Os casos de corrupção de Alstom e Siemens estão na ordem do
dia. Quando um corruptor confessa que corrompeu (e foi corrompido também, numa
roda viva insinuante) nos coloca o seguinte: ou mudamos o sistema e corrigimos
um problema estrutural, ou atacamos seus efeitos e espumas.
Por Glauber Piva*, na Carta Maior
Alstom, Siemens CPTM
Segundo os jornais, a Alstom teria pago US$ 20 milhões em
propina a partidos do Brasil. Atribuem essa informação à Justiça suíça. Os
recursos teriam chegado ao país por offshores para financiar políticos em troca
de contratos no setor energético. Duas coisas a pontuar.
1. A Alstom e a Siemens (assim como a indústria
farmacêutica, construtoras, bancos etc.) sempre foram grandes financiadoras da
mídia no Brasil. Quantas vezes você viu propaganda dessas empresas na Folha,
Estadão, Veja, Globo… Fazia isso com quais interesses? Qual a relação entre o
dinheiro que colocavam nesses meios e as opiniões por eles veiculadas? Qual a
relação entre a visão de mundo que defendem e os bolsos que os financiam?
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2. A corrupção no Brasil (e no mundo) tem sempre duas
pontas, no mínimo: corruptores e corrompidos. Uma motivação: benefícios
cruzados. E um mecanismo de retroalimentação: sistema político privatizado e
concentração dos meios de comunicação (neste caso, sob várias formas:
propriedades cruzadas, desregulamentação, ausência de fiscalização, concessões
públicas etc.).
Tudo isso vem junto. Quando a Câmara dos Deputados aprova,
como na semana passada, um projeto que obriga o governo federal a destinar R$
10 milhões por ano para emendas de deputados, está dizendo à sociedade que o
governo deve financiar suas campanhas eleitorais (e só pra eles, não para todos
os candidatos e partidos a partir de regras comuns e transparentes).
Ou seja, sob o disfarce de obras públicas, está colocando
ainda mais o Estado de joelhos a serviço dos seus interesses, suas imagens e
seus negócios. Pior. Fazem isso ao mesmo tempo em que se negam discutir a
reforma política para 2014.
Quando um corruptor confessa que corrompeu (e foi corrompido
também, numa roda viva insinuante), nos coloca diante da seguinte situação: ou
mudamos o sistema e corrigimos um problema estrutural, ou atacamos seus efeitos
e suas espumas. Neste caso, ficamos com raiva de fulanos e sicranos e deixamos
o campo aberto para novas indignações estéreis de tempos em tempos.
No momento atual, mudar o sistema político significa o
seguinte: fazer uma reforma política imediatamente, para 2014, contemplando
quatro pontos:
1- Fortalecimento da democracia direta, com regras que
facilitem e estimulem a participação da população nas decisões do legislativo e
do executivo: projetos de lei de iniciativa popular, plebiscitos e referendos;
2- Fortalecimento da democracia participativa, com mudanças
no sistema eleitoral (há várias possibilidades) e fortalecimentos,
transparência e fiscalização dos partidos políticos;
3- Democratização e transparência no Poder Judiciário;
4- Desprivatização das eleições, com redução no custo das
campanhas, financiamento público das campanhas e candidaturas comprometidas com
plataformas claras, reduzindo o fisiologismo e a relação promíscua de
candidatos e eleitos com os interesses privados.
Mas é preciso, também, em paralelo, ao mesmo tempo, com
urgência, renovar e ampliar o Marco Regulatório das Comunicações, garantindo
pluralidade na comunicação eletrônica, cumprimento das legislação de concessões
públicas e regulamentação de todos os artigos da constituição de 1988 (!) que
garantem diversidade nas comunicações no Brasil. Para ampliar a democracia,
precisamos ampliar a possibilidade de exercitarmos a retórica, o debate público
acerca do interesse público.
Mas uma sociedade que se nega (seja por via parlamentar,
midiática ou religiosa) a reconhecer que todos os grupos e pessoas temos
direito a ter direitos e reinventá-los permanentemente, a fortalecer uma
comunicação pública que escancare nossas mazelas e esperanças (lembremos que as
regras atuais inibem fortemente a TV Brasil de ser uma TV competitiva e
atraente) e a discutir a qualidade de sua democracia, passa a flertar com
saídas populistas e autoritárias.
São esses caminhos que temos pra seguir. Se não o fizermos
com sentimento de urgência, seguiremos parcelando nossas indignações e
garantindo por longo tempo o charme de nossa democracia corrompida.
*Glauber Piva é sociólogo e diretor da Ancine (Agência
Nacional do Cinema).
Fonte: Carta Maior
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