Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:
“King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e
fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?”, afirmou
Danilo Gentili na TV. A um telespectador, que contestou o caráter racista da
frase pela rede social, respondeu de forma a deixar ainda mais claro o seu
preconceito: “Quantas bananas você quer para deixar essa história pra lá?” O
moço é reincidente. Sobre a polêmica da futura estação do metrô paulistano no
bairro de Higienópolis, habitado por muitos judeus, disse: “Entendo os velhos
de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um
vagão foram parar em Auschwitz”. Desculpou-se depois, mas o estrago já estava
feito.
O que esse e tantos outros apresentadores na TV brasileira
fazem é violar os direitos humanos, lembrados anualmente no dia 10 de dezembro
– data da publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e que não é
apenas comemorativa. É um momento importante para lembrar direitos ainda
violados pelo mundo, entre eles o do respeito à dignidade humana e a não
discriminação.
A TV, que poderia ser um instrumento na defesa desses
direitos, tornou-se, no Brasil, o seu oposto. Basta assistir aos programas
policialescos em rede nacional incentivando a violência ou àqueles regionais
que, na hora do almoço, tripudiam sobre a desgraça alheia. Sem falar no
desprezo com a dignidade da mulher, transformada em objeto nos auditórios,
novelas e propagandas, e as recorrentes piadas em torno da homossexualidade.
Correndo solta, sem qualquer regulação, a TV se vê livre
para atacar direitos humanos impunemente. Não existem, como na Europa, órgãos
reguladores com poder para impor limites às emissoras. Não se trata de censura.
Eles agem sempre a posteriori, a partir de demandas do público. A pesquisadora
Bia Barbosa realizou um importante trabalho sobre as violações de direitos
humanos e a regulação de conteúdo da TV no Brasil, comparando com o que ocorre
na França e no Reino Unido. Analisou casos de preconceito e ofensa contra
grupos minoritários, violação dos direitos das mulheres, discriminação
religiosa, banalização da violência e linguagem depreciativa. As conclusões são
desoladoras.
No Brasil, cabe ao governo de turno aplicar as poucas regras
que existem, dispersas por vários ministérios e ultrapassadas historicamente,
como é o caso do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Mesmo assim,
as normas são pouco aplicadas, à medida que os governos evitam, por interesses
políticos, atritos com os proprietários das empresas de TV. Na França e no
Reino Unido os mecanismos de regulação são ágeis e as violações, punidas com
rigor. As multas são calculadas em função do faturamento dos canais. No Reino
Unido, há um teto de 250 mil libras ou 5% da receita do canal. Na França, podem
chegar a 3% da renda de uma operadora, e a 5% em casos de reincidência.
Bia Barbosa colheu exemplos interessantes: o Believe TV, um
canal pago inglês dedicado a mostrar soluções de problemas financeiros e de
saúde por meio da fé, com pastores receitando sabonetes milagrosos, foi multado
em 25 mil libras e obrigado a parar com o charlatanismo. Em 2012, outro canal
religioso recebeu multa de 75 mil libras por realizar campanha dizendo que em
troca de doações de mil libras, oferecia um “presente especial” e uma oração
para a saúde, a prosperidade e o sucesso.
Em meados deste ano, o inglês Channel 4 exibiu uma série de
programas em que a apresentadora Daisy Donovan percorre vários países do mundo
revelando como é a televisão local. Um dos episódios tratou do Brasil. Daisy
mostrou os programas Miss Bumbum, veiculado pelo canal pago Multishow – do
sistema Globosat; Pânico, pela RedeTV!; e o policial Na Mira, da TV Aratu,
filiada do SBT na Bahia. Depois de se surpreender com o concurso de beleza, ela
perguntou: “Se a TV brasileira é capaz de tratar uma mulher dessa forma,
haveria alguma barreira que ela não ultrapassaria?” Não há. É assim que a
barreira dos direitos humanos é ultrapassada todos os dias.
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