A China não se
resume aos “idealismos transcendentais” dos marxistas acadêmicos (fetiche,
dinheiro, mercadoria e alienação).
por Elias Jabbour
Publicado 12/11/2021 13:29 | Editado 12/11/2021 13:32
A quantidade de
objetivos lançados e perseguidos pelo Estado e o PCCh desde o final da década
passada demandaria um grau de racionalização do processo de produção e tomada
de decisões jamais imaginada na história humana. Uma dessas tarefas têm sido o
de lançar dezenas, centenas de projetos simultâneos com vistas a alcançar a
fronteira tecnológica. Estava começando a cimentar um processo em que
“market-based planning” deveria ser substituído pelo que chamamos de
“project-based planning”.
Ao lado desses
ambiciosos objetivos em matéria de fronteira tecnológica uma imensa transição
já estava em curso na economia chinesa: a transição de uma economia baseada na
construção, em massa, de valores de troca para outra – cada vez mais assentada
em valores de uso. Antigos esquemas de organização do aparato estatal e de
pessoal para a execução de tais empreendimentos deveria passar por imensa
renovação. Isso significa, inclusive que o PCCh deveria se preparar para
comandar esse imenso e desafiador processo. Xi Jinping chega ao poder.
Uma força política
à altura dos desafios autoimpostos por si mesmo deveria se reinventar. Xi
Jinping passa a moldar o PCCh ao desafio de fazer a travessia. Uma grande campanha
de combate à corrupção e elevação do papel da ideologia foi iniciada. A
reconstrução do PCCh tem sido essencial à emergência da Nova Economia do
Projetamento na China. Trata-se de uma dinâmica de acumulação onde determinadas
externalidades negativas são fatais em um ambiente de disputa estratégica e
existencial com o imperialismo.
A Nova Economia do
Projetamento não é uma nova dinâmica de acumulação em si baseada nas novas e
superiores formas de planificação econômica surgidas no país. É a forma histórica
com a qual o socialismo se apresenta diante do mundo. É socialismo! É uma
ideologia! Essa ideologia busca cimentar um pacto de adesão entre povo e PCCh
em torno de grandes objetivos estratégico. O combate à corrupção, a punição de
grandes oficiais e o papel estratégico de uma nova e combativa classe operária
têm sido fundamentais. Nada disso esconde o fato de a China ainda ser um país
muito desigual e imersa em contradições de ordem social. Mas a contradição não
seria um dos sentidos estratégicos da razão em um governo baseado na ciência?
Essa nova classe
operária formada nos últimos dez anos passou a ter peso muito grande no bloco
de poder que compõe o núcleo do Estado chinês. A resposta do Estado às greves
dando ganho de causa a todos os protestos não é um dado solto da realidade,
resultando em aumentos salariais médios nos últimos dez anos superior a 200% e
ao combate recente à precarização do trabalho anexo aos aplicativos de entrega.
Trata-se de algo fundamental. É a volta do que o pesquisador do Instituto
Tricontinental, Marco Fernandes, tem chamado de “linha de massas”. Essa linha
tem garantido base suficiente ao PCCh para enfrentar com ciência tanto o
desafio do Covid-19 como a pobreza extrema. A política explica mais do que a
economia.
Neste sentido o
avançar da China a formas superiores de planificação, a elevação da base
técnica da economia e o ressurgimento da “linha de massas” tem tido como
contrapartida o surgimento de novas sociabilidades sob forma, por exemplo, de
milhões de voluntários ao enfrentamento de grandes problemas. Desde enchentes,
até os programas de combate à pobreza e a grande guerra popular contra o
Covid-19. A China não se resume aos “idealismos transcendentais” dos marxistas
acadêmicos (fetiche, dinheiro, mercadoria e alienação).
Ainda tenho muito a
dizer sobre a atual onda de inovações institucionais voltada a um rearranjo dos
esquemas de propriedade no país. Algo que não tem nada de “onda regulatória”. É
mais de fundo. É estrutural e estratégico. Estudando o 14º Plano Quinquenal na
China. Dado o fato de se tratarem de milhares de projetos sendo executados
simultaneamente, somente um modo de produção de nível superior, capaz de gestar
formas dinâmicas de planificação e execução, é capaz de alcançar os objetivos
propostos. Impossível um país comandado por um punhado de bilionários e com uma
base produtiva e financeira assentada na centralidade da propriedade privada
construir o que os chineses estão a construir nos últimos anos.
Voltarei a escrever
sobre a relação entre o surgimento da Nova Economia do Projetamento e essas
questões de fundo envolvendo a política e a ideologia. Chegou o momento de
enfrentar e vencer o ceticismo e o derrotismo do marxismo acadêmico quando o
assunto é o socialismo e a China.
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