Por Altamiro Borges
Esbanjando flexibilidade tática, a mídia hegemônica está
mudando novamente de postura diante dos protestos de rua. Num primeiro momento,
quando as manifestações eclodiram em São Paulo, ela invisibilizou as ações –
como sempre faz contra as mobilizações populares. Na sequência, ela
criminalizou os protestos e exigiu dura repressão – outra atitude já conhecida.
Diante da reação à violência policial, que espraiou a solidariedade pelo país
afora, ela tentou capturar o movimento difuso, disputando a sua pauta. De forma
surpreendente, ela até convocou os protestos “cívicos”. Agora, porém, a mídia
adota nova atitude, exigindo “ordem” e o aumento da repressão. O Globo, Folha,
Veja e Época parece até que combinaram a mudança no enfoque dos protestos de
rua.
O editorial da Folha desta segunda-feira (19) é sintomático.
Após elogiar as manifestações de junho, que “sacudiram o sistema político do
torpor em que se encontrava e revelaram saudável inconformismo”, ela condena
duramente os “grupúsculos empenhados em sustentar a antiga chama”. Para o
jornalão, os manifestantes que se mantêm nas ruas são “incapazes de mobilizar
multidões e recorrem à violência no afã de multiplicar a repercussão de seus
esquálidos protestos”. As manifestações de rua, antes belas e cívicas, agora
são obra de vândalos e criminosos. Ao final, a Folha exige:
“É preciso repetir o óbvio. Cabe às autoridades garantir o
direito de manifestação pacífica. Mas compete às mesmas autoridades coibir todo
ato de violência contra qualquer pessoa ou contra o patrimônio público e
privado... Pouco importa que os vândalos sejam ideólogos do ressentimento,
indivíduos de temperamento exaltado ou meliantes e provocadores infiltrados na
confusão. A lei é a mesma para todos. A democracia representativa é o único
regime que protege o direito dos que pregam sua destruição... Impedi-los de
impor a sua pregação pela força não é um direito do regime democrático, mas sua
obrigação mais irrecusável”.
No mesmo rumo, o jornal O Globo já havia se manifestado em
editorial no sábado (17). No maior cinismo, o diário da famiglia Marinho cita a
luta de duas gerações contra o regime militar – logo ela que apoiou o golpe e
enriqueceu na ditadura – para criticar os protestos que seguem nas ruas. Para o
jornal, as novas manifestações não expressam mais os anseios da classe média.
“Tendo sido cooptados pela enorme capacidade de atração demonstrada por Brasília,
organizações de estudantes, outras entidades ditas da sociedade civil e
sindicatos tamponaram a capacidade de grupos descontentes de se expressar”.
Diante desta nova realidade, O Globo propõe uma drástica
mudança de abordagem dos protestos – principalmente dos realizadas no Rio de
Janeiro, pela CPI dos Transportes, e em São Paulo, contra o propinoduto. “Não
há, em qualquer nação democrática no mundo, cidade de importância que conviva
com a falta de regras e a não aplicação da lei em situações como esta. Existem
os pesos e contrapesos na democracia representativa para que todos os direitos
sejam respeitados, e não apenas um - o da livre expressão - em detrimento dos
demais: direito à livre locomoção e o respeito à propriedade privada e
pública”.
O tom rancoroso dos jornalões é o mesmo das duas principais
revistas da direita nativa. A Veja desta semana deu uma capa terrorista contra
os protestos – bem diferente da eufórica da capa estampada em junho – e tentou
rotular todos os manifestantes de seguidores do “Black Blocs”. Já a revista
Época, que também pertence à famiglia Marinho, publicou um texto hidrófobo
contra os “inimigos da democracia”. Ambos afirmam que os protestos de rua agora
foram “sequestradas” por “vândalos” e “grupos autoritários”. O que causou esta
súbita mudança de cobertura da mídia?
Será que ela não gostou dos protestos das centrais
sindicais, que conseguiram adiar a votação do projeto de lei da terceirização –
que serviria aos intentos de precarização do trabalho dos empresários, inclusive
dos barões da mídia? Será que ela teme o aumento das manifestações exigindo a
abertura imediata de uma CPI para apurar as denúncias sobre o propinoduto
tucano em São Paulo? Será que ela está preocupada com a convocação de novas
passeatas pela democratização da mídia, já que “o povo não é bobo, fora Rede
Globo?”.
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