Em meio às críticas de Lula ao Banco Central e a seu presidente devido à manutenção da taxa em 13,75%, economistas apontam impactos que Selic elevada traz para o país
Publicado 08/02/2023 15:54 | Editado 08/02/2023 16:17
Em posse do presidente do BNDES, Lula critica taxa Selic. Foto: Tomaz
Silva/Agência Brasil
Há alguns dias, a queda de braço entre setores que defendem uma agenda governamental voltada para o desenvolvimento econômico e social do país e os mais alinhados ao mercado financeiro ganhou força com as críticas do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em jogo estão as condições que o governo precisa ter para colocar em prática o programa que venceu nas urnas e que tem o desafio de reconstruir o país.
O centro do debate
atual é a alta taxa de juros aplicada no país, de 13,75% ao ano — índice que
segue inalterado desde agosto, sendo o maior nível desde janeiro de 2017 —, e a
autonomia do Banco Central, que pode, como acontece agora, levar a um
descompasso entre as necessidades do governo e da sociedade e a visão do
mercado.
Em comunicado feito
após sua mais recente reunião, ocorrida no dia 1º, quando foi definida a
manutenção do índice, o Comitê de Política Monetária (Copom) destacou que
“irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como
também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que têm mostrado
deterioração em prazos mais longos desde a última reunião”.
Diante desse
quadro, Lula criticou a manutenção da Selic em patamar elevado. Disse não haver
“justificativa nenhuma” para a taxa estar tão alta, em prejuízo do crescimento
do país, e declarou: “É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma
vergonha esse aumento de juros e a explicação que deram para a sociedade
brasileira”. As declarações foram dadas durante a posse de Aloizio Mercadante
na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
na segunda-feira (6).
Leia também: Lula, juros e
bancos públicos
Em entrevista nesta
terça-feira (7), Lula destacou: “Não é possível que a gente queira que este
país volta a crescer com taxa de 13,75%. Nós não temos inflação de demanda. É
só isso. É isso que eu acho que esse cidadão [Campos Neto], indicado pelo
Senado, tenha possibilidade de maturar, de pensar e de saber como vai cuidar
deste país. Ele tem muita responsabilidade”.
Entraves ao
crescimento
De fato, a taxa
elevada traz entraves para que sejam colocadas em prática medidas de estímulo ao
setor produtivo e à geração de emprego e renda, fundamentais para tirar o país
do atoleiro, e beneficia apenas o rentismo. “A taxa de juros afeta o
desenvolvimento na medida em que é uma das variáveis que compõem os empréstimos
bancários. Então toda vez que o industrial vai pegar um empréstimo para
desenvolver a sua matriz produtiva, esse empréstimo está mais caro porque uma
das variáveis, que é a Selic, aumentou”, explicou ao Portal Vermelho a
economista e professora Daniela Cardoso Pinto, da Fundação Escola de Sociologia
e Política de São Paulo.
Por outro lado,
diz, “se o investidor pega esse dinheiro e ao invés de investir na base
produtiva ele aplica no mercado financeiro, remunerado também pela Selic, ele
acaba tendo um rendimento maior, ou seja, a Selic maior desestimula o
desenvolvimento produtivo brasileiro na medida em que se torna mais rentável
você investir no segmento financeiro do que no produtivo”.
Leia também: Copom mantém
Selic em 13,75% e contraria o interesse nacional
Neste mesmo sentido
opina o professor Márcio Pochmann, da Unicamp. “Ao descontar da taxa Selic
anual de 13,75% a inflação acumulada em 12 meses de 5,79%, resta como taxa real
de juros de 7,52% ao ano, a mais alta do mundo. Com isso o banco central
independente contribui para manter o aceso ao rentismo e apagado o crescimento
econômico”, disse, pelas redes sociais.
A segunda taxa mais
alta do mundo, segundo o ICL Economia, é a do México que, descontada a
inflação, está em 5,39% ao ano; a terceira é a do Chile, com 4,66%, ambas bem
abaixo da brasileira.
Pochmann apontou
ainda que “para o Banco Central independente, a cada aumento de um ponto
percentual na taxa básica de juros, a dívida líquida do setor público (DLSP)
cresce R$ 38 bilhões. Como a Selic aumentou 11,75 pp entre agosto de 2020 (2%)
e dezembro de 2022 (13,75%), o impacto na DLSP foi de R$ 446,5 bi. Um gasto
improdutivo”.
Além dos impactos
sobre a macroeconomia e as políticas governamentais, os juros altos também
prejudicam a população, sobretudo aquela que precisa recorrer mais vezes a
empréstimos e cartão de crédito. “A Selic também afeta as pessoas, não apenas o
sistema produtivo, porque ela também é uma das variáveis que compõem o crédito
pessoal que é uma das formas de empréstimo do segmento bancário ao consumidor”,
lembra a professora Daniela.
Eduardo Moreira,
escritor e engenheiro, membro do Instituto Conhecimento Liberta, falou, em
programa do ICL, sobre o impacto que a taxa de juros alta tem sobre o cidadão
comum e criticou a forma como a grande mídia tem tratado a questão.
A taxa alta de
juros, disse, “nos prejudica no nosso dia a dia, porque o crédito que a gente
toma é mais caro, o cartão de crédito é mais caro e o crédito direto ao
consumidor também é mais caro. A economia anda mais devagar, as pessoas têm
menos emprego, então seria natural que a gente questionasse, seria natural que
a gente cobrasse de um presidente da República, que isso fosse questionado.
Mas, no momento em que ele questiona, a mídia vem e vem de um jeito atropelado,
que escancara o partido que a mídia toma”.
Queda de braço
Nesse cenário, a
economista Daniela Pinto vê como “desnecessária” a polêmica envolvendo Lula e o
BC, uma vez que ambos compõem o mesmo governo, e defende que haja diálogo entre
as partes “sobre o que vai ser feito no âmbito fiscal para que os juros possam ceder”.
Nesta terça-feira
(7), Lula declarou: “Ainda não conheço bem o presidente do Banco Central,
estive com ele uma única vez. Sempre parto do pressuposto de que as pessoas
estão com boa-fé, com boa vontade, de que ele (Campos Neto) quer acertar, quer consertar
a economia brasileira, e que a economia precisa voltar a crescer. E para a
economia voltar a crescer, é preciso que os juros sejam acessíveis para parte
dos investidores brasileiros”.
No mesmo dia, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad declarou que a ata do Copom é “mais
amigável em relação aos próximos passos que precisam ser tomados”, em
comparação com o comunicado feito logo após a mais recente reunião do
Comitê.
O ministro também
defendeu uma maior coordenação entre a política fiscal e a chamada política
monetária, a cargo do BC, para conter a inflação.“A coordenação tem duas mãos.
Não é daqui para lá, é daqui para lá e de lá para cá. O que eu sempre defendo
desde a minha primeira entrevista é a harmonização da política monetária e da
política fiscal. A ideia é que são braços do mesmo organismo e que tem que
trabalhar juntos”, afirmou.
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