Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Procura-se minimizar o Dia Nacional de Luta convocado pelas
centrais sindicais a partir de uma comparação cinematográfica com os protestos
de caráter político ocorridos em junho. É uma comparação e indevida. A nova
moda ideológica é falar em “velho” e “novo.”
Aquelas mobilizações tiveram clara natureza política,
apontando, difusamente, para autoridades constituídas – fosse o prefeito, o
vereador, o guarda da esquina, o governador, a presidente da República e assim
por diante. Eram formadas por uma massa de jovens, em sua maioria estudantes,
com ideias diversas e até antagônicas. Sua direção era semi-secreta,
movimentando-se por sites, vídeos e blogs da internet. Havia anarquistas,
libertários e fascistas, que chegaram a carregar faixas pedindo a volta dos
militares ao poder. Vídeos com audiência nos milhões de pessoas pediram boicote
a Copa e até a suspensão de investimentos no país. Interessada em manter Dilma
Rousseff sob pressão, os grandes grupos de mídia adoraram. Divulgaram datas e
locais dos protestos como se prestassem um serviço para shows e peças de
teatro.
Os protestos trouxeram benefícios palpáveis, como redução
nas tarifas. Também obrigaram as instituições políticas a responder a demandas
há muito tempo ansiadas pela população. Mas também deram curso a atos de
demagogia e grande oportunismo. O Congresso Nacional transformou-se numa usina
de projetos aprovados a toque de caixa, apenas para agradar a multidão. Uma das
principais questões colocadas pelas ruas – uma reforma de fundo em nosso
sistema político – pode ser destruída, ponto a ponto, em negociações destinadas
a bloquear a participação popular nas decisões. Velho? Novo?
O Dia Nacional de Luta foi um ato das lideranças de
trabalhadores, que, como apontou o jornal espanhol El País, pela primeira vez
em 22 anos foram às ruas numa mobilização nacional para defender seus
interesses e cobrar providências do governo. Não foi um grande espetáculo nem
um ato de ruptura com o governo Dilma, como gostaria a oposição.
Mas foi um aviso definido numa situação bem específica.
Em vários pontos de São Paulo, viveu-se um clima de feriado
– ainda mais notável porque as linhas de ônibus e o metrô funcionaram
normalmente. Os protestos em grandes empresas, no Paraná, em Goiás, foram
vigorosos entre categorias importantes. Um ato reuniu 15 000 pessoas no Recife
e 10 000 em Belo Horizonte. Ocorreram marchas em Cuiabá e em Brasília mas
também em São Luís e Fortaleza. Quatro mil trabalhadores de São Bernardo do
Campo desfilaram pela Via Anchieta. Se cabe registrar a denúncia de pagamento
de ajuda de custo cachê recebido por manifestantes da avenida Paulista, convém
não tomar a árvore pela floresta. A 25 de março, maior centro de comércio do
país, foi paralisada, evento nada desprezível. O Rio de Janeiro assistiu a um
protesto de 20 000 pessoas.
É preciso muito esforço para não enxergar sua importância –
apesar da desvantagem numérica e da falta daquele glamour midiático de uma ação
comandada por pessoas com menos de 24 anos.
No Brasil de 2013, os juros estão em alta, o crescimento
econômico encontra-se em queda e os trabalhadores estão preocupados com o
futuro de suas famílias. Ninguém sabe até quando o desemprego permanecerá
baixo. Nem até quando os salários poderão subir sempre um pouco acima da
inflação. Coisas “velhas”, com certeza. Mas imagine o “novo” que pode estar a
caminho.
Antes de acreditar nos ideólogos que em menos de 24 horas
descobriram a nova divisão do mundo e das pessoas, é bom lembrar que o trabalho
assalariado não foi abolido, apesar do desemprego estrutural crescer em vários
países e versões inesperadas de trabalho escravo terem surgido. Ter um bom
emprego continua sendo a principal referência de existência e conforto para a
imensa maioria da população, ao menos enquanto o mundo viver sob regras da
economia atual e não for possível criar uma sociedade do lazer ampla e
irrestrita.
As questões deste universo, do trabalho foram colocadas pela
manifestação de ontem. Nada “novo,” é verdade. Mas dolorosamente real.
Os sindicatos pedem atenção às aposentadorias, questão
essencial num país em processo acelerado de envelhecimento. Também denunciam as
politicas de terceirização, que ameaçam progressos históricos obtidos a partir
da CLT. Não querem o “novo”, se isso significa criar um mundo pior que o
“velho.”
Enfraquecer as organizações do movimento sindical de todas
as maneiras constitui um objetivo estratégico do conservadorismo brasileiro
desde 1954, quando Getúlio Vargas foi arrancado do Catete pelo tiro do suicídio.
Essa meta alimentou o golpe de 1964, e, com todas as nuances e correções,
encontra-se por trás de campanhas permanentes contra o sindicalismo brasileiro
nos dias de hoje. Como a CLT foi assinada em 1944, é vista como símbolo do
“velho.” Mas era o “novo” em relação a 1930, quando a questão social era “caso
de polícia.”
Novo, velho? Não vale fazer papel de bobo.
Convém não esquecer que o atual governo não foi gerado em
gabinetes da FIESP nem em piqueniques acadêmicos mas tem raízes nas greves de
trabalhadores dos anos 70.
E é evidente que dividir e enfraquecer o movimento sindical
será um objetivo essencial da oposição para 2014, quando se joga a sucessão
presidencial de Dilma Rousseff, desde já a mais difícil disputa política para
os trabalhadores desde 2002.
A principal crítica que se faz aos protestos foi ter,
supostamente, um caráter governista, de quem teria sido cooptado pelo governo
em troca de favores e presentinhos. Em tom de lamúria, lamenta-se que o
sindicalismo tenha perdido a vocação “autentica” para assumir velhas práticas
de conciliação e submissão. Numa versão verde-amarela da estratégia
thatcherista de deixar as entidades sindicais sem recursos, estrangulando sua
atividade com a falta de dinheiro, volta-se a criticar o imposto sindical, que
todo trabalhador pode se recusar a pagar, sendo devidamente estimulado a fazer
por funcionários de RH de grandes empresas.
Falar em “acomodação” e “peleguismo” é uma ação de fundo
eleitoral, para ajudar aquele “novo” que ninguém sabe quem será. Tenta-se, com
ela, esconder benefícios reais conseguidos nos últimos anos.
A maioria dos trabalhadores votou na eleição de Dilma em
2010, assim como assegurou as duas eleições de Lula. Obteve conquistas
importantes, ainda que o país não tenha, obviamente, chegado ao paraíso.
A renda média do cidadão brasileiro continua muito baixa. O
salário médio não permite à maioria dos brasileiros ter acesso a bens e
confortos que são padrão neste início de século XXI.
A falta de qualidade nos serviços públicos atinge um padrão
vergonhoso.
Apesar disso, na última década os trabalhadores conseguiram
melhorias importantes, muitas inéditas. O desemprego caiu a um nível nunca
visto. O salario mínimo não parou de subir. O emprego formal cresceu e a
desigualdade regional diminuiu. Apresentado como filantropia de fins
eleitorais, o Bolsa Família nada mais é do que uma resposta dos poderes
públicos a condição de miséria na qual sobrevivem milhões de famílias de
trabalhadores sem emprego decente, sem estudo formal e sem qualificação
profissional, a que todos deveriam ter direito.
O problema real é outro. Entregue aos solavancos e misérias
do mercado, o mundo encontra-se em sua pior crise desde 1929. Em toda parte,
conquistas históricas da se encontram sob ameaça – quando não foram
simplesmente revogadas.
A regressão é geral e muita gente repete que não há outra
saída. É o novo conformismo. Novo?
Este é o mal que ronda a Terra, como assinalou Tony Judt, um
dos principais historiadores de nosso tempo.
O debate realmente novo é impedir este processo de chegar ao
País.
A oposição, em suas várias faces e muitas máscaras, está
pronta para cumprir seu papel. Recebe estímulos, favores e até carinhos. Fala
através de eufemismos e encontra-se bem protegida.
Por trás dela encontra-se o rumo das conquistadas arrancadas
depois de 2002 – e o que será feito com elas no pós-2014.
Este é o debate que o Dia Nacional de Luta colocou. Convém
não desprezá-lo.
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