Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A semana termina com a imprensa tradicional buscando
consolidar sua versão do cenário eleitoral para 2014: uma pesquisa do Ibope,
publicada nesta sexta-feira (19/7) pelo Estado de S. Paulo, tenta demonstrar
que a popularidade da presidente da República segue perdendo pontos. Na
verdade, o retrato é semelhante ao da última pesquisa do Datafolha e ao da
CNT/DMA, divulgadas nos últimos dias, e mostra uma situação de estabilidade.
Na manchete do Estadão, os indicadores do Ibope são usados
para afirmar que o ex-presidente Lula da Silva superaria a presidente Dilma
Rousseff em um dos cenários propostos. Acontece que, em todas as alternativas
prospectadas, Dilma ou Lula venceria a eleição, contra qualquer candidato de
outro partido.
Os jornais parecem fazer um esforço conjunto para demonstrar
que o primeiro mandato de Dilma Rousseff é um fracasso, usando como argumento a
queda de popularidade da presidente, num contexto em que todo o campo político
é avaliado negativamente por grande parte da população.
No entanto, ao insistir na observação particularizada de
cada possível candidato, os institutos de pesquisa e a imprensa desconsideram o
fator relevante representado pela percepção dos subcampos políticos
específicos. Por exemplo, em qualquer uma das pesquisas divulgadas nos últimos
quarenta dias, fica claro que a maioria da população prefere as propostas
vistas como mais progressistas e repudia o discurso mais conservador. As
pesquisas de intenção de voto seriam mais úteis, principalmente para a oposição
ao governo federal, se fossem emparelhadas a consultas sobre como o brasileiro
vê o atual momento do País, em comparação com a década anterior.
Claramente, se o ex-presidente Lula ainda é considerado o
candidato preferido da maioria, segundo o Ibope, é porque a população aprova
seus dois mandatos, o que explicaria por que, na pesquisa CNT/DMA, o PSDB
aparece com apenas 5,6% das preferências e o Democratas nem mesmo é citado, na
questão sobre que partido o eleitor gostaria de ver na Presidência da República
em 2015.
Ao pintar um retrato artificial do eleitorado, a imprensa
oferece oportunidade para manifestações triunfais de representantes da
oposição, mas acaba prestando um desserviço aos interesses oposicionistas ao
criar a ilusão de que uma porcentagem importante da sociedade repudia o governo
petista.
A rigor, entre os candidatos que supostamente representariam
uma mudança na orientação do governo, somente Marina Silva aparece com chance
de competir no segundo turno – e o discurso de Marina não é propriamente conservador.
Olhando para a frente
O que o eleitorado está dizendo é que não quer uma volta ao
passado. Esse também é o discurso presente nas manifestações que tomaram as
principais cidades do País no mês de junho e que persistem em algumas capitais,
como Rio de Janeiro e Porto Alegre.
O mesmo erro é repetido pela imprensa ao analisar esses
protestos; mesmo que, em algumas situações, sejam dirigidos a um governante
específico, como no caso do governador Sérgio Cabral, do Rio, não há evidências
de que os manifestantes repudiam os avanços produzidos por seu governo no campo
da segurança pública, por exemplo.
O que os ativistas parecem demonstrar é a sua desaprovação à
aparente incapacidade de Cabral de promover mudanças ainda mais radicais; seu
hábito de sobrevoar a sociedade a bordo de helicópteros e jatos particulares
passa a impressão de que não está sintonizado com os problemas reais do Estado.
Há um simbolismo de fácil interpretação nessa relação
aparentemente esquizofrênica, na qual um governante é criticado ao ponto de sua
residência permanecer sitiada por semanas e, ao mesmo tempo, seus atos de
governo serem aprovados pela maioria. Essa aparente contradição não é captada
pela imprensa tradicional, que tem dificuldade para lidar com os extremos das expressões
de massa, como a depredação da sede do grupo Globo e outros atos de vandalismo
produzidos na noite da última quinta-feira (18).
A imprensa vê ação de criminosos nessa violência, mas
precisa capitalizar o contexto geral de descontentamentos e ressaltar o que
mais lhe interessa. Mas parece escapar a essa percepção, por exemplo, o fato de
que a liberação de favelas ocupadas por bandos de traficantes só pode se
consolidar com o apoio dos próprios moradores desses locais, o que só se obtém
com a melhoria radical da qualidade dos serviços públicos.
Sem isso, em pouco tempo o esforço do governo fluminense
será anulado pela substituição dos traficantes pelas milícias de policiais
corruptos apoiadas por vereadores e deputados. Os jornais, que apoiam a
política de segurança de Cabral, ficam divididos entre ressaltar seus erros e
condenar as depredações. Da mesma forma, não podem ignorar os avanços da
política econômica da última década no Brasil, mas têm interesse em destacar
dificuldades eventuais como se fossem o apocalipse.
E o que isso tem a ver com pesquisas eleitorais? Tem a ver
que, em qualquer assunto, a imprensa tradicional não consegue lidar com
situações complexas.
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