Analistas creem que Igreja 'mais identificada com o
hemisfério sul' seria mais carismática e atraente para os jovens.
Da BBC
Para especialistas, renovação da Igreja na América Latina
será prioridade (Foto: AP)Para especialistas, renovação da Igreja na América
Latina será prioridade (Foto: AP)
A visita do primeiro pontífice latino-americano à sua região
natal, que se inicia nesta segunda-feira, promete ser uma ocasião perfeita para
simbolismos. Ou pode, como acreditam vaticanistas ouvidos pela BBC Brasil, ir
além e indicar as mudanças que o papa Francisco pretende implementar na Igreja
Católica para dar a cara da instituição nas próximas décadas.
A América Latina é uma espécie de encruzilhada e, ao mesmo
tempo, a promessa de um futuro para a Igreja, eles dizem. Em toda a região, o
"monopólio" religioso do catolicismo está sendo corroído pelas
religiões evangélicas - principalmente pentecostais - e o secularismo, a
separação entre Estado e Igreja.
Ao mesmo tempo, o entusiasmo dos fiéis latino-americanos por
religiões mais missionárias e por uma religiosidade mais ativa em suas vidas
indica o caminho por onde a maioria dos analistas acredita que o papa Francisco
seguirá.
"O que estamos vendo é um papa do sul do globo, com um
foco importante nas regiões onde residem 70% dos fieis - América Latina, África
e Ásia", disse à BBC Brasil Andrew Chesnut, professor de Estudos Católicos
da Universidade Commonwealth da Virgínia, Estados Unidos.
"No futuro, a Igreja vai se parecer mais com o
hemisfério sul e menos com o norte", acrescenta.
Igreja missionária
São mudanças que, para surtir efeito, precisam ir além do
simbolismo, dizem analistas.
Enquanto o catolicismo cresce na Ásia e na África, a sangria
de fieis no continente latino-americano colocou a Igreja em necessidade de uma
"intervenção crítica", como descreveu Chesnut em um artigo recente.
Um dos mais respeitados vaticanistas do mundo, o
correspondente para a National Catholic Reporter John L. Allen atribui isto a
um "monopólio religioso" de que o catolicismo gozava na prática na
América Latina, e que levou a Igreja a se acomodar e perder contato com os
fieis.
"Bastava abrir a porta da Igreja aos domingos e esperar
os fieis. O problema é que eles não estão vindo no mesmo número que vinham
antes. Você precisa ir pra rua, para os bairros, as favelas, ir aonde as
pessoas vivem", disse Allen.
"Este papa e outros católicos na América Latina acham
que a Igreja deve buscar uma aparência mais missionária. Acho que essa visita
(ao Brasil) promoverá isso."
A aposta em uma nova era de evangelização segue a mesma
fórmula por trás do crescimento das religiões pentecostais que substituíram o
catolicismo em grande parte do continente.
Mas o sucesso desta abordagem entre os católicos também é
evidente: 60% dos fieis católicos no Brasil se identificam como carismáticos.Tanto
as religiões pentecostais quanto a ala da renovação carismática da Igreja
Católica se alinham com a filosofia já expressada pelo papa Francisco de
"sair da sacristia e ir para as ruas".
Elas enfatizam a experiência pessoal com Deus - um aspecto que
para o professor Chesnut "fala diretamente" aos povos
latino-americanos e tem uma "ressonância cultural" especiamente forte
no Brasil, influenciado por religiões africanas.
"Para prosperar no âmbito cultural brasileiro, você
precisa oferecer uma religiosidade baseada no espírito - ou nos espíritos, no
plural", diz Chesnut.
Foco nos pobres
Não é coincidência, portanto, o sucesso de figuras como o
carismático padre Marcelo Rossi, cujas missas-show embaladas a gospel e
prometendo uma experiência direta com o Espírito Santo atraiam multidões.
Do ramo carismático também partem iniciativas como os
chamados "grupos de resgate", que vão de porta em porta convidando os
católicos não praticantes a frequentar as missas.
Para John L. Allen, o maior obstáculo da Igreja para
multiplicar iniciativas semelhantes será a "inércia" de uma
instituição aprisionada em um monopólio de fato.
"Uma Igreja missionária requer muito esforço e o
catolicismo latino-americano nunca precisou usar essa energia. Seu maior
obstáculo será a preguiça."
Chesnut observa que outro desafio de Francisco seria fazer
esta mensagem carismática convergir para a sua prioridade de dar mais atenção
aos pobres.
"Historicamente, eles (os carismáticos) são mais de
classe média, portanto a espiritualidade deles reflete uma preocupação
espiritual individual", explica.
"Mas o papa pode ser bem sucedido se conseguir
sintetizar essa sua preocupação pelos pobres com o carisma e o dinamismo dos
carismáticos", avalia.
De olho nos jovens
A escolha de um pontífice com as características humildes do
cardeal Bergoglio já indicavam, desde o início, uma mudança do foco do Vaticano
das questões culturais e abstratas que ocupavam as preocupações do seu
antecessor, o papa Bento 16.
Nestas discussões abstratas estavam contidos posicionamentos
dogmáticos - contra o casamento gay, os contraceptivos ou aborto, por exemplo -
irreconciliáveis com a perspectiva prevalente entre a juventude.
Ao recolocar a missão da Igreja em outro caminho, os
analistas acreditam que o papa Francisco também promoverá um discurso religioso
mais palatável para as futuras gerações de fieis.
"Meu entendimento é de que o jovem médio que está
buscando um sentido para a sua vida não se preocupa necessariamente com a
posição da Igreja sobre o casamento gay ou coisas assim. Eles querem saber se a
Igreja se importa com as pessoas, se é formada por pessoas que respeita e
admira", opina John L. Allen.
"E para Francisco, é mais importante chegar em uma
comunidade e encontrar paróquias vibrantes, onde as pessoas frequentem a missa
e tragam seus filhos para serem educados na religião; onde as pessoas levem
seus parentes doentes para serem tratados; onde as pessoas se sintam reconfortadas
quando perderem o emprego e precisarem de ajuda."
O professor Andrew Chesnut concorda: "Ainda é muito
cedo, mas podemos ver que o papa é muito carismático e tem muito apoio entre os
jovens, como João Paulo II tinha", diz.
"É um homem do povo, que sai às ruas, que fala com as
pessoas, que rejeita os luxos. Isso tem muito apelo entre os católicos jovens e
pobres: o fato de Francisco ser um homem sincero que está tentando seguir o
exemplo de ascetismo (abstenção de prazeres e até do conforto material) de
Jesus Cristo."
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