Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os jornais noticiam nas edições de segunda-feira (25/11) a
substituição do juiz das execuções penais do Distrito Federal encarregado de
providenciar o cumprimento das sentenças do Supremo Tribunal Federal contra
alguns dos condenados na Ação Penal 470. A principal controvérsia se refere ao
tratamento conferido ao deputado José Genoíno, que foi encarcerado
precipitadamente por ordem do presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa,
mesmo em convalescença após um grave procedimento cirúrgico.
A imprensa observa que o novo juiz encarregado de determinar
as condições de cumprimento das penas em Brasília é filho de um dirigente do
PSDB e de uma funcionária do Ministério da Ciência e Tecnologia que milita
ativamente na campanha presidencial do senador Aécio Neves. Em sua página no
Facebook (ver aqui), a mãe do magistrado não esconde a orientação política da
família.
Esse é apenas um dos aspectos da confusão em que se
transformou aquilo que a imprensa brasileira tem considerado como o “novo
tempo” da Justiça no Brasil. O protagonismo exagerado do presidente da Suprema
Corte contribui para acirrar radicalismos e se constitui, hoje, em fator de
desestabilização política.
Bastaram poucos dias para que os fatos desmontassem a versão
construída pela imprensa em torno do julgamento da Ação Penal 470. Logo após o
início do cumprimento das penas, algumas personalidades do mundo jurídico se
dão conta de que o que rege as decisões da mais alta corte nacional não é o
propósito de fazer Justiça, mas um obscuro sentimento de vingança cujas razões
precisam ser esclarecidas.
A se considerar certos comportamentos obsessivos do ministro,
há alguma coisa de doentio nesse processo, que extrapola questões penais e
ideológicas. Com a cautela que o protocolo exige, personalidades do mundo
jurídico têm feito chegar à mídia seus cuidados com relação ao acúmulo de erros
nesse processo.
Crimes onipresentes
Como nos cabe aqui observar a imprensa e não as instituições
diretamente, convém fazer um retrospecto dos acontecimentos para estabelecer
algumas responsabilidades.
Não é preciso grande esforço para reconhecer que,
independentemente dos elementos objetivos que formam o processo da Ação Penal
470, a imprensa teve um papel central nas decisões dos ministros do Supremo
Tribunal Federal, em especial nas funções do presidente da Corte.
Joaquim Barbosa, transformado em herói nacional, e outros
ministros, revelaram possuir personalidades sensíveis à bajulação, o que
transformou as sessões do Supremo em espetáculos midiáticos nos quais o
princípio da Justiça foi submetido ao crivo da popularidade de seus
protagonistas.
O encarceramento precipitado de onze dos doze condenados, em
feriado nacional, explicita o propósito de ganhar as manchetes no fim de semana
prologado, mais do que uma decisão baseada nas normas penais.
Valeu pelas manchetes.
Mas, daqui para a frente, a imprensa terá que administrar cuidadosamente
o desempenho midiático do presidente do STF. A figura de Barbosa representa o
bode na sala, que a imprensa vai ter que remover antes que comece o julgamento
daquele outro processo por corrupção chamado de “mensalão tucano”.
A “nova era na democracia brasileira – a Era dos Corruptos
na Cadeia”, anunciada na semana passada pela revista Época, será revelada,
então, como mais uma dessas farsas que enchem nossos livros de História.
O Judiciário, que já arrastava a tradição do nepotismo e a
maldição de produzir, em sua face mais perversa, os frutos da desigualdade
social, agrega ao seu prontuário o personalismo a reboque da mídia.
Enquanto isso, na vida real seguem se acumulando nos
cartórios as ações sem julgamento, e consolida-se na sociedade a convicção de
que o crime sempre compensa – o caso da Ação Penal 470 é apenas “um ponto fora
da curva”. Relatos de procuradores e juízes distritais indicam, por exemplo,
que a violência contra a mulher se agrava no Brasil, a despeito da legislação
específica, porque os culpados, mesmo quando condenados, cumprem apenas uma
fração de suas sentenças. O crime organizado se sofistica, a corrupção virou
estratégia em todas as instâncias do poder.
O livro intitulado Crimes onipresentes – Histórias reais
sobre assassinatos, responsabilidade moral e impunidade, traz uma fração desse
descalabro. O autor, o promotor de Justiça Ricardo Rangel de Andrade, descreve
com realismo cruel como o crime é consentido e até estimulado pela inoperância
da Justiça e pela corrupção policial. A verdadeira Justiça brasileira está
descrita em suas páginas; a politicagem que desmoraliza o STF é a joia da
coroa.
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