Por Hildegard Angel, em seu blog:
Dedico o advento deste 11 de setembro - para os americanos,
o fatídico September 11, para os chilenos o da morte do presidente Salvador
Allende sob o cerco do golpe militar - dia por predestinação aziago, para
lembrar os vexames históricos daqueles que ousaram julgar ao arrepio das leis e
das provas. Vestiram suas togas como instrumento de sujeição, não de
equilíbrio. Para inspirar prepotência e temor, não confiança e Justiça.
Deus nos poupe dos vexames históricos. Já colecionamos
vários no Brasil, e eles são de bom tamanho. O julgamento de Tiradentes e sua
sentença de “morte natural pela forca” foi um. Assim como foi o do Almirante
Negro, o marinheiro João Cândido, da Revolta da Chibata, jamais reconduzido à
Marinha, e que terminou seus dias como pescador, depois de todo o tipo de
castigo e sofrimento. O episódio Olga Benário foi outro vexame histórico. Este,
por parte de nosso STF, que, à época do Estado Novo, negou-lhe o Habeas Corpus,
condenando-a, em decorrência de seu ato, a morrer num campo de concentração
nazista. Um julgamento político, certamente.
Os vexames históricos, os erros de julgamento, os equívocos
de avaliação maculam para sempre. E não há pedidos de desculpas a posteriori
que os absolvam. Restam os constrangimentos. Sobrevivem os heróis, os mártires
desses erros.
E ficam enterrados, relegados ao esquecimento eterno, ao
degredo da mediocridade de seus gestos, os julgadores infames, os que optam por
desintegrar suas biografias, seduzidos por vaidades, favores, pressões e
conveniências. Soterrados sob sua pusilanimidade, que os paralisa e impede de
exercer a básica sabedoria de seu ofício. Sucumbem os protagonistas das farsas
Num 11 de Setembro um grande povo sofreu a perda trágica de
pilares que representavam o poder de sua sociedade: as Torres Gêmeas. Que em
novos 11 de Setembro outros povos não percam a confiança em pilares que os
sustentam.
Dedico este 11 de Setembro ao elogio daqueles que, por
vítimas de vilões condenadores, permanecem admirados e para sempre na História.
Seja no Brasil, nos Estados Unidos, na França ou onde mais for…
Tiradentes
Vocês não conhecem seus nomes, mas eles os inscreveram em
grande estilo como protagonistas de um Vexame Histórico Brasileiro:
Sebastião Xavier de Vasconcellos Coutinho (Chanceler da
Rainha); Antônio Gomes Ribeiro; Antônio Diniz da Cruz e Silva; José Antônio da
Veiga; João de Figueiredo; João Manoel Guerreiro de Amorim Pereira; Antônio
Rodrigues Gayoso e Tristão José Monteiro.
Eles são os oito juízes que sentenciaram à forca Joaquim
José da Silva Xavier, “por alcunha de Tiradentes”, em 18 de abril de 1792,
junto com mais 28 réus no julgamento daInconfidência Mineira.
Eis o trecho principal de sua sentença para Tiradentes:
“Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por
alcunha de Tiradentes, Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a
que com braço e pregação seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e
nela morra de morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada
a cabeça e levada a Vila Rica, onde em lugar mais público dela será pregada, em
um poste alto até que o tempo a consuma e o seu corpo será dividido em quatro
partes, e pregado em postes, pelos caminhos de Minas Gerais, no sítio de
Varginha e das Cebolas, onde o réu teve suas infames práticas, e os mais nos
sítios de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o réu
infame, e seus filhos e netos, tendo-os os seus bens aplicam para o fisco e
Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que
nunca mais no chão se edifique, e, não sendo própria, será avaliada e paga a
seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levante um padrão, pelo
qual se conserve a memória desse abominável réu”.
Não bastasse a ignomínia dos oito julgadores, o vexame se
prolongou por mais dez décadas, com a memória de Tiradentes vagando no
purgatório ao longo de quase 100 anos. Nem com a Independência, em 1822, sua
luta e martírio foram reconhecidos!
Afinal, os imperadores Pedro I e Pedro II eram descendentes
da rainha que mandou o Alferes à forca e preferiam “esquecer” o assunto, além
de acharem inconveniente a veneração de alguém que defendeu ideais republicanos
contrários à monarquia.
Tiradentes só foi reabilitado na História do Brasil com a
Proclamação da República.
O jovem Tiradentes teve “morte natural pela forca”, o corpo
dividido em quatro partes, pregadas em postes pelos caminhos, bens confiscados,
infames declarados os filhos e netos, casa arrasada e sua terra salgada, para
jamais nada ali se edificar, e foram necessários mais de 100 anos até sua
memória ser reabilitada – um mártir sem precedentes em nossa História.
A condenação de Tiradentes tem aspecto político exemplar.
Ele e os 28 corréus do processo foram punidos pela “infâmia” contra a rainha
imperialista, pelo movimento rebelde de Independência, que seria seguido pela
Proclamação da República.
Olga Benário
Em 1936, sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, os ministros
do STF, então sediado no Rio de Janeiro, não concederam o Habeas Corpus
impetrado em favor de Maria Prestes, nome de casada de Olga Benário.
Grávida do líder comunista Luis Carlos Prestes, ela foi
extraditada para a Alemanha nazista e morta num campo de concentração aos 34 anos,
depois do nascimento de sua filha, a brasileira Anita Leocádia. Uma morte
anunciada.
Proibida de comparecer ao julgamento, Olga era vista pelo
governo como perigosa à ordem pública e nociva aos interesses nacionais.
Com base no Decreto 702, de 21 de março de 1936, o Supremo
decidiu que em casos como o dela não era possível “invocar a garantia
constitucional” do Habeas Corpus. Sua permanência no país comprometia a
“segurança nacional” e não era necessário sequer fazer o exame médico para
constatar “o seu alegado estado de gravidez”.
Os juízes que negaram o Habeas Corpus, dificilmente
desconheciam que também estavam sentenciando Benário à morte, trágico fim
natural daqueles judeus enviados aos campos de concentração nazistas.
Tais juízes que negaram o pedido de Olga foram os ministros
do Supremo Tribunal Federal Bento de Faria (o relator), Edmundo Lins
(presidente da Corte),Hermenegildo de Barros (vice-presidente), Plínio Casado,
Laudo de Camargo, Costa Manso, Octávio Kelly e Ataulfo de Paiva.
Os ministros Carlos Maximiliano, Carvalho Mourão e Eduardo
Espínola conheceram o pedido, mas o indeferiram.
Eles vieram se alinhar no alto da página dos Vexames
Históricos Brasileiros, junto com os julgadores de Tiradentes.
Para o atual ministro do STF, Celso de Mello, a decisão hoje
seria diversa. De acordo com ele, optou-se por uma fórmula simples de expulsão,
que viabilizou a entrega de Olga a um regime estrangeiro totalitário. “O
Supremo, na época, não deu a melhor interpretação ao caso e sim um tratamento injusto
e trágico”, ele diz, lamentando a decisão por motivos políticos. O que não é
permitido pela Constituição.
O juiz do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, lamenta
que o julgamento de Olga Benário tenha sido político, com um resultado “injusto
e trágico”
Sacco e Vanzetti
A história de Ferdinando Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti
foi contada no cinema, em 1971, pelo diretor Giuliano Montaldo. O caso dos dois
irmãos italianos condenados à cadeira elétrica e executados sete anos depois,
apesar da total inexistência de provas concludentes, ficou na história como
exemplo de injustiça, xenofobia e perseguição política.
O caso Sacco e Vanzetti é emblemático das falhas da justiça
humana.
Em 1920, os irmãos Sacco e Vanzetti foram acusados do
assassinato de duas pessoas e do roubo de US$ 15 mil do pagamento dos salários
dos empregados de uma fábrica de sapatos, em Massachusetts, nos Estados Unidos.
Não houve testemunhas nem provas, apenas um boato de que dois italianos teriam
cometido os delitos.
O suspeito inicial, Mike Boda, em cujo carro foram
encontrados livros de conteúdo comunista e propaganda subversiva, foi logo
deixado de lado e, em seu lugar, acusados os irmãos imigrantes, aos quais foi
atribuída a posse do carro.
Sacco portava uma pistola calibre 32, com nove balas, e Vanzetti
um revólver 38. Com Sacco se encontrou ainda uma nota pregando a resistência,
escrita em italiano. Ele alegou que, no momento dos crimes, trabalhava em uma
fábrica de sapatos. Vanzetti, que vendia peixes. Histérica, a acusação, usou de
todos os artifícios para condenar os italianos, considerados anarquistas.
Para defender Sacco e Vanzetti, foi organizado um Comitê
Internacional, com protestos acontecendo diante das embaixadas americanas na
França, na Bélgica, na Itália e na Suíça.
Atuando em sua defesa, os irmãos tiveram o advogado Felix
Frankfurter (mais tarde membro da Suprema Corte dos EUA) e Karl Llewellyn,
importante nome do realismo jurídico americano, que fez impressionante
pronunciamento no rádio em favor dos réus.
Na outra direção, deixaram seus nomes inscritos no capítulo
do Vexame Histórico do Judiciário Americano, o influente juiz Roscoe Pound, que
preferiu se omitir durante o julgamento se mantendo em silêncio, e o juiz da
Suprema Corte Oliver Wendell Holmes Jr., que votou pela condenação.
Sacco e Vanzetti foram executados em 23 de agosto de 1927.
O governador de Massachusetts, Michael Dukakis, reabilitou
os dois italianos 50 anos depois de suas mortes.
Sacco e Vanzetti, sete anos de prisão até a morte injusta na
cadeira elétrica, por pura xenofobia, num julgamento político
Caso Dreyfus
O Caso Dreyfus tornou-se emblema de como, até no país da
“liberdade, igualdade e fraternidade”, o desrespeito às regras do procedimento
jurídico pode dividir uma sociedade e deixar cicatrizes perenes e indeléveis na
imagem de uma instituição respeitada como o Exército da França. Mais um Vexame
Histórico.
Em 1894, Alfred Dreyfus, jovem e brilhante capitão da
artilharia do exército francês, foi acusado de alta traição, julgado a portas
fechadas por uma corte marcial e condenado ao degredo perpétuo na Ilha do
Diabo.
A base para a acusação foi um papel que enumerava segredos
militares franceses entregues ao adido militar na embaixada alemã em Paris.
O Caso Dreyfus dividiu a sociedade francesa entre aqueles
que exigiam um julgamento justo e os que não admitiam que se contestasse a
palavra de membros da cúpula do exército francês para defender um judeu.
Três anos depois de promulgada a sentença, o irmão do réu
descobre documentos que inocentavam Dreyfus e comprometem Charles-Ferdinand
Esterhazy, nobre oficial de origem húngara, com o ato de espionagem. Um segundo
julgamento é realizado, em 1898, mas os magistrados mantêm a decisão anterior,
a despeito das novas provas.
Quanto a Dreyfus, anistiado em 1899, a verdade seria reposta
por um tribunal apenas em 1906. Porém, jamais foi reincorporado ao exército ou
compensado pela injustiça sofrida.
A condenação
Apesar do contraditório inicial em relação à caligrafia do
borderô, o general Mercier (ministro da Guerra) ordenou a prisão de Dreyfus, em
15 de outubro de 1894. O comandante Du Paty conduziu o interrogatório de
Dreyfus e depois vasculhou a casa do acusado, na presença de sua esposa, nada
encontrando que sustentasse a tese de traição.
Durante os preparativos para a corte marcial, um perito
chegou à esdrúxula teoria da autofalsificação (!) do borderô, para explicar ao
mesmo tempo as semelhanças e as diferenças entre a caligrafia do capitão
Dreyfus e a caligrafia do borderô.
No início de novembro, a corte marcial reuniu-se em Paris
sob violenta e intensa pressão da imprensa nacionalista. O general Mercier
colocou à disposição dos juízes militares “autos secretos”, organizados para
provar a existência de relações entre Dreyfus e o adido militar alemão, mas a
defesa não teve acesso àqueles autos, o que era claramente ilegal.
O julgamento Dreyfus, por injusto, maculou uma instituição e
a imagem da França
***
- STF - Acréscimo às 08:24 do mesmo dia 11/09: O leitor José
Márcio Tavares pede-me que acrescente aqui o Vexame Histórico de, em 1964, o
STF declarar vago o cargo de Presidente da República, com Jango ainda no
Brasil.
- STF - Às 08:35 de 11/09: O leitor João Paulo Lima lembra
“o vexame dos assassinos da Dorothy Stang (PA). Mandante absolvido, depois
condenado. Hoje tem deles em prisão domiciliar”.
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