O ano que o Brasil deixa para trás transcorreu sob o signo
da convulsão social e da revolução política, mas, apesar dos eventos de
expressiva importância que vimos eclodir ao longo desses 365 dias, 2013 não se
compara ao que espera este país em 2014.
Dois fatos marcaram para sempre esta grande nação no ano que
ora deixa nossas vidas para entrar para a história: a onda de protestos e o
inédito encarceramento de políticos importantes.
Sobre os protestos de junho, o que impressiona é terem
ocorrido em um momento em que a qualidade de vida nunca foi tão boa e tão
promissora no país. Com salários crescendo e emprego farto, com distribuição de
renda e com a pobreza despencando ano a ano, centenas de milhares de
brasileiros foram as ruas protestar sem uma causa definida.
Não que todos os nossos problemas tenham sido solucionados.
Muito pelo contrário. O nível de pobreza, de injustiça social, de violência
urbana e rural e a péssima qualidade dos serviços públicos são, sim, razão
muito mais do que suficiente para qualquer povo protestar.
Todavia, o que impressiona é que tais protestos tenham
ocorrido em um momento em que a vida de todos melhorou tanto, ao passo que, há
uma década, este país estava falido, todo mundo estava desempregado, os
salários estavam cada vez mais aviltados e o povo não protestava.
Claro que não foi propriamente o povo que foi às ruas, mas
um setor da sociedade que melhorou menos de vida do que a maioria empobrecida.
Com efeito, a classe média viu os mais pobres avançarem bem mais do que si e
esse foi o mote dos protestos.
Os brasileiros que foram às ruas em junho de 2013, pela
primeira vez na história contemporânea não clamaram por mais empregos e por
salários melhores, o que mostra que esses dramas o país deixou para trás;
clamaram por melhores serviços públicos, como transporte.
Esse fenômeno é histórico, inédito e revelador de quanto a
última década melhorou este país. Até a aurora do século XXI, as demandas dos
brasileiros eram por empregos suficientes e salários decentes; o Brasil superou
essas deficiências e poucos perceberam.
Já no campo estritamente político, o julgamento e o
encarceramento relâmpago de políticos importantes em um país em que políticos
de tal estatura só eram penalizados tão duramente pela lei durante ditaduras
têm sido vistos como avanço, mas também como retrocesso.
É lícito dizer que a causa primeira da corrupção no Brasil –
que, reconheçamos, é maior do que em nações em estágio civilizatório mais
avançado – se deve à impunidade. Contudo, ao menos até o momento o encarceramento
de políticos petistas soa muito mais como um golpe político do que como
reversão da histórica impunidade que vige para os mais abastados neste país.
O que parece ter acontecido em 2013 não foram prisões de
políticos, mas prisões políticas. Afinal, políticos envolvidos em processos
análogos ao do mensalão do PT, só que da corrente política adversária – do PSDB
–, foram beneficiados pelas rotas de fuga que o Judiciário sempre propiciou às
elites.
O dito “mensalão do PSDB” ter sido tratado pela Justiça de
forma tão diferente da que foi usada para o do PT, com o desmembramento do
primeiro processo – que foi negado ao segundo – e com a demora muito maior para
julgar o caso envolvendo tucanos desmonta a tese do “fim da impunidade”.
Não há perspectiva, pois, de ver políticos-símbolo da
corrupção como um Paulo Maluf, um Demóstenes Torres, um Marconi Perillo, um
Eduardo Azeredo e tantos outros serem penalizados como foram os petistas.
Qual é a novidade, então, na forma como a Justiça trata a
classe política? Não é, infelizmente, a nossa Justiça tratar os membros das
elites como trata o povão. A novidade é – durante suposta vigência da
democracia – pessoas serem penalizadas por razões políticas.
É lícito dizer, pois, que 2013 não foi um bom ano para a
democracia brasileira. Protestos políticos ocorrendo quando as razões para
protestar diminuíram tanto e pessoas sendo encarceradas por razões políticas
são fatos que desautorizam otimismo com 2014.
O pior é que os grupos políticos que engendraram e fizeram
vingar protestos de rua e critérios políticos em um julgamento que, em respeito
à democracia, deveria deixar a política de fora, prometem fazer tudo isso de
novo em 2014, só que, agora, em ano eleitoral…
O que tornará 2014 um ano histórico para o país também tem
relação com a Copa do Mundo. Passaram-se décadas e décadas desde que o Brasil
sediou evento internacional de tal importância. Os olhos do mundo estarão
voltados para nós no ano que entra.
Os protestos terão, reconhecidamente, potencial para apear
do poder o grupo político que fez o Brasil avançar socialmente como nunca
ocorrera em toda a sua história em período tão curto. E de desmoralizar o país
perante o mundo.
Não é pouco.
A derrota imensurável que ameaça o país em 2014, porém, pode
não ocorrer. O brasileiro poderá dar uma demonstração de maturidade premiando
um governo – ou uma série de governos – que lhe melhorou a vida e poderá,
assim, dizer não aos que pretendem sabotar a imagem do país e sua economia com
fins eleitorais.
O caráter histórico de 2014, portanto, poderá decorrer não
só da rendição do país aos interesses inconfessáveis que querem desmoralizá-lo
internacionalmente e recolocar no poder os que tanto pioraram a vida do povo
como poderá decorrer da recusa desse povo a se render.
A volta ao poder dos que fizeram o Brasil chegar ao século
XXI de joelhos e que não se cansam de prometer o desmonte do Estado de Bem
Estar Social que vai sendo construído a duras penas pode gerar, na segunda
metade desta década, uma convulsão social.
A destruição da imagem do Brasil perante o mundo – via
transformá-lo em um campo de guerra durante evento que deveria ser uma festa de
reafirmação do país como potência emergente – aprofundaria o caos social e
econômico que pode eclodir a partir de 2015.
O caráter histórico de 2014, portanto, estará em que este
povo terá o próprio destino nas mãos como nunca terá tido antes. Teremos, no
ano que entra, o poder de melhorar muito as nossas vidas, mas também teremos o
poder piorá-las de forma dramática.
A decisão será nossa e só nossa. Assim sendo, o que de
melhor se pode desejar para o povo brasileiro em 2014, além de “Muito dinheiro
no bolso e saúde pra dar e vender”, é, pura e simplesmente, muito, muito, mas
muito juízo mesmo.
Um feliz e ajuizado 2014 para todos, pois.
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