Colunistas da mídia estão festejando com sua habitual
hipocrisia estridente a decisão do Supremo de de mandar prender boa parte dos
réus.
Por Paulo Nogueira*, no Diário do Centro do Mundo
José Dirceu (ex-ministro-chefe da Casa Civil) foi condenado
a 10 anos e 10 meses de prisão em regime inicial fechado | Foto: Bruno Santos -
Terra
Dirceu preso era o sonho menos deles do que de seus patrões.
Num momento particularmente abjeto da história da imprensa
brasileira, dois colunistas chegaram a apostar um vinho em torno da prisão, ou
não, de Dirceu.
Você vai ler na mídia intermináveis elogios aos heróis
togados, aspas, comandados pelo já folclórico Joaquim Barbosa.
Mas um olhar mais profundo, e menos viciado, mostra que o
Mensalão representou, na verdade, uma derrota para a elite predadora que luta
ferozmente para conservar seus privilégios e manter o Brasil como um dos
campeões de desigualdade social.
Por que derrota, se a foto de Dirceu na cadeia vai estar nas
manchetes?
Porque o que se desejava era muito mais que isso. O Mensalão
foi a maneira que o chamado 1% encontrou para repetir o que fizera em 1954 com
Getúlio e 1964 com João Goulart.
Numa palavra, retomar o poder por outra via que não a das
urnas. A direita brasileira, na falta de votos, procura incansavelmente outras
maneiras de tomar posse do Estado – e dos cofres do BNDES, e das mamatas
proporcionadas por presidentes serviçais etc etc.
A palavra mágica é, sempre, “corrupção” – embora nada mais
corrupto e mais corruptor que a direita brasileira. Sua voz, a Globo, sonegou
apenas num caso 1 bilhão de reais numa trapaça em que tratou a compra dos
direitos de transmissão de uma Copa como se fosse um investimento no exterior.
Foi assim como o “Mar de Lama” inventado contra Getúlio, em
1954. Foi assim com Jango, dez anos depois, alvo do mesmo tipo de acusação
sórdida e mentirosa.
E foi assim agora.
Por que o uso repetido da “corrupção” como forma de dar um
golpe? Porque, ao longo da história, funcionou.
O extrato mais reacionário da classe média sempre foi
extraordinariamente suscetível a ser engabelado em campanhas em nome do combate
– cínico, descarado, oportunista – à corrupção.
A mídia – em 1954, 64 e agora – faz o seguinte. Ignora a
real corrupção a seu redor. Ao mesmo tempo, manipula e amplia, ou simplesmente
inventa, corrupção em seus adversários.
Agora mesmo: no calor da roubalheira de um grupo nascido e
crescido nas gestões de Serra e Kassab na prefeitura, o foco vai se desviando
para Haddad. Serra é poupado, assim como em outro escândalo monumental, o do
metrô de São Paulo.
Voltemos um pouco.
A emenda que permitiu a reeleição de FHC passou porque foi
comprado apoio para ela, como é amplamente sabido. Congressistas receberam R$
200mil em dinheiro da época –
multiplique isso por algumas vezes para saber o valor de hoje — para aprová-la.
Mas isso não é notícia. Isso não é corrupção, segundo a
lógica da mídia.
O caso do Mensalão emergiu para que terminasse como ocorreu
em 1954 e 1964: com a derrubada de quem foi eleito democraticamente sob o
verniz da “luta contra a corrupção”.
Mas a meta não foi alcançada – e isso é uma extraordinária
vitória para a sociedade brasileira. No conjunto, ela não se deixou enganar
mais uma vez.
O sonho de impeachment da direita fracassou. Ruiu também a
esperança de que nas urnas, sob a influência do noticiário massacrante, os
eleitores votassem nos amigos do 1%: Serra conseguiu perder São Paulo para
Haddad, um desconhecido.
O que a voz rouca das ruas disse foi: estão tentando bater
minha carteira com esse noticiário.
O brasileiro acordou. Ele sabe que o que a Globo — ou a
Veja, ou a Folha – quer é bom para ela, ou elas, como mostram as listas de
bilionários brasileiros, dominadas pelas famílias da mídia. Mas não é bom para
a sociedade.
E por estar acordado o brasileiro impediu que o Mensalão
desse no que o 1% queria – num golpe.
Por isso, o vinho que será tomado pela prisão de Dirceu será
extremamente amargo.
*é fundador e diretor editorial do site de notícias e
análises Diário do Centro do Mundo.
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