A cúpula com países árabes e com os parceiros BRICS reforçou o papel mediador da China, com seus laços fortes com Israel, confiança dos palestinos e peso no sistema internacional.
por Cezar Xavier
Publicado 21/11/2023 18:01 | Editado 21/11/2023 18:19
O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, aperta a mão de
Riyad al-Maliki, ministro das Relações Exteriores da Autoridade Palestina, de
gravata vermelha, em uma reunião em Pequim na segunda-feira.
Nas últimas horas,
a China se declarou mais assertivamente que nunca sobre o conflito
Israel-Palestina em duas cúpulas importantes, além da atuação que já mantém na
Presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU. Recebeu, nesta segunda
(20), autoridades árabes e muçulmanas em Pequim para discutir o assunto, e,
nesta terça-feira (21), os líderes do grupo BRICS, composto por Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul, condenaram veementemente a guerra de Israel em
Gaza durante uma cúpula virtual presidida pelo presidente sul-africano Cyril
Ramaphosa.
Em uma iniciativa
para desempenhar um papel ativo na busca por um cessar-fogo na guerra de Israel
em Gaza, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, instou a
comunidade internacional a “agir urgentemente” durante uma reunião em Pequim
nesta segunda-feira (20). Autoridades da Arábia Saudita, Jordânia, Egito,
Autoridade Palestina e Indonésia, além do chefe da Organização de Cooperação
Islâmica (OCI), participaram do encontro de dois dias.
“A China acredita
que a consolidação da solução de dois Estados é a melhor forma de alcançar a
justiça e a equidade neste conflito”, afirmou Wang aos líderes visitantes. Ele
enfatizou que a China defende “firmemente a justiça e a imparcialidade” na
questão.
O chefe da diplomacia
chinesa sugeriu uma ação conjunta entre países asiáticos para avançar na
solução de dois Estados, com a consolidação do Estado palestino. Wang ressaltou
que “a China estará sempre do lado da justa causa dos direitos dos povos”.
Os ministros
visitantes expressaram fortes apelos pelo fim do conflito, com o ministro de
Relações Exteriores da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan Al Saud, declarando
que “a guerra deve parar imediatamente”. Eles manifestaram a intenção de
cooperar com a China e “todos os países responsáveis” para enfrentar a
gravidade da situação.
Riyad al-Maliki,
chanceler da Autoridade Palestina, enfatizou a urgência de medidas concretas
para mudar o cenário do conflito e salvar vidas em Gaza. “Propostas que estamos
avaliando devem ser adotadas o quanto antes”, afirmou al-Maliki, destacando a
ameaça à vida dos palestinos.
A reunião ocorre em
meio a informações de que um possível acordo para libertar alguns reféns e
pausar os combates pode estar próximo, após semanas de negociações mediadas
pelo Catar entre Estados Unidos, Israel e o grupo militante. Wang criticou a
retaliação de Israel, pedindo o fim da punição coletiva e a abertura de um
corredor humanitário.
Contraponto entre
as potências
A China tem buscado
desempenhar um papel ativo na resolução do conflito, contrastando com a
abordagem dos Estados Unidos, tradicional mediador na região. Pequim enviou um
enviado de paz à região no mês passado e pressionou por um cessar-fogo nas
Nações Unidas, durante esta sua presidência rotativa do CS em novembro.
Na semana passada,
o Conselho de Segurança aprovou sua primeira resolução sobre o conflito,
apelando à libertação imediata de reféns e à criação de corredores humanitários
em Gaza. A China, que presidiu a sessão, elogiou a decisão, enquanto EUA e Reino
Unido se abstiveram.
O conflito oferece
à China uma oportunidade de fortalecer laços com países árabes. Wang destacou o
apoio chinês aos direitos e interesses legítimos dos países árabes e
muçulmanos, respaldando os esforços palestinos para restaurar seus direitos e
interesses nacionais legítimos.
Pequim, em
desacordo com Washington sobre um cessar-fogo imediato, continua a se
posicionar como um ator importante na busca por uma solução justa e duradoura
para o conflito em Gaza.
Alerta dos BRICS ao Norte Global
Em uma ação
notável, o BRICS, que historicamente focava em questões econômicas, pediu o fim
dos “crimes de guerra” e instou ambas as partes a cessarem as hostilidades para
aliviar a crise humanitária na região.
A denúncia veio em
resposta aos ataques a civis tanto na Palestina quanto em Israel. O grupo
expressou preocupação com o deslocamento forçado de palestinos, classificando-a
como “crimes de guerra”. O presidente sul-africano destacou que as ações de
Israel violam o direito internacional, classificando a punição coletiva de
civis palestinos como equivalente a um crime de guerra e genocídio.
Embora o grupo
BRICS não tenha emitido uma declaração conjunta, o “resumo do presidente”
refletiu a crescente assertividade do Sul Global ao abordar questões geopolíticas
sensíveis. A reunião contou com a participação de líderes de países
recém-adicionados ao BRICS: Egito, Etiópia, Argentina, Arábia Saudita, Emirados
Árabes Unidos e Irã.
O secretário-geral
das Nações Unidas, António Guterres, também esteve presente, destacando o
crescente apelo global para encerrar o conflito em Gaza. A posição do Sul
Global se destaca, criticando a postura dos Estados Unidos, Reino Unido e União
Europeia, que, apesar de se autodenominarem defensores da democracia e dos
direitos humanos, apoiam a guerra de Israel.
Embora a Índia
tenha adotado uma posição mais moderada, apelando à contenção e ao apoio
humanitário imediato, outros países como Rússia e Brasil já haviam criticado os
ataques de Israel, enquanto a China reforçou seus posicionamentos ao receber a
delegação de países muçulmanos, buscando um cessar-fogo.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que
os Brics precisam atuar para evitar que a guerra se espalhe para
outros países. Ainda de acordo com o presidente brasileiro, o conflito no
Oriente Médio é fruto de décadas de frustração e injustiça, representada pela
ausência de um lar seguro para o povo palestino. “É fundamental acompanhar com
atenção a situação na Cisjordânia, onde os assentamentos ilegais israelenses
continuam a ameaçar a viabilidade de um Estado palestino”, enfatizou o
presidente.
A África do Sul,
com uma história marcada pelo apartheid, tem sido um dos mais veementes
defensores de um cessar-fogo, mesmo sendo o maior parceiro comercial de Israel
no continente africano. Na terça-feira, o Parlamento sul-africano votou pelo
encerramento da embaixada de Israel em Pretória, sinalizando uma mudança
significativa na relação bilateral. Israel, em resposta à crescente
hostilidade, chamou de volta seu embaixador na África do Sul.
A postura dos
BRICS, tradicionalmente evitando questões políticas e de segurança, marca uma
mudança significativa. Combinados, esses países representam 40% da população
mundial e um quarto da economia global. O grupo tem buscado uma voz mais
proeminente na ordem global, desafiando a hegemonia ocidental liderada pelos
Estados Unidos.
Enquanto a África
do Sul, em particular, tem influenciado a postura do grupo em relação ao
conflito em Gaza, o impacto real na direção da guerra de Israel permanece
incerto. No entanto, os BRICS estão se tornando um bloco mais assertivo,
buscando uma ordem mundial mais equitativa e diversificada.
As reuniões são um
sinal de que a China, o país mais rico do bloco, está intensificando o seu
papel internacional, preenchendo o vazio de poder deixado pelos EUA, segundo o
analista político Ibrahim Fraihat, em análise feita para a Aljazira. “Os EUA
deram um tiro no próprio pé ao lançar todo o seu peso ao lado de Israel e, ao
fazê-lo, diminuíram o seu papel como intervenientes terceiros credíveis”, disse
Fraihat, do Instituto de Pós-Graduação de Doha.
“As autoridades
chinesas estão muito interessados neste papel – têm laços fortes com Israel,
têm a confiança dos palestinos e peso no sistema internacional”, acrescentou,
referindo-se ao poder de veto da China no Conselho de Segurança da ONU.
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