Matheus Gouvea/BBC
Um novo porto que
a China constrói no Peru pode ser uma porta do Brasil para
o Pacífico, com um potencial de gerar ganhos significativos para as exportações
nacionais.
Por ali, devem ser escoados rumo
à Ásia desde materiais para a transição energética, como o lítio, a
alimentos e produtos industrializados.
Ao mesmo tempo, o megaprojeto
bilionário deve encurtar em um terço o tempo médio que a produção brasileira
leva para chegar ao Oriente.
A empresa chinesa à frente da obra
também diz que a iniciativa tem despertado o interesse de empresários
brasileiros porque tem o potencial de gerar novos negócios — mas, para tirar
proveito disso, o Brasil teria que investir em melhorar sua infraestrutura,
dizem analistas.
Com inauguração prevista para o próximo ano, o porto conta com um investimento
da China na América Latina de natureza e porte inéditos da China.
Também é uma das principais iniciativas do ambicioso plano de investimentos de
Pequim conhecido como One Belt, One Road (Um Cinturão, uma
Rota, em tradução livre), ou "Nova Rota da Seda", que busca
transformar a geografia econômica global, como apontam especialistas.
Ao mesmo tempo, a construção do porto
de águas profundas, que criará uma nova conexão que vem sendo apelidada de
"Xangai-Chancay", é vista com preocupação pelo governo dos Estados
Unidos.
O receio é que isso amplie ainda mais
a influência e fortaleça os laços comerciais (e oficiais) de Pequim com países
da América do Sul e contribua para que a China controle o fornecimento de
materiais críticos na região.
Novo centro de
conexão com a Ásia
Localizado a cerca de 60 quilômetros
da capital peruana, Lima, Chancay é o primeiro porto com maioria de capital
chinês na América Latina.
O investimento é de cerca de US$ 3,6
bilhões (R$ 17,8 bilhões). A empresa chinesa COSCO Shipping detém uma
participação de 60% no porto e a Volcan do Peru, 40%.
A pretensão é que este porto seja um
novo centro de conexão da região com a Ásia que poderá trazer vantagens para
uma série de países sul-americanos.
Chancay pode facilitar a exportação
de materiais críticos para indústrias como a de veículos elétricos, que
necessitam, por exemplo, de cobre e lítio, metais em que a América do Sul é
líder em reservas.
O projeto representa também uma
consolidação dos investimentos da China no Peru.
Nos últimos anos, cerca de US$ 15
bilhões (R$ 74,5 bilhões) foram destinados pela China à mineração no país
sul-americano, de acordo com o governo peruano.
A presidente peruana, Dina Boluarte,
se reuniu com o líder chinês, Xi Jinping, durante a reunião anual da Cooperação
Econômica da Ásia-Pacífico (Apec), realizada em São Francisco em meados de
novembro.
Na ocasião, Boluarte reforçou um
convite para que ele participe da cúpula do próximo ano, que será em Lima, e
quando se espera que seja inaugurada a primeira fase do projeto.
"Os líderes discutiram a
iniciativa chinesa de construir infraestrutura para o comércio internacional,
algo em que Boluarte mostrou interesse em ter a participação do Peru",
disse o governo peruano em um comunicado sobre o encontro.
Segundo Omar Narrea, pesquisador do Centro de Estudos da China e Ásia-Pacífico
da Universidade do Pacífico em Lima, Chancay faz parte da "Nova Rota
Marítima da Seda" da China, que visa alcançar um maior número de
continentes.
"Há uma transformação da
geografia econômica global", afirma ele à BBC News Brasil.
Para Narrea, o projeto serve ainda
como uma rota alternativa, especialmente em um cenário no qual outros
corredores marítimos ao redor do mundo sofrem uma série de riscos.
Nas últimas semanas, por exemplo, uma
seca que afeta o Canal do Panamá impede a passagem de centenas de navios e
torna os fretes mais longos e caros.
"Chancay surge neste cenário
como uma opção interessante e resiliente às mudanças climáticas", avalia.
Chancay também pode beneficiar a
exportação de países vizinhos, incluindo Brasil, Equador, Colômbia, Bolívia e
Chile.
Os últimos dois compõem o chamado
Triângulo do Lítio junto com a Argentina, e são detentores das maiores reservas
mundiais deste metal.
Como a Bolívia não tem acesso ao mar
e boa parte da exploração chilena fica no norte do país, a alguma distância dos
principais portos, especialistas apontam Chancay como uma potencial porta de
saída para esta matéria-prima.
Ao mesmo tempo, o Peru busca
consolidar-se como um hub regional em termos marítimos,
explica o pesquisador.
Nos últimos anos, foram realizados
investimentos estrangeiros de US$ 6 bilhões (R$ 29,8 bilhões) nos portos do
país, com uma série de parceiros, segundo Narrea.
Um novo acesso do Brasil ao Pacífico
Especialistas, empresários e os
envolvidos na construção concordam que o porto de Chancay é uma oportunidade do
Brasil se aproximar de mercados asiáticos, especialmente para os Estados
brasileiros mais afastados do Atlântico.
Com a nova rota, há expectativa de o
tempo médio de entrega de alguns fretes possa cair em um terço, chegando ao seu
destino em 15 dias a menos do que o normal.
"Hoje, as viagens duram em média
45 dias até a China. Essa redução significa queda nos custos e aumento de
competitividade", diz Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.
Uma série de reuniões foram
realizadas nos últimos meses com mais de cem empresários e governadores brasileiros
com o objetivo de familiarizá-los com o porto e explorar Chancay como rota
estratégica para a Ásia, diz Mario De Las Casas Vizquerra, gerente de assuntos
públicos da COSCO Shipping.
Segundo ele, o interesse vem
particularmente do Acre, Rondônia e Mato Grosso. "Empresários brasileiros
encontram em Chancay um atraente centro de interesse focado em busca de
vantagens derivadas da redução de custos logísticos", afirma.
Vizquerra calcula que, ao longo dos
anos, as exportações brasileiras pelo porto podem atingir a soma de até US$ 30
bilhões (R$ 148,9 bilhões).
Em 2022, o Brasil exportou US$ 335
bilhões (R$ 1,66 trilhão) em produtos, sendo US$ 91,3 bilhões (R$ 453,1
bilhões) para a China, que lidera o ranking de compradores, segundo o governo
brasileiro.
Entre produtos que podem ser
impulsionadas pelo novo porto, estão os tradicionais envios à Ásia: soja em
grãos e farelo, carne bovina, celulose e milho.
Sueme Mori avalia que algumas
exportações com tempo de vida útil reduzido, como frutas, também podem ganhar
mercado com a menor duração das viagens.
"Sabemos que há demanda na Ásia,
mas há a questão do 'tempo de prateleira' reduzido", diz.
Vizquerra destaca a Índia como um
potencial parceiro importante e acredita que a abertura do porto pode abrir
caminho para aprofundar a relação comercial do Brasil com o país.
Mas não é só o agro brasileiro que
pode se beneficiar de uma nova saída para o Pacífico.
A obra também é vista como um
potencial canal para negócios de maior valor agregado, como os produtos fabricados
na Zona Franca de Manaus.
Ao mesmo tempo em que a China é a
maior fornecedora de insumos para o polo industrial, conforme o governo do
Amazonas, o porto pode ser usado para escoar produtos industrializados feitos
no Brasil.
"O comércio é uma via de mão
dupla. A China deve mandar insumos e levar produtos acabados e
commodities", disse o governo do Amazonas em nota à BBC News Brasil.
Narrea avalia que Chancay é
"perfeito" para exportar a produção da Zona Franca de Manaus”.
"O Brasil tem know-how para muitas
produções, e, com o porto, será mais fácil, porque ajudará na logística,
aumentando a competitividade."
Vizquerra destaca ainda que a
ascensão da indústria tecnológica na Coreia do Sul e o desenvolvimento contínuo
da sua indústria naval cria oportunidades para diversificar os países para onde
o Brasil exporta.
Em 2022, os envios do Brasil para
este parceiro asiático somaram US$ 5,02 bilhões (R$ 24,9 bilhões), com destaque
para o envio de commodities.
Brasil precisará investir em infraestrutura
Mas também é consenso entre
especialistas que o Brasil precisará fazer investimentos em infraestrutura para
levar produtos do país à costa do Peru.
Jorge Luis Castillo Hurtado,
professor da Universidad Nacional Amazónica Madre de Díos, pesquisa a
integração entre Brasil e Peru e lembra que, inicialmente, houve um projeto de
criar três eixos interoceânicos entre Brasil e Peru, ao norte, centro e sul do
território brasileiro.
"Mas o único que foi concluído
foi o sul, em 2010", diz Hurtado.
'Na época, as obras faziam parte de
uma iniciativa de integração sul-americana promovida pelo governo brasileiro.
Uma das intenções era ajudar a conectar Estados como Mato Grosso e Acre aos
portos do Pacífico."
Atualmente, há um fluxo turístico que
percorre as rotas até o Peru, mas a infraestrutura não está totalmente
preparada para intercâmbios comerciais, afirma Hurtado.
"Para ser mais funcional, as
condições atuais teriam de ser melhoradas, talvez necessitando de uma linha
ferroviária", avalia.
Vizquerra destaca que as estimativas
mais otimistas dependem "substancialmente da implementação de esforços no
transporte interno bimodal e da construção de uma ferrovia que ligue os portos
peruanos às regiões produtivas do Brasil".
Além de aspectos mais técnicos,
envolvendo inclusive o relevo dos Andes, essas obras enfrentam também desafios
de possíveis impactos ambientais e um histórico recente delicado nos
investimentos envolvendo os dois países.
Hurtado avalia ainda que existem dificuldades
na aprovação de determinados projetos nesta área devido aos possíveis prejuízos
à biodiversidade e aos povos indígenas.
"Estas infraestruturas são
sempre objeto de observação, mas creio que já foram desenvolvidos parte dos
projetos necessários, o que provavelmente não acarretaria maiores
prejuízos", afirma.
Narrea destaca que os acordos entre
Brasil e China buscam evitar produtos que promovam o desmatamento.
"Atualmente, há uma grande
preocupação com as questões ambientais. A ideia é tornar as cadeias de
abastecimento sustentáveis e não apenas retirar matérias-primas", afirma.
Além disso, o Peru enfrenta um grave
problema de desconfiança gerado pelas denúncias de corrupção envolvendo grandes
obras no país, segundo o Ministério Público peruano.
Entre os envolvidos, segundo as
denúncias, estariam a empreiteira brasileira Novonor, antiga Odebrecht, e o
ex-presidente peruano Alejandro Toledo.
O antigo mandatário sempre negou as
acusações, enquanto a empresa aceitou um processo de colaboração com a Justiça
peruana devido às suas atividades no país.
"É possível que o passado de
corrupção, incluindo não só a Odebrecht, mas também as empresas peruanas, crie
barreiras para novas obras", afirma Castillo Hurtado.
"Para que os projetos sejam
aprovados, seriam necessárias todas as garantias devido ao desconforto que
esses casos causaram na população peruana."
Ou seja, antigas barreiras ainda
podem seguir bloqueando o acesso brasileiro ao Pacífico.
Avanço da China preocupa EUA
Outro fator relevante neste contexto é que o avanço da China na América do Sul
simbolizado pela construção do porto de Chancay preocupa os Estados Unidos.
O governo de Joe Biden já fez uma
série de sinalizações sobre os temores de que a China domine o fornecimento de
materiais críticos, inclusive minerais, na América do Sul.
Em outubro, a Casa Branca enviou um
pedido de orçamento suplementar ao Congresso que inclui verbas para
"fornecer alternativas ao financiamento coercitivo da China nos países em
desenvolvimento".
O documento fala em "maior apoio
aos aliados e parceiros na competição estratégica com a China".
Por sua vez, até o momento, o governo
peruano tem evitado tomar partido nas disputas.
Na mesma reunião da Apec em que se
reuniu com Xi, Boluarte conversou com Biden, a quem já havia visitado algumas
semanas antes.
Para Narrea, o governo peruano
basicamente disse: "Sim, há muito investimento chinês, mas deixem os
americanos virem também. As portas ainda estão abertas para eles".
O pesquisador lembra que há uma série
de investimentos do país no Peru, especialmente em minas de cobre, o que é o
caso também de outros aliados de Washington, como o Reino Unido.
Líderes militares americanos se
disseram profundamente preocupados com o aumento nos portos de propriedade
chinesa na América Latina que "poderia beneficiar as suas Forças
Armadas", de acordo com um relatório da Comissão EUA-China (USCC).
"Por que a China precisaria
construir bases navais ao redor do mundo?", disse o senador Marco Rubio,
republicano da Flórida, membro do Comitê de Inteligência do Senado, de acordo
com o relatório.
"Eles terão direitos de visita
para basicamente nacionalizar e operacionalizar qualquer porto que controlem no
mundo em tempos de conflito, se necessário, e não haverá nada que possamos
fazer a respeito."
Por sua vez, Narrea rechaça a ideia,
e reforça os fins comerciais do investimento, e lembra seu caráter privado da
obra.
"É um modelo de negócios, não
existem apenas fins políticos, já que há um investimento forte."
Cada
qual em sua trincheira https://bit.ly/3Ye45TD
Postado por Luciano Siqueira às 19:08 Nenhum comentário:
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