“Prefeito da maior cidade do país, Haddad deve explicações a
Justiça ou aos eleitores?”
O Conversa Afiada reproduz artigo de Paulo Moreira Leite,
extraído do site da Revista Istoé:
O LADO POLITICO DA JUDICALIZAÇÃO
Liminar contra IPTU foi terceira intervenção contra
prerrogativa de Fernando Haddad
No esforço para convencer os brasileiros de que o Poder
Judiciário tem o direito de tomar decisões que o artigo 1 da Constituição
reserva aos representantes eleitos pelo povo, nossos comentaristas e
observadores tentam passar uma justificativa nobre.
Dizem que a judicialização é um produto da omissão de nossos
legisladores. A ideia é conhecida: já que nossos legisladores não cumprem suas obrigações, a Justiça acaba sendo
obrigada a intervir, bondosamente, até contra vontade, em defesa do cidadão.
Procurando dar um aspecto épico ao comportamento do STF, o
ministro Luiz Roberto Barroso disse
recentemente que, em determinados casos, o tribunal “empurra a história.”
A menos que estejamos diante de uma concepção determinista
da história não custa lembrar que a evolução da humanidade pode ser empurrada
para um destino positivo, mas também
pode ser conduzida para trevas e abismos. Em 1964, a história andou para trás,
com uma mãozinha do STF, que se acomodou ao poder militar.
É curioso notar que se fala da omissão de nossos
legisladores dias depois do país assistir a uma intervenção brutal da Justiça
no debate sobre o aumento do IPTU em São Paulo.
Joaquim Barbosa, presidente do STF, manteve uma liminar do
Tribunal de Justiça que suspende o aumento do IPTU.
Você pode dizer o que quiser desse IPTU. Pode xingar e pode
elogiar. Pode achar que ele daria a Fernando Haddad os recursos de que ele
necessita para encaminhar seu programa de gestão e que isso é ruim. Também pode
achar que o novo IPTU vai revoltar a classe média e atrapalhar a votação da Dilma Rousseff em São Paulo.
Só não se pode afirmar que a Câmara de Vereadores foi
omissa. A Câmara recebeu a proposta, debateu e aprovou. Se alguma coisa se fez,
foi andar rápido nessa matéria.
Suspender o aumento foi um ataque frontal a uma decisão
inteiramente legítima.
O conteúdo social dessa decisão é uma caricatura da
desigualdade brasileira.
Seria uma piada pronta, não fosse uma tragédia.
Na média, cada proprietário de imóvel teria um acréscimo de
50 centavos por dia no IPTU. Sabe aquela moedinha prateada que tanta gente
procura no bolso para dar para aquela criança que estica o braço para dentro da
janela quando o sinal estava fechado? Era isso, e apenas isso, salvo para
aquelas pessoas que olham o mundo pelo olhar míope do impostômetro – numa
atitude que os mais antigos chamariam de
egoísmo de quem perdeu até a alma.
Os moradores de bairros e residências pobres, equivalentes a
14% do total, ficariam isentos.
Considerando que o projeto nasceu na gestão de Fernando
Haddad, eleito como 55% dos votos em 2012, não é difícil deduzir quem estava ao
lado de quem neste debate.
Principal liderança política da campanha contra o aumento, o
presidente da FIESP, Paulo Skaf, foi o mesmo que em 2007 teve um papel
fundamental no levantamento de recursos que permitiram a extinção da CPMF pelo
senado, desfalcando a saúde pública de 20 bilhões de reais. Havia até um
elemento questionável nessa decisão, já que a Constituição afirma que a saúde é
um direito de todos e um dever do Estado. Cabe ao Estado, portanto, encontrar
meios para cumprir suas obrigações, o que só se pode fazer através de impostos
e subsídios.
Mas o Senado, dominado por uma oposição interessada em
quebrar as pernas do governo Lula, conseguiu ajuda de Skaf para tirar dinheiro
da saúde pública.
Foi desastroso do ponto de vista popular. Mas não foi
“omisso,” correto? Pelo contrário: foi “explícito,” foi “ativo”, foi “claro.”
Em proveito de quem meus caros?
Ao assumir atribuições fora de sua competência, o Judiciário
disputa poder junto a representantes eleitos, favorece soluções autoritárias,
às costas do eleitor, que pode até aplaudir uma medida aqui, desgostar de outra
mais adiante, apedrejar uma terceira –
sem compreender que está sendo destituído da palavra final sobre o destino da
nação.
Veja o que aconteceu com os royalties do petróleo. O
Congresso resolveu, por ampla maioria, que eles deveriam ser divididos de uma
forma mais equitativa entre os estados brasileiros. Essa medida não agradou a
uma fatia dos eleitores dos Estados que iriam perder receitas e foi combatida
duramente pela TV Globo.
Até hoje uma decisão soberana do Congresso brasileiro
encontra-se parada no STF. Omissão de quem?
O mesmo Tribunal de Justiça que privou a prefeitura
paulistana de um recurso extra de R$ 800 milhões definiu um programa de creches
detalhado, prazos que devem ser cumpridos, metas e assim por diante. Alguém já se perguntou o que nossos juízes pretendem fazer com
Fernando Haddad – autoridade eleita pelos paulistanos para zelar pelos
interesses da cidade – caso o programa de creches do TJ-SP não for cumprido?
Em outro episódio, Haddad levou em frente um projeto de
campanha e suspendeu o Controlar. O programa voltou, por decisão judicial.
Prefeito da maior cidade do país, Haddad deve explicações a
Justiça ou aos eleitores?
Este é o ponto.
Como a maioria da população, tenho uma opinião bastante
crítica sobre nossos legisladores. Muitos são menos preocupados com as
necessidades do povo do que deveriam. Chegam a tomar atitudes que muitas
pessoas encaram com um insulto e uma desmoralização. Nada disso justifica, no
entanto, qualquer esforço para diminuir e enfraquecer seus poderes. Cabe
debater regras eleitorais, procurar outros candidatos e assim por dinante. A
menos, claro, que você não tenha percebido, ainda, que a democracia é o pior
regime do mundo — com exceção de todos os outros.
E aqui chegamos a questão essencial.
Ao agir politicamente, a Justiça é obrigada, de uma forma ou
de outra, a afastar-se de seu princípio essencial, da isenção, da balança, do
equilíbrio, para tomar partido, escolher um lado.
Em editorial onde admite o problema, a Folha de S. Paulo
chega a pedir “equilíbrio” ao
Judiciário. Referindo-se ao programa de creches do Tribunal de Justiça, o
jornal adverte:
“Se terminar usurpando competências do Executivo e
ambicionar, em substituição ao governo, conduzir a política educacional, a
decisão será desastrosa.
Em democracias consolidadas, tribunais se pautam pelo
equilíbrio entre ativismo e autocontenção. Na jovem democracia brasileira, a
busca por essa fórmula está em curso e dependerá, em boa medida, do sucesso (ou
fracasso) de experiências como a do TJ-SP e da sobriedade dos ministros do
Supremo Tribunal Federal.”
Vamos combinar que o simples fato de um jornal pedir
“equilíbrio” ao Judiciário mostra que se chegou a um preocupante estado de
desequilíbrio entre os poderes. É sintomático que o jornal tenha reconhecido
isso.
A verdade é que não estamos diante num debate sobre a
“melhor forma” de administrar a cidade, numa espécie de seminário entre
cidadãos bem intencionados, onde é preciso encontrar o “ponto certo” num
universo “complexo” e outros argumentos que parecem acadêmicos.
A discussão é política e envolve interesses concretos.
Também envolve os fundamentos do poder de Estado. Colocado contra a parede em
três decisões grades de sua gestão, Fernando Haddad enfrenta uma situação que
está longe de ser única.
A judicialização ocorre em dezenas de cidades médias
brasileiras, onde prefeitos são atingidos com frequências em seus mandatos e
forçados a modificar ou suspender políticas que têm todo o direito de
encaminhar como representantes eleitos pelo povo.
Clique aqui para ler “Saad da Bandeirantes ameaçou Haddad”
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