Por Altamiro Borges
No dia 25 de janeiro de 1984, cerca de 300 mil pessoas
superlotaram a Praça da Sé, no centro de São Paulo, para exigir eleições
diretas para presidente da República. A surpreendente mobilização deu a
arrancada para a histórica campanha das Diretas-Já, deflagrando dezenas de
protestos no país inteiro, e representou o início do fim da ditadura militar
instalada com o golpe de 1964. A TV Globo simplesmente omitiu a manifestação. À
noite, o Jornal Nacional até mostrou as imagens da multidão, mas afirmou
tratar-se da comemoração do aniversário da capital paulista. Este episódio
marcante serviu para desmascarar ainda mais a poderosa emissora, que construiu
o seu império graças às benesses dos generais golpistas.
Como lembra o professor Venício A. de Lima, no livro “Mídia:
crise política e poder no Brasil”, a flagrante omissão da Rede Globo revelou os
seus profundos vínculos com a ditadura militar. Em dezembro de 1983, o
presidente-general João Batista Figueiredo fez um discurso terrorista contra as
manifestações já programadas: “Além de ineficaz (...), a campanha pela eleição
direta se reveste, agora, de caráter meramente perturbador”, rosnou. Roberto
Marinho, amigo íntimo dos carrascos fascistas, entendeu o recado e simplesmente
decidiu esconder os protestos. No primeiro ato da campanha, ocorrido em
Curitiba em 12 de janeiro, a emissora inclusive rejeitou um anúncio
publicitário pago convocando o comício.
Já no gigantesco ato da Praça da Sé, que completou ontem 30
anos, a TV Globo optou por uma manobra patética. “Depois de um encontro entre o
deputado Ulysses Guimarães, presidente do principal partido que liderava a
campanha, e Roberto Marinho, a Rede Globo registrou o comício no Jornal
Nacional, mas de maneira distorcida, apresentando-o como se fosse apenas mais
um evento do aniversário da cidade, minimizando o ato político e maximizando a
presença de consagrados artistas populares”, relata Venício. Ele lembra que o
“quase silêncio” da emissora durou cerca de 90 dias. Ela só alterou sua
cobertura no comício do Rio de Janeiro, em 10 de abril de 1984, duas semanas
antes da votação no Congresso Nacional da emenda que restabeleceria as eleições
diretas para presidente.
Já no livro “Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia”, os
professores Valério Cruz Brittos e César Siqueira Bolaño descrevem como a
emissora tentou sabotar todas as manifestações em defesa da Emenda
Constitucional do deputado Dante de Oliveira, que restabelecia a eleição direta
para presidente da República. “Do ponto de vista da televisão, o fato central
foi a omissão de cobertura, por parte da Rede Globo, de qualquer evento
relacionado com a campanha das ‘diretas-já’, até duas semanas antes da votação
da EC Dante de Oliveira”. A obra, indispensável, mostra que esta manobra faz
parte da longa trajetória de manipulações da emissora.
Poucos meses depois, em entrevista à revista Veja, o
falecido Roberto Marinho explicou o motivo de mais este crime jornalístico.
“Achamos que os comícios pró-diretas poderiam representar fator de inquietação
nacional e, por isso, realizamos num primeiro momento apenas reportagens
regionais. Mas a paixão nacional foi tamanha que resolvemos tratar o assunto em
rede nacional”. Anos mais tarde, em 2003, o diretor de jornalismo da TV Globo
ainda tentou rechaçar “as graves acusações que o JN já sofreu: a de que não
cobriu o comício das diretas, na Praça Sé”. O texto do serviçal da famiglia
Marinho nunca foi levado a serio. O grito de “Fora Rede Globo, o povo não é
bobo” se transformou numa das principais palavras de ordem de todas as
manifestações populares no Brasil.
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