Um dia depois de ser acusado pelo presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, de fazer "chicana" o ministro Ricardo Lewandowski deu sinais de
que vai bater o pé e enfrentar o colega na próxima sessão, marcada para
quarta-feira. Revisor da Ação Penal 470, ele pretende apresentar uma questão de
ordem para garantir o direito a voto de cada integrante da Suprema Corte.
Revoltado com a acusação feita por Barbosa, Lewandowski deve levar o tema ao
plenário, caso o comandante do STF não faça uma retratação. A ideia é fazer
valer o Regimento Interno do Supremo, que estabelece o direito a voto ao todos
os ministros e disciplina a participação de cada integrante do tribunal nas
sessões.
Revisor da Ação Penal 470, Lewandowski teria reclamado com
colegas que o relator do caso e presidente do STF, Joaquim Barbosa, vem
interrompendo seus votos e que estaria conduzindo o julgamento dos recursos
apresentados pelos réus do mensalão de maneira mais célere que o usual. Durante
o julgamento do processo, entre agosto e setembro do ano passado, Barbosa e
Lewandowski já haviam travado vários embates no plenário, com direito a
bate-boca.
No começo do julgamento dos embargos de declaração do
mensalão, na última quarta-feira, Barbosa já tinha dado mostras de que sua
relação com Lewandowski continuava estremecida. Na primeira rodada de
apreciação dos recursos, o revisor mencionou, ao votar, que lamentava a morte
da mulher do ministro Teori Zavascki, a juíza Maria Helena, e desejou conforto
à família. O presidente do Supremo o interrompeu, alertando que já havia
prestado condolências em nome de toda a Corte, fato que colaborou para ampliar
o mal-estar entre relator e revisor da Ação Penal 470.
Ainda no primeiro dia de apreciação dos recursos, houve um
princípio de bate-boca entre o presidente do STF, que buscava dar rapidez ao
julgamento, e o ministro Dias Toffoli, quando este avaliou que não poderia
votar em relação à dosimetria das penas de réus que absolveu. Depois de o tema
ser debatido e o plenário definir que Toffoli teria direito a voto, ele
questionou se poderia votar. Barbosa foi enfático: "Faça de maneira
célere". Toffoli então reagiu: "Vossa Excelência, por favor, presida
de maneira séria", disse, antes de o relator acusá-lo de usar um "tom
jocoso".
Já no segundo dia de sessão, a discussão entre Barbosa e
Lewandowski se deu por conta de uma divergência quanto à época em que o réu
Bispo Rodrigues, ex-deputado federal, cometeu o crime de corrupção. Se antes ou
depois da publicação da Lei 10.763/2003, que tornou as penas mais elevadas. O
relator afirmou que não seria "nada ponderável" rediscutir o tema,
sob o argumento de que a decisão no caso de Rodrigues havia sido unânime.
Barbosa disse que os embargos de declaração não serviam para
"arrependimento" e acusou o colega de fazer "chicana".
Lewandowski exigiu uma retratação. "Vossa Excelência tem obrigação. Como
presidente da Casa, está acusando um ministro, que é um par de Vossa
Excelência, de fazer chicana. Eu não admito isso."
O presidente do STF não se retratou. Fontes apontam que
Lewandowski teria avaliado que teve atingido pelo colega o seu direito de voto.
A assessoria de Joaquim Barbosa disse que ele não vai se manifestar sobre o
assunto.
"Vossa Excelência tem obrigação. Como presidente da
Casa, está acusando um ministro, que é um par de Vossa Excelência, de fazer
chicana. Eu não admito isso"
Ricardo Lewandowski, vice-presidente do STF, em discussão
com Joaquim Barbosa na última quinta-feira
Entidades criticam Barbosa
As três principais associações da magistratura divulgaram
nota conjunta na qual condenam a postura adotada pelo presidente do Supremo
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, no julgamento dos recursos do mensalão. As
entidades avaliam que a insinuação de que um colega de tribunal estaria a fazer
chicanas não é tratamento adequado a um integrantes da Suprema Corte
brasileira.
Na nota pública, as associações dos Magistrados Brasileiros
(AMB), dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (Anamatra) apontam para a importância de os magistrados agirem com
independência para decidir e sem serem criticados por quem, na mesma Corte,
divirja do seu entendimento.
"Esse tipo de atitude não contribui para o debate e
pode influir negativamente para o conceito que se possa ter do próprio
tribunal, pilar do Estado Democrático de Direito (.) Eventuais divergências são
naturais e compreensíveis num julgamento, mas o tratamento entre os ministros
deve se conservar respeitoso, como convém e é da tradição do Supremo Tribunal
Federal", destaca o texto. As associações também citam o Código de Ética
da Magistratura Nacional, segundo o qual o magistrado tem o dever de cortesia
com os colegas.
"Foram ultrapassados alguns limites. A magistratura é
referência para o povo brasileiro e, por isso, temos que agir com boa
educação", frisou o presidente da AMB, Nelson Calandra. Representantes das
três entidades que assinam a nota tiveram um mal-estar com Joaquim Barbosa,
durante reunião realizada em abril no gabinete do presidente do STF. No
encontro, o ministro acusou os dirigentes de terem atuado na
"surdina" pela aprovação "sorrateira" da Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) nº 544, que cria quatro tribunais regionais federais
(TRFs). Durante o encontro, Barbosa afirmou de forma irônica que as novas
Cortes seriam construídas em "resorts" e "grandes praias",
e determinou que o vice-presidente da Ajufe, Ivanir César Ireno, abaixasse o
tom de voz. (DA)
"Foram ultrapassados alguns limites. A magistratura é
referência para o povo brasileiro e, por isso, temos que agir com boa
educação"Nelson Calandra, presidente da AMB. Informações do Correio
Braziliense
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