Ida de Lula à China, a despeito da relevância da
pauta econômica, tem uma significação geopolítica ainda maior
por André Cintra
Publicado 14/04/2023 14:22 | Editado 14/04/2023
14:24
Foto: Ricardo Stuckert
Se a visita de Xi Jinping à Rússia, em março,
assinalou o que o próprio líder chinês chamou de “nova era”, o encontro entre
Xi e o presidente Lula, nesta sexta-feira (14), em Pequim, parece acelerar e
sacramentar esta outra ordem global. “Vamos trabalhar pela ampliação do
comércio e equilibrar a geopolítica mundial”, declarou Lula, ao lado de Xi.
A missão comercial está devidamente cumprida. Em
solenidade no Grande Palácio do Povo, sede do governo, Brasil e China firmaram
o maior acordo bilateral na história das relações entre os dois países. As 15
parcerias firmadas somam mais de R$ 50 bilhões, conforme projeção divulgada
pela Presidência da República.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que integra
a comitiva de Lula à China, ponderou que o Brasil “não pode estar isolado de
ninguém, é grande demais para ficar escolhendo parceiro”. Mas deixou claro que
a dependência do capital norte-americano tem prejudicado o País.
“Queremos investimentos dos Estados Unidos no
Brasil, mas estamos vivendo quase que um momento de desinvestimento. Algumas
empresas americanas no passado tomaram a decisão de deixar o Brasil”, disse
Haddad. Em outras palavras, é hora de buscar recursos asiáticos.
Mas a ida de Lula à China, a despeito da relevância
da pauta econômica, tem uma significação geopolítica ainda maior. O brasileiro
foi categórico e deu o tom em Pequim: “A compreensão que o meu governo tem da
China é a de que temos que trabalhar muito para que a relação Brasil-China não
seja meramente de interesse comercial. Temos interesses políticos – e nós temos
interesses em construir uma nova geopolítica para mudar a governança mundial,
dando mais representatividade às Nações Unidas”.
Ao que Xi Jinping prontamente respondeu: “A China
coloca as relações com o Brasil em um lugar prioritário nas nossas relações
exteriores”. Líder de um “grande país socialista moderno”, o presidente chinês
afirmou que seu governo busca “um desenvolvimento de alta qualidade”, “um novo
paradigma de desenvolvimento”, com “uma abertura de alta qualidade”, que
“destrave novas oportunidades para o Brasil e outros países”.
É como se vivêssemos uma transição histórica que
desafia não apenas a hegemonia norte-americana – mas também o poderio do G7 (o
grupo formado por sete nações que, até duas décadas atrás, eram as mais ricas
do mundo: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e
Canadá).
O que está em jogo é o papel que os Brics (Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul) terão nesta nova ordem. Lá atrás, em
2001, quando o economista Jim O’ Neill, do Goldman Sachs, cunhou o acrônimo
Bric, a ideia era chamar a atenção dos investidores para o crescente potencial
dos chamados “emergentes”.
Mas a articulação desses países foi além dos propósitos
originais. Embora o Brasil tenha perdido força, no grupo e no mundo, com o
governo Jair Bolsonaro (PL), a retomada dos Brics passa necessariamente pela
contribuição de Lula.
Num dia, o presidente brasileiro fala abertamente
em criar alternativas ao dólar no comércio internacional. No outro, reforça a
necessidade de reduzir as assimetrias entre os países. À maneira Lula, sem os
protocolos que costumam marcar as declarações do chinês Xi Jinping ou do russo
Vladimir Putin, os Brics ganham um porta-voz carismático e mobilizador, à
altura destes tempos.
Desde 2020, o PIB dos Brics supera o PIB do G7, um
marco por si só extraordinário. Parece faltar pouco para que o bloco lidere
igualmente a cena geopolítica e influencie cada vez mais a
comunidade internacional.
Em recente depoimento à DW, Günther Maihold, do
Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), resumiu a
sina dos Brics: “A lenda fundadora das economias emergentes esvaneceu. Os
países do Brics estão vivendo seu momento geopolítico”.
Há um consenso de que a guerra na Ucrânia é um
desafio para essa transição. China e Brasil concordaram em tentar viabilizar,
conjuntamente, uma proposta para a paz, sem a ingerência dos Estados Unidos e
da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Se essa proposta
eventualmente vingar, e se iniciativas como a criação de uma moeda comercial
dos Brics saírem do papel, a margem de influência da Casa Branca será a menor
em 80 ou 90 anos.
Jornalista
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