O fenômeno social “rolezinho” já ameaça se equiparar em
importância política às “jornadas de junho” – como se convencionou chamar o
movimento de classes média e alta que se espraiou pelo país no ano passado a
partir de São Paulo e que levou centenas de milhares de pessoas às ruas por
todo país sob a desculpa dos aumentos das passagens do transporte público.
Ao longo das últimas semanas e, sobretudo, dos últimos dias
começaram a surgir análises de todos os matizes sobre o fenômeno. Algumas mais
profundas e relevantes, outras rasas, burras, preconceituosas.
Com efeito, há hoje um “rolezinho” para cada gosto nas
cabeças dos mais diversos analistas.
Em primeiro lugar, vamos acabar com essa história de que
haveria qualquer similitude entre os garotos e garotas pobres, em maioria
negros e mulatos e oriundos de bairros da periferia de São Paulo e os grupos
que foram às ruas praticar quebra-quebras no ano passado.
Pesquisa Datafolha feita no auge das manifestações de junho
de 2013 traçou o perfil dos manifestantes. A maioria tinha entre 21 e 35 anos
(63%) e ensino superior (78%). Os do “rolezinho” são adolescentes, não usam
máscaras do revolucionário inglês Guy Fawkes e não usam roupas de grife
propositalmente esfarrapadas, ao estilo bicho-grilo chique.
Outra diferença: esse movimento desorganizado, espontâneo de
adolescentes pobres da periferia não é manipulado por partidos, não tem
lideranças como as moças e rapazes branquinhos, universitários e de classe
média e alta do Movimento Passe Livre que esnobaram políticos que com eles
tentaram conversar, como Dilma e Fernando Haddad. E, o que é mais importante,
não fizeram uso político das suas movimentações.
Ninguém viu cartazes contra políticos ou contra Propostas de
Emenda Constitucional (PECs) com os garotos do “rolezinho”. E é de duvidar que
em próximas incursões esses cartazes apareçam.
Além disso, não houve e não haverá nesse movimento os grupos
neonazistas que espancaram militantes da CUT e do PT que se aventuraram nas
“jornadas” de junho e que delas foram expulsos por eles.
Alguns temem que “black blocs” se infiltrem nos
“rolezinhos”. Não creio. Em primeiro lugar porque, se isso ocorrer, acabarão
com o movimento. A garotada vai se recolher. Apesar de gritar, cantar, dançar,
esses meninos e meninas têm medo de infringir a lei. E têm sido pacíficos.
Pobre mesmo não brinca com as forças de repressão do Estado.
Não houve enfrentamentos entre a garotada da periferia e a
PM. Foram reprimidos, mas não atiraram coquetéis Molotov, não depredaram
patrimônio público e privado e se danos houve foi por conta da truculência
policial, que gerou correria.
Por conta disso, as reações dos reacionários já se fazem
presentes. Os colunistas da Veja e de outros veículos da mídia reacionária e
tucana já se mobilizam para criminalizar os garotos. E a mesma Justiça que
permaneceu hibernando quando os filhos das classes média e alta demonstravam
sua selvageria agora investe contra a pobreza.
A virulência das críticas da grande mídia aos “rolezinhos”,
pois, começa a crescer. Até aqui, o prêmio foi para o colunista da Veja Rodrigo
Constantino. Em seu blog, atacou os garotos com toda a sua impressionante
mediocridade e com sua burrice cavalar. Abaixo, trecho do post em que ataca o
movimento.
—–
“(…) Não toleram as “patricinhas” e os “mauricinhos”, a
riqueza alheia, a civilização mais educada. Não aceitam conviver com as
diferenças, tolerar que há locais mais refinados que demandam comportamento
mais discreto, ao contrário de um baile funk. São bárbaros incapazes de
reconhecer a própria inferioridade, e morrem de inveja da civilização (…) Os
“rolezinhos” da inveja precisam ser duramente repreendidos e punidos. Caso
contrário, será a vitória da barbárie sobre a civilização (…)”
—–
Impressionante, não? “Bárbaros incapazes de reconhecer a
própria inferioridade”. Hitler não diria de forma diferente.
“Inferioridade” em que? Social? Étnica? Provavelmente, vê
ambas nos garotos negros e mestiços. Além de ver inveja de “patricinhas e
mauricinhos” que, além de serem aceitos nos shoppings, têm em seu meio muitos
que recorrem à periferia para comprar drogas.
Vão se amontoando, assim, os colunistas que negam que os
“rolezinhos” sejam produto da exclusão social. Na Folha de São Paulo, por
exemplo, um tal de Igor Gielow diz que “(…) rolezinho não é, como querem os
profetas progressistas da Vila Madalena (ou do Leblon, ou de setores do
governo), a expressão máxima do oprimido. É uma molecagem (…)”.
Ou seja: os universitários que foram às ruas quebrar e
incendiar tudo eram luminares da República, estavam “passando o país a limpo”,
mas garotos pobres e negros que querem exibir nos salões dos incluídos os produtos
de consumismo aos quais já estão tendo acesso – ao custo, claro, de torrarem o
pouco que têm nesses produtos – só estão fazendo “molecagem”.
Não é gozado uma “molecagem” da qual só negros e mestiços
pobres da periferia participam? É uma molecagem de classe social, então…
Não, não estou fazendo apologia dos “rolezinhos”. Não acho
que essa garotada ir em massa aos shoppings, muitos dos quais estão em bairros
pobres e só recebem remediados, seja o mais recomendável. Contudo, o que não se
pode aceitar é discriminarem previamente essa garotada na porta dos
estabelecimentos com base na aparência física e na indumentária.
Se formos verificar que danos ao patrimônio público e
privado “rolezinhos” que reuniram milhares de jovens causaram, veremos que tais
danos não chegaram nem aos pés dos que os universitários das “jornadas de
junho” causaram. Os problemas que os “rolezinhos” causaram foram quase
insignificantes.
Não se sabe como será daqui para frente. Pobre acaba se
encolhendo diante do Estado. O governador Geraldo Alckmin já ameaçou com
violência policial se os meninos derem as caras de novo. Sobretudo se saírem
dos shoppings da periferia para os da elite nos bairros nobres. Podem ficar
intimidados e nem darem as caras, portanto. Pobre não brinca com essas coisas…
De minha parte, anseio ver essa meninada comparecer em peso
aos shoppings e se portar bem. Que vá passear tranquilamente, como é direito de
qualquer cidadão, e dê um tapa na cara dessa elite medíocre, preconceituosa e
burra. Espero ver jovens pobres e de baixa instrução mostrar o que os filhos da
elite foram incapazes em suas “jornadas” de 2013.
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