Como todo mundo, choro pelas pessoas que morrem. Conforme envelheço, vou
descobrindo que é por causa delas que sou apaixonado pelo mundo
Cacá Diegues/O Globo
Um monte de jovens médicos e
pesquisadores está chegando a uma conclusão que, se não vai alterar nem um
pouco nossas vidas, vai mexer com o jeito com que saímos dela. Eles dizem que,
em nosso corpo, é o cérebro que descobre e anuncia nossa morte. Com seu
controle sobre tudo o que se passa em nosso organismo, o cérebro percebe que
tal órgão de nosso corpo físico está mal, não está mais em condições de
funcionar. O cérebro decreta então sua falência, não permite mais que uma gota
de sangue inútil seja perdida ali. O órgão para de funcionar e com ele morre o
resto do corpo.
Uma luz definitiva se acende na
escuridão de nosso corpo, o ilumina e então partimos. Acabou-se. Não só gente,
mas mundos acabam assim a todo instante. Mil anos atrás, inundações eram vistas
como presságios apocalípticos. Hoje são apenas sinais da saúde do planeta,
muito além de nosso poder de intervenção. Em uns 4 bilhões de anos a superfície
da Terra deve derreter, o sol vai virar uma estrela vermelha e se expandirá até
sugar tudo em volta, inclusive nosso planeta já todo machucado.
Segundo Octavia Butler, “a mudança é
a única realidade inevitável do Universo, e o nosso destino será sempre o de
tentar criar raízes entre as estrelas”. Seja em que circunstância for, o
planeta vai portanto sempre sobreviver a nós.
Lendo o escritor John Green, entendi
finalmente o sentido total do Antropoceno. O termo visa a designar a era
geológica atual em que os seres humanos tentam, do jeito lá deles, remodelar o
planeta e sua biodiversidade. Podemos um dia mudar tudo isso, quem sabe. Mas
por enquanto é assim mesmo, não há nada a fazer.
Como todo mundo, choro pelas pessoas
que morrem. Conforme envelheço, vou descobrindo que é por causa delas que sou
apaixonado pelo mundo. Apaixonar-se pelo mundo é olhar para cima e sentir a
mente flutuar diante da beleza das estrelas, decifrar seus segredos — como, por
exemplo, a distância entre nós. Às vezes o peito dói e as lágrimas enchem meus
olhos; preciso me afastar dos sentimentos, sabemos todos como o amor termina.
Sinto falta dos que podiam ter se manifestado antes de nós. Dos que viveram o
Antropoceno desde o início, quando o Homo sapiens começou sua Revolução, a
única que fez do mundo outra coisa. E ele podia ter sido mais outra coisa —
naqueles séculos não havia tanta clareza entre o que éramos e o que queríamos
ser.
Ficamos vidrados com o período
Jurássico, que acabou há 145 milhões de anos. Mas ligados mesmo ficamos foi no
Cretáceo, que acabou há 66 milhões de anos com a extinção em massa de 75% das
espécies vegetais e animais, incluindo as espécies do que hoje chamamos, para
facilitar o reconhecimento, de dinossauros. Agora a rapaziada diz que os
dinossauros não eram assim tão grandes, que não passavam de “uns pássaros bem
estranhos”.
Na China Antiga acreditava-se que os
esqueletos de dinossauros encontrados, eram restos de dragões muito antigos, do
tempo dos dragões. Em 1676 o osso de um deles foi tratado como parte dos restos
de um personagem presente na Bíblia (e nomeado “Scrotum Humanum”, descrição
aproximada do formato do pedaço de fêmur encontrado). A história é nova. A
pré-história é mais nova ainda. E a paleontologia, então, nem se fala.
Segundo quem sabe, o peso de todos os
seres humanos que estão por aí é de quase 400 milhões de toneladas. Essa é a
biomassa da espécie. Já a biomassa das bactérias, com as quais lidamos
diariamente, com ou sem consequências para nosso corpo, ela é 35 vezes maior
que a soma de todos os animais existentes. Inclusive os seres humanos.
Para pôr em ordem todo esse pessoal,
teríamos não só que ocupar o planeta como também pedir licença aos responsáveis
pelo Universo para usar os cantos de onde vieram e por onde vivem. Ainda assim,
a gentileza talvez não fosse suficiente.
Pelas estradas da
vida https://bit.ly/3Ye45TD
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