A exemplo de Cid, cerca de 35 prefeitos pedetistas devem se filiar ao PSB, mesmo caminho da secretária-executiva do Ministério da Educação, Izolda Cela
por André Cintra
Publicado 05/02/2024 19:01 | Editado 05/02/2024 19:23
Contrariando o
ditado, os raios do interior do Brasil podem cair duas vezes ou mais num mesmo
lugar – e certamente caíram em duas das cidades que mais intrigam os caçadores
de curiosidades: Cachoeiro de Itapemirim (ES) e Sobral (CE).
No ranking
capixaba, Cachoeiro é apenas o quinto município mais populoso, com seus quase
186 mil moradores. Mas de lá saíram nada menos que o maior cronista do País, o
“velho” Rubem Braga, e talvez o maior artista popular, o “rei” Roberto Carlos –
o que já é o bastante para causar uma boa inveja nas demais 5.567 cidades
brasileiras.
Sobral, com pouco
mais de 200 mil habitantes, é 12 vezes menor do que a capital cearense,
Fortaleza. Perde também em população para Caucaia, Juazeiro do Norte e Maracanaú,
mas ganha dessas três em quantidade de filhos famosos. São sobralenses, entre
outros, o humorista Renato Aragão, o cantor Belchior e o produtor Luiz Carlos
Barreto.
Só que Cachoeiro e
Sobral não são “iguais em tudo e na sina”. Uma e outra têm a tradição de clãs
políticas fortes e longevos. Mas a família Ferreira Gomes, em atuação desde o
final da década de 1960, ultrapassou os limites de Sobral e as divisas do
Ceará. Seus principais expoentes eram conhecidos como os filhos do patriarca
José Euclides Ferreira Gomes Júnior, o primeiro a ocupar um cargo majoritário.
José Euclides foi
prefeito de Sobral de 1977 a 1983, sempre nos partidos governistas da ditadura
militar – primeiro, a Arena (Aliança Renovadora Nacional); depois, seu
sucessor, o PDS (Partido Democrático Social). O filho mais velho, Ciro Gomes,
elegeu-se deputado estadual em 1982, tendo Sobral como maior reduto de votos.
No ano seguinte, trocou o PDS pelo PMDB, no que foi seguido pelo irmão Cid
Gomes.
A trajetória
partidária dos irmãos é parecida. Por mais de 40 anos, Cid acompanhou Ciro a
cada nova legenda. Depois do PMDB, foram para PSDB, PPS, PSB, Pros e PDT. Os
cargos que ocuparam também foram majoritariamente comuns: deputados estaduais,
prefeitos (Ciro de Fortaleza, Cid de Sobral), governadores e ministros de
estado. Ciro ainda foi deputado federal, e Cid é senador desde 2019.
Em sua marcha
invariavelmente comum de Sobral para o Brasil, os irmãos Gomes tiveram mais
afinidades entre si do que divergências. Porém, a relação com o presidente Lula
(PT), neste momento tão decisivo para os rumos do Brasil, impôs uma inédita
separação.
A rigor, as
opiniões estavam em desarmonia desde 2022. Nas eleições presidenciais, Cid
avaliava que o PDT devia ter composto a chapa de Lula já no primeiro turno.
Ciro, irredutível com Lula e com o PT, manteve uma candidatura que não
unificava sequer seu partido. As urnas deram razão a Cid: em quatro anos, Ciro
encolheu de 13,3 milhões de votos para 3,6 milhões.
Com a eleição de
Lula, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, foi nomeado ministro da
Previdência Social. Ciro ainda lutou para que o partido deixasse o cargo e
passasse a fazer oposição. Sua postura o levou a um progressivo isolamento, que
chegou ao auge neste domingo (4), data em que Cid, pela primeira vez, decidiu
escolher um partido de modo independente do irmão mais velho.
Enquanto Ciro
permanece no PDT – que continua na base de Lula –, Cid migrou para o PSB,
partido do vice-presidente Geraldo Alckmin. O ato de filiação contou com a
presença do ministro da Educação, Camilo Santana (PT), que foi governador do
Ceará de 2015 a 2022. Em resposta a Ciro, a atividade acabou por ampliar a
frente cearense de apoio ao governo federal.
O prejuízo para o
PDT não foi pequeno. Cerca de 35 prefeitos pedetistas também devem se filiar ao
PSB, a exemplo da secretária-executiva do Ministério da Educação e
ex-governadora, Izolda Cela. Deputados estaduais e federais podem seguir o
mesmo caminho, deixando em definitivo a órbita de Ciro Gomes.
Sobral continuará a
chamar a atenção do Brasil por suas inusitadas vocações. Mas o racha na família
Gomes aponta para um ostracismo ainda maior de Ciro e uma reconfiguração da
cena política local. A notícia é boa para quem aposta no sucesso do governo
Lula e na reconstrução do Brasil.
Uma cidade que pode
se beneficiar desse rearranjo é Fortaleza, onde um bolsonarista, Capitão Wagner
(União Brasil), aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto à
prefeitura. Cid foi bem-sucedido em demarcar com Ciro. O desafio da frente ampla
no Ceará, agora, é derrotar novamente o bolsonarismo e a extrema-direita –
desta vez, nas eleições municipais.
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