitos, ou seja, 46,82% do total.
Na disputa de vagas nas Câmaras Municipais, obtiveram 32.963.146 votos,
correspondentes a 33,2%, e elegeram 23.119 vereadores, ou seja, 40,21% dos
eleitos (Ver Anexos 1, 2, 3 e 4).
G.3.2 –
EXTREMA-DIREITA.
Essa direita de
natureza fundamentalista, que existe de forma latente há décadas – lembremos de
Plínio Salgado –, voltou a ter uma atividade política intensa, como apoiadora e
estimuladora, de um certo tipo de luta contra a corrupção materializada na
chamada “operação lava-jato”, como ‘tropa de choque’ dos golpistas que
afastaram Dilma, participando com destaque nas eleições gerais de 2018, quando
foi o principal suporte da vitória de Jair Bolsonaro a Presidência, e tem um
importante papel em seu governo. Constitui-se de setores imbuídos de um falso
moralismo das classes médias, e de setores marginais, que medram nos porões da
sociedade desigual que é o Brasil. Eles são a matéria-prima para as
manipulações políticas e ideológicas de setores da elite, que diante dos
impasses que a evolução econômica do capitalismo, na sua fase neoliberal, impõe
as regras da democracia liberal clássica, procura controlar o Estado por meio
de governos autoritários, ditatoriais. Assim, essas elites econômicas e
políticas, defensoras em última instância do capital financeiro, investem
pesado na formação de grupos de atuação política, de natureza fascista; das
milícias derivadas de aparatos do sistema de segurança; de correntes religiosas
fundamentalistas católicas e neopentecostais; e de segmentos militares. Para
isso, agem explorando sentimentos religiosos difusos e primários, frustações
econômicas – fruto da exploração de classe -, baixa escolaridade e primarismo
cultural, existentes nesses segmentos.
Essa é a base da
extrema-direita que hoje atua no Brasil, e tem no bolsonarismo seu desaguadouro
político, e que Bolsonaro tenta aglutinar em um partido político único, o
ALIANÇA BRASIL, que até agora não conseguiu preencher os requisitos legais para
tal. Em função disso, estão espalhados, e em certos casos diluídos, em vários
partidos, dentre os quais, os principais são PSL, PSC, Patriotas, PRTB e
Republicanos. Esses partidos em conjunto obtiveram, na votação para prefeito,
12.676.502, que correspondem 12,7% dos votos, e elegeram 471, ou seja, 8,69%
dos prefeitos eleitos. Para vereador obtiveram 14.877.760 votos, que
correspondem a 15,0% do total, e elegeram 6.187 vereadores, ou seja, 10,8% dos
eleitos. Ver Anexos (1, 2, 3 e 4).
Como os números
acima mostram, a extrema-direita não teve uma performance eleitoral em linha com
o desempenho que teve quando da eleição de Bolsonaro, em 2018, e mesmo com a
expectativa de vários analistas e círculos políticos em relação a essas
eleições. Mas, mesmo que os resultados não apontem uma vitória eleitoral da
direita radical, e que Bolsonaro e seu núcleo duro tenham saído enfraquecidos,
eles não estão mortos, como os números comprovam. Sua sobrevivência se baseia
no conservadorismo nos costumes, em atitudes negacionistas diante de evidências
científicas comprovadas, no atraso na política, num anticomunismo primário e
difuso. Tudo isso é latente na sociedade, embrutecida pela pobreza, pelo
desemprego e por religiões mistificadoras, que a torna alvo fácil de
manipuladores. Embora a extrema-direita não tenha eleito nenhum prefeito em
grandes cidades e capitais, tendo sido derrotada no Rio de Janeiro, em São
Paulo, Belo Horizonte e Macapá, ela conseguiu eleger adeptos e seguidores em
várias cidades importantes. Cidades como Rio Branco (AC), São Luís (MA),
Teresina (PI), Maceió (AL), Porto Alegre (RS), Parnaíba (PI), Anápolis (GO),
Vitória (ES), Caucaia (CE), Ipatinga (MG), Joinville (SC) etc, elegeram
políticos que, em maior ou menor grau, foram apoiados por Bolsonaro, ou por
seus seguidores nas respectivas cidades. Mesmo onde foram derrotados, como em
Fortaleza no segundo turno e em São Paulo no primeiro turno, tiveram um bom
desempenho eleitoral. Em Fortaleza o obteve 48,31% dos votos e, em São Paulo, o
bloco obteve 20,34% dos votos. Na disputa para vereadores, essa extrema-direita
teve desempenho significativo, em importantes câmaras municipais.
G.3.3 – DIREITA
PRAGMÁTICA /CENTRÃO.
Um terceiro bloco
de forças do espectro político da direita são as forças de centro-direita,
pragmáticas, que se convencionou chamar de Centrão, que tem como elemento
definidor de sua atuação o usufruto das benesses do poder, e, nesse sentido,
alinha-se com o poder de ocasião, desde que seus espaços na máquina do Estado
estejam garantidos. Desse modo, na sua maioria essas forças já apoiaram
Lula/Dilma, apoiaram o impeachment de Dilma, apoiaram o governo Temer e
atualmente dão suporte a Bolsonaro, e é possível que venham a ser parceiras
deste em uma aventura autoritária qualquer. Fazem parte desse bloco: PP, PL,
PTB, SD, PROS, AVANTE, DC, PTC, PMN, PMB, PODEMOS. Esses partidos, juntos,
obtiveram, para prefeito, 23.240.368 votos, que correspondem a 23,2% do total,
e elegeram 1.576 candidatos, ou seja, 28,9% dos prefeitos eleitos. Para
vereador, obtiveram 29.690.614 votos, correspondendo a 29,9% do total, e
elegeram 17.414 candidatos, ou seja, 30,3% dos vereadores eleitos (Anexos 1, 2,
3 e 4). Embora seja um desempenho significativo, bem superior ao do bloco de
esquerda, não é um desempenho extraordinário. Ficou inferior ao da Direita
Clássica.
G.4 – CAMPO DA
ESQUERDA.
De um ponto de
vista amplo, a esquerda se constitui de: forças políticas e segmentos sociais
que defendem a justiça e solidariedade social, a democracia, um Estado Nacional
Soberano, Autônomo e Laico, a autodeterminação dos povos e nações, a Paz; e
movimentos que defendem causas de importantes segmentos sociais, como das
mulheres, dos negros, dos homossexuais etc., propugnam um modelo de organização
econômico e social que não tenha no lucro seu ponto focal, e se opõem à agenda
conservadora, antidemocrática, antinacional e antipopular dos setores
reacionários e de direita. Como já explicitado anteriormente, a esquerda, nessa
visão ampliada, é composta, em nossa constelação político-partidária, dos
seguintes partidos: PCdoB, PT, PSOL, PSB, PDT, REDE, PV, PSTU, PCO, PCB, UP.
Esse conjunto de partidos, como já registrado, não forma uma força coesa; ao contrário,
existem entre eles várias divergências, de natureza ideológica e política, e
algumas dessas divergências são históricas e têm se mostrado inconciliáveis.
Esses partidos atuaram nessas eleições, no fundamental, defendendo posições
democráticas, de eficiência administrativa, de luta contra a corrupção e de
atenção aos setores periféricos mais pobres e socialmente discriminados. A
maioria deles, nas cidades onde concorreram, lançou candidaturas próprias a
prefeito e, por imposição legal, chapas próprias de vereadores.
Esse conjunto de
partidos, na disputa de prefeituras, obteve 21.753.813 votos, correspondentes a
21,7% do total, e elegeu 851 prefeitos, ou seja, 15,69% dos candidatos. Na
eleição para as Câmaras de vereadores, tiveram, juntos, 21.658.644 votos, que
correspondem a 21,8% do total, e elegeram 10.754 candidatos, ou seja, 18,7%,
dos vereadores eleitos (Anexos 1, 2, 3 e 4).
Mas esses partidos
não formam um bloco coeso. Assim, aplicando critérios político-ideológicos
estabelecidos anteriormente, será usada, para o estudo desses resultados, a
classificação desses partidos em três sub-blocos: Esquerda tradicional,
composto por PCdoB, PT, PSOL; Extrema-esquerda, composto por PSTU, UP, PCO,
PCB; e Centro-Esquerda, composto por PDT, PSB, PV e REDE. Nesse sentido os seus
resultados eleitorais nos mostram:
G.4.1 – Esquerda
tradicional: para prefeito, obteve 10.291.346 votos, que correspondem a 10,3%
do total, e elegeu 234 candidatos, ou seja, 4,3% dos eleitos. Para vereador,
8.830.740 votos, correspondentes a 8,9% do total, e elegeu 3.442 candidatos, ou
seja, 6% dos eleitos.
G.4.2 –
Extrema-esquerda: obteve 70.368, votos para vereador, que correspondem a 0,1%, e
53.887 para prefeito, ou seja, 0,06% do total de votos. Não elegendo nenhum
prefeito ou vereador.
G.4.3 –
Centro-Esquerda: na disputa para prefeito, obteve 11.408.580, que correspondem a
11,62% dos votos, e elegeu 618, ou seja, 11,4% dos eleitos. Para vereador,
obteve 12.757.536 de votos, que correspondem a 12,83% do total, e elegeu 7.332,
ou seja, 12,79%, dos eleitos (Anexos 1, 2, 3 e 4).
H – Algumas
observações sobre esses resultados.
H.1 – Esses números
nos indicam que, do ponto de vista eleitoral, as forças de Direita em seu
conjunto são amplamente majoritárias na sociedade brasileira. Elas obtiveram
mais do triplo de votos para prefeito que as forças de Esquerda, 78,3% e 21,7%,
respectivamente, e elegeram 4.609 e 851 prefeitos, respectivamente. Assim, a
Direita elegeu 5,4 vezes mais prefeitos que a Esquerda. O mesmo ocorrendo no
que respeita à disputa para Vereador. A Direita obteve 78,2% e a Esquerda 21,8%
dos votos, ou seja, 46.720 vereadores eleitos pela Direita e 10.754 pela
Esquerda. A Direita elegeu 4,3 mais vereadores que a Esquerda. Se considerarmos
que o bloco de Direita elegeu 21 prefeitos de capitais, e o bloco da Esquerda
elegeu 5, e a Direita predominou nas grandes cidades, os resultados são ainda
mais significativos[2].
H.2 – Na Direita, o
bloco que teve o melhor desempenho foi a Direita Clássica. Elegeu 46,9% dos
prefeitos e 40,2% dos vereadores. Enquanto a Esquerda Tradicional elegeu 4,3%
dos prefeitos e 6,0% dos vereadores. Esses números mostram uma enorme
disparidade de forças entre os dois segmentos que condensam perspectivas de
projetos para o país, um conservador e outro revolucionário/reformista.
H.3 – O desempenho
conjunto da Direita Clássica e da Direita Pragmática/Centrão revela a força do
setor conservador não fascistizante da sociedade. Juntos, elegeram 75,8% dos
prefeitos e 63,1% dos vereadores. Na realidade, esse é o núcleo político que
comanda o país. Para onde ele pende, o poder vai.
H.4 – Já a
Extrema-Direita teve um desempenho fraco. Elegeu 8,6% dos prefeitos e 10,8% dos
vereadores. Mas, como já registramos, isso não significa todo o seu potencial.
Muitos políticos que esposam ideias desse segmento se elegeram por distintas
legendas desse campo.
H.5 – Mas, mesmo
sendo o segmento mais fraco da Direita, a Extrema-Direita teve um desempenho
melhor que o da Esquerda Clássica, que elegeu 4,3% dos prefeitos e 6,0% dos
vereadores. Registre-se que, nesse desempenho, estão incluídos os votos do PT.
H.6 – Do ponto de
vista do desempenho de Bolsonaro, como apoiador de candidatos a prefeito, ele
foi um fracasso. Perdeu em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador,
Fortaleza, Macapá, para ficarmos nas capitais. Isso é um forte indicador de que
seu prestígio eleitoral já não é o mesmo de 2018, quando à sua sombra foram
eleitos inúmeros políticos desconhecidos.
H.7 – O fato de a
Direita Clássica ter sido o segmento da Direita mais votado, que mais elegeu
prefeitos e vereadores – combinado com o fraco desempenho do bloco de
extrema-direita, e o fraco desempenho de Bolsonaro –, é um forte indicador de
que a onda antipolítica perdeu força e de que as forças que tradicionalmente
governam o país há décadas voltaram ao comando do processo político.
H.8 – Mas isso não
pode criar a ilusão de que está posta a retomada de espaços significativos no
campo político, pelas forças de Esquerda e Centro-Esquerda, e que, em 2022,
teremos a volta ao governo, de um bloco de forças de esquerda, democráticas e
progressistas.
I – Observações
Finais.
I.1 – Os números
acima apresentados, dos resultados das eleições municipais de 2020, encerram
muitas lições que necessitamos procurar compreender e apreender.
I.2 – Fica claro
que o grande vitorioso dessas eleições foi o campo político constituído pela
Direita Clássica e a Direita Pragmática/CENTRÃO. Juntos elegeram 78,8% dos
Prefeitos e 63,1% dos vereadores. Isso tem um importante significado político,
pois esses votos não devem ser vistos como frutos de uma realidade limitada a
disputa dessas eleições. Eles, na realidade, representam os votos de setores
políticos que os obtêm, há tempos, em várias eleições. Variam as siglas
partidárias, mas esse campo tem uma relação política com o conjunto da
sociedade, para o bem ou para o mal, que os coloca como o depositário das
manifestações eleitorais da maioria da sociedade.
I.3 – Registre-se
que a Extrema-Direita (PSC, PSL, Patriotas, Republicanos, PRTB), que foi
vitoriosa em 2018 elegendo Bolsonaro, disputa pela segunda vez com fisionomia
própria, por meio de vários partidos, e candidatos e candidatas emblemáticos
dessa corrente, como Joice Hasselman, pelo PSL em São Paulo, Cap. Wagner, pelo
PROS, em Fortaleza, entre outros. E se não teve um desempenho como o conseguido
em 2018, teve um desempenho que a mantem no cenário político-eleitoral com
fisionomia orgânica própria, e lideranças assumidas. Isso é uma nova realidade,
no tabuleiro das disputas político-eleitorais no país. Do ponto de vista da
votação obtida, o número de votos foi maior do que o da Esquerda Tradicional. A
Extrema-Direita elegeu 8,6% dos prefeitos e 10,8% dos vereadores, enquanto a
Esquerda Tradicional, elegeu 4,3% dos prefeitos e 6,0% dos vereadores. Ou seja,
de agora em diante, a Extrema-Direita será uma força política atuante nas
eleições e será necessário que as forças democrático-populares e de esquerda
tenham isso em mente em suas estratégias eleitorais.
I.4 – Mesmo sendo a
Direita Clássica, (MDB, PSDB, DEM, PSD, Cidadania, NOVO) o bloco de forças que
obteve o melhor desempenho nas urnas – 42,4% de votos para prefeito, e 33,25%
para vereador –, ela representa uma elite tradicional que vive um processo de
desgaste e decadência, ao longo dos últimos anos, que não conta com lideranças
de destaque para dar continuidade ao seu poder como o tem exercido até agora.
Indicação disso foi a ascensão da Extrema-Direita, que vem ocupando um espaço
próprio, disputando com a Direita Clássica bandeiras e votos. Ou seja, se essas
eleições indicam que o ‘controle da política’, voltou para a mão dos
‘profissionais da política’, como afirmam renomados analistas da grande mídia,
é necessário ter presente que a manutenção desse posto está diretamente
proporcional a capacidade de as forças conservadoras tradicionais enfrentarem
os ímpetos e objetivos autoritários e fascistas da Extrema-Direita; o que a
vida, salvo exceções, não tem demonstrado até agora.
I.5 – O campo
democrático-popular e de esquerda – que se aglutina nos partidos PT, PCdoB,
PSOL, PDT, PSB, PV, REDE, PSTU, PCB, PCO, UP – demonstrou resiliência e
disputou com garra espaços políticos nessas eleições, mas os resultados obtidos
não foram bons. Perderam substância eleitoral. Em 2016 tiveram em conjunto
27,96% para prefeito e 24,29% para vereadores e, em 2020, 21,7% dos votos para
prefeito, e 21,8% para vereadores[3]. Isso é um importante sinal de alerta para
essas forças no sentido de se empenharem a fundo no estudo desses resultados,
com o objetivo de localizar debilidades, e traçar estratégias e táticas para
superá-las.
I.6 – Os dilemas
eleitorais futuros que esse campo político enfrentará extrapolam em muito a
mera participação em eleições. Na realidade essas forças conseguem bom
desempenho eleitoral, quando são capazes de se apresentarem aos eleitores como
proponentes de saídas para as dificuldades que eles enfrentam em vários campos.
E essas dificuldades hoje são de natureza econômica e política muito complexas,
que para serem resolvidas necessitam de mudanças estruturais na sociedade que
exigirão a formação de um movimento nacional por mudanças, por reformas
estruturais que atinjam a base econômica e a estrutura organizativa do Estado.
Essas reformas deverão propugnar por uma retomada do processo de industrialização
do país, de desenvolvimento tecnológico, de fortalecimento da defesa nacional
de forma soberana e autônoma, de forte redistribuição de riqueza, com inclusão
social das massas deserdadas, de estabelecimento de regras democráticas e
igualitárias entre os vários partidos nas disputas eleitorais. Regras
eleitorais essas que significam reformular a legislação eleitoral no que diz
respeito a distribuição de quotas de Fundo Partidário e Eleitoral, dos tempos
de TV e rádio, do direito aos Partidos de estabelecerem coligações nas disputas
proporcionais, da existência de Cláusula de Desempenho[4] etc. Enfim, de
retomada de um Projeto de Construção Nacional que unifique e mobilize os
brasileiros, na busca de concretizá-lo.
I.7 – E hoje
existe, nesse campo político, um abandono dessa perspectiva, que foi muito
forte em nosso país, nos anos 50 e parte dos 60 do século 20. Ocorre que
paulatinamente, em função de derrotas sofridas por esse campo progressista –
como com a implantação da Ditadura Militar de 1964/85, ou mesmo a derrota
sofrida com o desmoronamento da ex-URSS (1989/1991) -, iniciou-se uma revisão
teórico-conceitual, na qual a submissão de legítimos interesses setoriais e de
causas predominou sobre interesses mais gerais e coletivos. Isso levou a uma
dispersão no campo popular progressista e de esquerda, que rebaixou sua
atividade política às lutas de reivindicações imediatas e setoriais. Lutas
essas geralmente desconectadas de um projeto nacional estruturante, que
estabelece metas e prioridades a serem conseguidas por meio da disputa
política. Em resumo, falta a esse campo popular, democrático, progressista e de
esquerda, um Projeto de Construção de um Brasil soberano, desenvolvido,
pacífico, socialmente justo, sem o qual os candidatos dos partidos desse campo –
ao se apresentarem aos eleitores nas disputas vindouras – irão disputar, em
desvantagem, o voto com os políticos da Direita Clássica e Extrema-Direita,
pois estes controlam a máquina político/burocrática que gerencia a distribuição
de quotas de fundo eleitoral, tempo de televisão, estabelece regras para cada
eleição e principalmente promete vantagens materiais.
I.8 – Em realidade,
nas condições hoje existentes, as eleições são uma importante trincheira – e
sem dúvida a mais destacada – de luta política que as forças democráticas e
progressistas dispõem. Mas para que essas forças obtenham vitórias, nesse
terreno, é necessário atuar com destaque em duas frentes. No plano das ideias,
serem capazes de construir uma proposta de Plano Nacional de Desenvolvimento, que
despertem corações e mentes, razão e emoção, do povo e o mobilize em torno
dele. E concomitante a isso, desenvolverem um intenso trabalho de vinculação
orgânica com a população como um todo. Principalmente com suas camadas de
trabalhadores, e das massas despossuídas e excluídas. Para que, assim, seja
possível enfrentar, e vencer, a máquina de poder e dinheiro, que os segmentos
de direita e extrema direita hoje controlam e lhe dão a hegemonia política na
sociedade, como mostraram as urnas.
Notas
[1] O Cidadania é o
último estágio de desagregação do antigo PCB, que renegou o marxismo; num
primeiro momento, sob a legenda PPS, continuou falando em marxismo e socialismo
e, na sequência, ao assumir o nome CIDADANIA, passou a defender as teses
liberais e mesmo neoliberais. O NOVO, embora tenha sido criado recentemente,
define-se como liberal, anti-Estadoe pró-mercado de forma explícita e radical.
[2] ADireita
Clássica elegeu 16 prefeitos,a Direita Pragmática 4, a Extrema Direita 1,a
Centro-Esquerda 4, e a Esquerda Tradicional 1.
[3] Fonte:
Estatísticas Eleitorais –Tribunal Superior Eleitoral –TSE.
[4] A título de
exemplo: Se nas eleições para vereadores estivesse valendo a Cláusula de
Barreira de 2%, apenas 18 partidos teriam atingido esse índice. São eles: MDB,
PSD, PSDB, DEM, Cidadania, PP, PL, PTB, Podemos, Solidariedade, Avante,
Republicanos, PSC, PSL, Patriotas, PT, PDT, PSB.(15 do Bloco da Direita e 3 do
Bloco de Esquerda).
*Ronald Freitas é
advogado, membro do Comitê Central do PCdoB
ANEXO 1
ANEXO 2
ANEXO 3
ANEXO 4
Da Fundação
Maurício Grabois
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