Por Mauro Santayana, na Rede Brasil Atual:
“A civilização é um movimento, e não uma condição. Uma
viagem, e não o porto de destino.” A frase, do historiador inglês Arnold J.
Toynbee, define como poucas o curso da história. Raramente percebemos a
história, enquanto ela ainda está acontecendo, a cada segundo, à nossa volta. O
mundo se transforma, profundamente, o tempo todo. Mas as maiores mudanças são
as imperceptíveis. Aquelas que quase nunca aparecem na primeira página dos
jornais, normalmente tomada por manchetes que interessam a seus donos, ou por
chamadas de polícia ou futebol. Esse é o caso das notícias sobre os Brics.
Quem já ouviu Pink Floyd (Another Brick in the Wall) pode
confundir o termo com brick, palavra inglesa que quer dizer tijolo. Se gostar
de economia, vai lembrar que essa é uma sigla inventada em 2001 por um
economista do grupo Goldman Sachs.
Mas poucas pessoas têm ideia de como o Bric vai mudar o
mundo e sua própria vida nos próximos anos. Antes um termo econômico, o Brics,
grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, está caminhando –
aceleradamente, em termos históricos – para se transformar na aliança
estratégica de alcance global que vai mudar a história no século 21.
O que juntou esses países? Para Jim O’Neill, criador do
vocábulo, foi seu potencial econômico e de crescimento. Mas, para esses países,
o que os aproxima é seu desejo de mudar o planeta. Dominados ou combatidos
pelos Estados Unidos e pela Europa, no passado, eles pretendem desafiar a
hegemonia anglo-saxônica e “ocidental”, e mostrar que outro mundo é possível,
na diplomacia, na ciência, na economia, na política e na questão militar.
Três deles, Rússia, Índia e China, já são potências atômicas
e espaciais. O Brasil e a África do Sul, embora não o sejam, têm indiscutível
influência em suas respectivas regiões, e trabalham com a mesma filosofia. A
construção de uma nova ordem mundial, mais digna e multipolar, em que haja
menor desigualdade entre os países mais ricos e os que estão em
desenvolvimento.
A união faz a força. O Brics sabe disso, e seus
concorrentes, também. Por isso, os meios de comunicação “ocidentais” e seus
servidores locais movem forte campanha contra o grupo, ressaltando pontos
negativos e ocultando e desencorajando as perspectivas de unidade.
Mesmo assim, eles estão cada vez mais próximos. A cada ano,
seus presidentes se reúnem. Na ONU, votam sempre juntos contra ataques
ocidentais a países do Terceiro Mundo, como aconteceu no caso da Síria, há
poucas semanas. Controlam 25% do território, 40% da população, 25% do PIB e
mais de 50% das reservas internacionais do mundo. China e Brasil são,
respectivamente, o primeiro e o terceiro maiores credores dos Estados Unidos.
Por crescerem mais que a Europa e os Estados Unidos, e terem
mais reservas internacionais, os Brics querem maior poder no Banco Mundial e no
FMI. Como isso lhes tem sido negado, estão criando, no próximo ano, o próprio
banco, com capital inicial de US$ 100 bilhões.
No final de outubro, o Brasil – que já compra helicópteros
militares russos, tem um programa conjunto de satélites de monitoramento com a
China, vende aviões radares para a Índia e desenvolve mísseis com a Denel
Sul-africana – foi convidado a juntar-se a russos e indianos no desenvolvimento
e fabricação de um dos aviões mais avançados do mundo, o Sukhoi T-50,
caça-bombardeiro invisível a radares, capaz de monitorar e atingir alvos
múltiplos, no ar e em terra, a 400 quilômetros de distância.
Também em outubro, Brasília recebeu a visita do chanceler
indiano Salman Khurshid, que, em conjunto com o ministro das Relações
Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, estabeleceu como meta aumentar o comércio
Brasil-Índia em 50%, de US$ 10 bilhões para US$ 15 bilhões, até 2015.
Na área de internet, Rússia e Índia já declararam apoio ao
novo marco regulatório defendido pelo Brasil para a rede mundial. E planeja-se
o Brics Cable, um cabo óptico submarino de 34 mil quilômetros que, sem passar
pelos Estados Unidos ou pela Europa, ligará o Brasil à África do Sul, Índia,
China e Rússia, em Vladivostok. No comércio, na cooperação para a ciência e o
ensino, na transferência de tecnologia para fins pacíficos não existem limites
para os Brics.
Se você pensa um dia em visitar Miami, mandar seu filho
estudar nos Estados Unidos, ou acha que seus netos vão crescer em um mundo
regido pelo Tio Sam, está na hora de rever seus conceitos.
Há grande chance de que a segunda língua deles seja o
mandarim. De que viajem, a passeio, para Xangai, e não para a Flórida. De que
usem uma moeda Brics, e não dólar. E vivam em uma era em que não existirá mais
uma única grande potência, mas seis ou sete, entre elas o Brasil. Em um mundo
em que a competição geopolítica se dará, principalmente, entre os países da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e os que comporão outro
organismo internacional, liderado pelo Brics.
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