Em um mês de trabalho, CPI coleta fartas evidências
de que o governo não apenas foi omisso, como o próprio presidente operou em
favor da pandemia acreditando na falsa tese da contaminação de rebanho
por Olímpio Cruz
Publicado 28/05/2021 12:55 |
Editado 28/05/2021 14:49
Direção da CPI da Covid com Omar Aziz na presidência, Randolfe
Rodrigues, vice e Renan Calheiros, relator l Foto: Edilson Rodrigues/Agência
Senado
Em pouco mais de um
mês de trabalho, a CPI da Covid já coletou provas e evidências de que o governo
Bolsonaro não apenas foi omisso na condução irresponsável da crise sanitária. O
próprio Jair Bolsonaro operou diuturnamente pela ampliação da infecção da
Covid-19, acreditando que isso permitiria chegar à contaminação de rebanho.
Ainda que o preço pago pelo país seja até agora a montanha de 460 mil mortos.
“Nós já temos provas suficientes para indiciar Bolsonaro”, aponta o senador
Rogério Carvalho (PT-SE), que integra a CPI.
Ele e outros
membros da CPI apontam que os documentos enviados pelo próprio governo, assim como
os depoimentos colhidos até agora demonstram claramente que o Palácio do
Planalto ignorou de maneira suspeita e criminosa as ofertas de vacinas. Mesmo
alertado diante do quadro de agravamento da pandemia em diversas ocasiões, ao
longo de 2020 e até fevereiro, o presidente da República nada fez para garantir
a oferta de vacinas e evitar o aumento de contágios com a adoção de medidas de
distanciamento.
Na última
quinta-feira (27), o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, revelou que o
governo ignorou solenemente a oferta de vacinas da Coronavac, produzidas pelo
laboratório brasileiro em conjunto com a farmacêutica chinesa Sinovac, por
capricho pessoal do presidente. Ele disse à CPI que a oferta de 100 milhões de
doses da vacina contra a Covid não foi fechada em outubro por entraves
políticos. O Brasil poderia ter garantido mais 49 milhões de doses até maio se
não fossem esses impasses.
“O depoimento de
Vossa Senhoria, Dr. Dimas, é demolidor”, disse o senador Humberto Costa
(PT-PE), após a revelação de que o Brasil poderia ter sido o primeiro país a
iniciar a vacinação. “O depoimento é a prova mais cabal da omissão, do
desinteresse do governo com vacinas”, criticou. “O governo Bolsonaro é
responsável pela morte dos brasileiros por Covid”.
Dimas Covas revelou
que, em julho do ano passado, o instituto fez a primeira oferta de vacinas ao
Ministério da Saúde, sinalizando com 60 milhões de doses para serem entregues
ao governo federal. Foi solenemente ignorado. Covas também destacou que o
governo Bolsonaro não deu um centavo para auxiliar o instituto na produção de
vacinas.
Mortes poderiam ser
evitadas
Nesta sexta-feira
(28), o professor Pedro Hallal da Universidade Federal de Pelotas, coordenador
do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil,
disse que o Brasil teria evitado pelo menos 80.300 mortes até maio se Bolsonaro
tivesse fechado em outubro o contrato com o Butantan.
A CPI sabe agora
que o Palácio do Planalto atrasou propositadamente a assinatura do contrato com
o Butantan por três meses. Por causa disso, o governo acabou impedindo a
vacinação de pelo menos 50 milhões de brasileiros ainda no primeiro semestre de
2021 apenas com a CoronaVac. Dimas Covas apresentou os ofícios encaminhados ao
governo federal, a partir de julho, com ofertas de vacinas.
“No mínimo 130
milhões de vacinas – 60 milhões do Butantan e outras 70 milhões da Pfizer –,
foram tiradas dos braços dos brasileiros, porque Bolsonaro recusou comprar
vacinas contra a Covid-19 no ano passado”, desabafou Rogério Carvalho. “Mais
cedo ou mais tarde, Bolsonaro vai ter que responder por quais motivos ele não
quis comprar vacina para os brasileiros”, diz Humberto.
A revelação deixou
parlamentares inquietos e indignados na CPI. “Quantas vidas poderíamos ter
salvo se a vacinação tivesse iniciado em dezembro no Brasil? A responsabilidade
dessa omissão e do projeto de genocídio do povo brasileiro é do governo federal
e tem nome: Bolsonaro”, disse o líder da Minoria, Jean Paul Prates (PT-RN).
O esforço de
blindagem do governo não está sendo alcançado porque os depoentes que tentaram
proteger Bolsonaro falharam miseravelmente. Depois de Eduardo Pazuello – que
foi reconvocado e terá novamente de prestar novo depoimento – outra
colaboradora do bolsonarismo até tentou livrar a cara do presidente. Em vão. Na
terça-feira, 25, a secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde,
Mayra Pinheiro, prestou um depoimento repleto de contradições. Apelidada de
Capitã Cloroquina pela imprensa, Mayra confirmou que atuou em defesa do “tratamento
precoce” e da tese da “imunidade de rebanho”, deixando a população brasileira
exposta ao vírus da Covid-19.
Durante o
depoimento, ela ainda desmentiu o ex-ministro Eduardo Pazuello ao apontar que o
aplicativo TrateCov não foi hackeado, como havia dito o general à CPI. Sobre
uso da cloroquina, apesar de defender a existência de estudos comprovando a
eficácia da droga, ela foi desmentida por Otto Alencar (PSD-BA), que é médico.
O senador disse que a cloroquina “não é antiviral em estudo sério nenhum do mundo”.
A CPI vai tomar
novos depoimentos que prometem desvelar o funcionamento do governo. Além de
Pauzello e do ministro Marcelo Queiroga, outros integrantes do chamado
“Ministério Paralelo da Saúde”, que teriam sugerido a Bolsonaro adotar as teses
da imunidade de rebanho e a defesa de medicamento ineficazes do “kit covid”,
como a cloroquina, também serão ouvidos pela comissão. Nesta terça-feira (1º),
a médica Nise Hitomi Yamaguchi vai depor. Ela é defensora do medicamento para a
Covid, apesar da ineficácia.
Mas também serão
ouvidos especialistas, como Clóvis Arns da Cunha, professor de Infectologia da
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente da Sociedade Brasileira de
Infectologia, além da médica Zeliete Zambom, presidente da Sociedade Brasileira
Medicina de Família e Comunidade.
A CPI aprovou ainda
a convocação do ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub, do assessor para
assuntos internacionais da Presidência, Felipe Martins, e do empresário Carlos
Wizard. Todos são defensores de medidas polêmicas e são apontados como alguns
dos conselheiros de Bolsonaro que resultaram na condução desastrosa da
pandemia, que deve piorar nas próximas semanas.
O cenário que se
desenha é devastador, de acordo com especialistas, que apontam para uma
tempestade perfeita no horizonte: vacinação em baixa, platô alto de infecções e
óbitos, sistema de saúde em colapso e a circulação de novas variantes, como a
cepa indiana, já detectada em território nacional pela ineficiência do governo
em controlar fronteiras. A terceira onda chegou, anuncia o neurocientista
Miguel Nicolelis. “Nós já estamos na terceira onda, já temos os indícios”,
alerta.
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