Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Os festejos promovidos pela oposição em função do emprego da
teoria do domínio do fato para condenar os réus do mensalão ameaçam voltar-se
contra os tucanos denunciados no propinoduto tucano.
Advogado do professor Luizinho na ação penal 470, secretário
do Ministério da Justiça no período de Marcio Thomaz Bastos, Pierpaolo Bottini
registrou em artigo no site Consultor Jurídico que há uma notável semelhança
entre o tratamento dispensado aos réus condenados pelo mensalão e os primeiros
suspeitos de receber propinas no escândalo da Siemens – o emprego da teoria do
domínio do fato.
Referindo-se ao indiciamento do ex-secretário de Energia
Andrea Matarazzo pela Polícia Federal, Bottini, que reconhece méritos nessa
jurisprudência desenvolvida pela Justiça alemã, mas lembra que ela possui
determinados requisitos para que possa ser emprega em nome do bom Direito, fala
que ela está sendo empregada de forma “extensiva demais.”
É uma avaliação que reproduz críticas feitas durante a ação
penal 470.
Para o advogado, Matarazzo foi indiciado “com base expressa
na teoria citada, pelo fato de ocupar o cargo e pertencer ao partido político
governista (revelando a sapiência da velha máxima de que “pau que bate em Chico
bate em Francisco”).
Avaliando o que se passou na ação penal 470, Bottini
registra: “Fica a impressão de que, em alguma medida, se utilizou da teoria
como elemento de imputação de responsabilidade e não para distinguir entre
autores e partícipes.”
Muitos estudiosos desconfiam da teoria do domínio do fato
exatamente porque ela serve para punições arbitrárias desde que não seja
empregada com a cautela devida, ajudando a encobrir lacunas e fragilidades de
uma denúncia. Resumindo a questão de forma simplificada, a crítica seria a
seguinte: se nós sabemos que a corrupção não deixa recibo, a falta de recibo
também não pode servir de argumento para uma condenação, certo?
Certíssimo.
Quando a condenação dos réus petistas atendia a interesses
políticos da oposição, que pretendia tirar o máximo proveito do massacre de líderes
do governo no julgamento da ação penal 470, não se ouviu uma única voz
discordante.
Não se falou em abuso, em politização da Justiça ou coisa
parecida.
As condenações foram aplaudidas em tom cívico e qualquer
tentativa de contestação era rebatida como simples manobra diversionista,
destinada a manter a impunidade de réus acusados “no maior escândalo da
história.”
As investigações sobre o propinoduto podem mostrar que
domínio do fato em julgamento dos outros não arde, colocando os tucanos na
difícil posição de esperar para si um benefício que negaram para os
adversários.
Dificilmente deixarão de pagar o preço pelo silêncio na hora
em que seu gesto teria a nobreza de quem defende bons princípios mesmo quando
eles contrariam seus interesses, recomendação oportuna do filósofo político
Isaiah Berlin para políticos de todas as famílias.
O artigo de Bottini mostra que, com o aval do STF, a moda
pegou – e esse tipo de condenação pode tornar-se um padrão a ser seguido em
casos semelhantes.
O tratamento diferenciado que se deu ao mensalão mineiro,
que garantiu aos réus o direito de serem julgados em tribunais comuns, ajudou a
criar uma primeira controvérsia na ação penal 470.
Uma mudança no julgamento da ação penal 470 poderia tornar
mais aceitável a exibição de uma postura mais rigorosa na avaliação das provas
contra os acusados do propinoduto, se e quando chegar a hora.
As semelhanças devem parar por aqui, porém.
Pelo menos em sua fase inicial, a denúncia contra o PSDB
está mais clara do que o mensalão do PT.
O esquema financeiro do PT foi denunciado por Roberto
Jefferson, parlamentar que jamais apresentou provas muito robustas para
sustentar o que dizia. Em depoimentos posteriores à Justiça, ele chegou a se
desmentir e definiu o mensalão como “ criação mental.”
Você pode até acreditar que o governo Lula queria “comprar
votos” no Congresso e que desviou R$ 73 milhões do Banco do Brasil. Mas o fato
é que não há provas de uma coisa nem de outra. Principal testemunha de
acusação, Jefferson nunca esteve no coração do esquema, que conhecia pela
participação numa de suas franjas, como partido aliado.
Os documentos do caso, inclusive auditorias oficiais,
contrariam várias condenações, o que tem levado juristas importantes a
questionar o julgamento em seu conjunto.
Ninguém sabe quais serão os desdobramentos do caso Siemens.
É preciso ouvir o conjunto das testemunhas, buscar coerência entre as provas e,
com certeza, dar a todo acusado o direito de demonstrar sua inocência.
Mas há uma diferença essencial na acusação, porém. Foi a
empresa que está na origem do esquema de corrupção que resolveu confessar o que
fez, por que fez, para que. Disse para quem pagou, para onde mandou o dinheiro,
para quem e quando. Apresenta documentos, orientou as buscas em empresas que
eram parceiras. A Siemens se autoincrimina – posição que dá inteira
credibilidade a sua denúncia. Pelas leis brasileiras, com esse acordo de
leniência ela se livra da acusação de cartel e seus executivos se livram da
acusação de corrupção. A denúncia sobra para os outros.
Numa analogia, é como se Marcos Valério tivesse feito um
acordo de delação premiada logo no início da investigação do mensalão – e
pudesse reunir o mesmo conjunto de provas robustas -- recibos, documentos e
emails -- que a Siemens exibiu.
Essa é a questão.
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