por Helena Sthephanowitz
Black Blocs em ação no metrô do Rio: é tempo de sinalizar
que querem mais que simplesmente violência
A melhor coisa surgida das manifestações de junho de 2013
foi o interesse da juventude pela participação política, com todos seus erros e
acertos. E todo mundo que já teve 18 anos sabe como é. Utopias a mil, desejo de
mudar o mundo, fazer a revolução de sua época.
Tudo isso é muito bom para contestar as estruturas vigentes,
que causam mazelas sociais, e faz parte da dinâmica que leva às transformações
que toda sociedade saudável precisa para evoluir.
Geralmente, em processos como este há uma curva de
aprendizado. Desde o despertar da consciência política, vêm a visão diferente
da realidade, o contato com novas pessoas, novas amizades, novos interesses,
novas afinidades, descoberta de novas ideias, livros, filmes, enfim, novos
conhecimentos.
E com a própria experiência vêm também a reflexão, a crítica
e a autocrítica, o chamado exercício da dialética. E some-se a isso uma idade
em que não é incomum ter pensamentos diferentes – e muitas vezes opostos – do
que se tinha seis meses antes. E que seis meses depois já pode haver outro
ajuste de rumo, a partir de horizontes mais amplos de conhecimento.
Porém, oito meses se passaram de junho para cá, e um grupo
de manifestantes está ficando para trás na curva de aprendizado, arredios a
aprender com seus próprios erros. São os adeptos da tática black bloc. Eles
dizem que não são grupo, mas um conjunto de pessoas que formam um bloco para
agir da mesma maneira pode sim ser chamado de grupo, em bom português.
Disseminada em outros países, a estratégia black blocs
apareceu com relevância no Brasil por ser barulhenta e agressiva. A tática,
como resistência, seria válida em casos como a reintegração de posse do
Pinheirinho, em resposta à extrema violência policial aplicada para expulsar
cidadãos de suas casas.
Mas, em manifestações livres de rua, na maioria das vezes os
blocs estão três décadas atrasados, desde o fim da ditadura. Mesmo considerando
que as polícias militares também têm um aprendizado a adquirir para lidar com
protestos públicos, o fato é que o país vive em plena liberdade de expressão,
manifestação e organização, de forma que o uso de táticas violentas é andar
para trás, em vez de organizar a sociedade em torno das transformações que se
deseja.
Os blocs ganharam alguma simpatia de manifestantes no
início, quando as polícias agiram com força excessiva para situações banais de
desobediência civil, como uma passeata fechar o trânsito, e eles foram os que
mais enfrentaram a força policial.
No entanto, com o correr do tempo, parece que os blocs se
apaixonaram mais pela "tática" do que pelo anarquismo de que se dizem
adeptos. A impressão é de que passaram a gostar mesmo é da adrenalina do
confronto, da sensação de pertencimento a "algo que estava
acontecendo" e, como o amor é cego, fecharam os olhos às críticas, aos
erros, inclusive nas mensagens que estavam passando. O conceito anarquista de
"propaganda pelo ato" virou propaganda negativa.
Perderam simpatia ao extrapolar o conceito de desobediência
civil para desobediência penal, quebrando agências bancárias, concessionárias
de veículos e multinacionais de fast food – vistos como símbolos do
capitalismo. Mas, no Brasil, por mais que ninguém morra de amores pelos bancos,
a ideia de aumento da violência assusta a grande maioria da população.
Ficaram mais impopulares ao destruírem patrimônio público,
que nem sequer é símbolo do capitalismo, nem de poder estatal. São benfeitorias
como pontos de ônibus, lixeiras, postes e placas de sinalização e de trânsito.
Interromperam algumas manifestações de movimentos sociais que não seriam
interrompidas se os blocs não estivessem lá, porque buscaram o confronto com a
polícia.
Por vezes viraram meros estragadores de festa. No 7 de
Setembro, em vez de fazerem sua própria manifestação, quiseram atrapalhar o
desfile cívico-militar. Que sentido revolucionário ou transformador teria
estragar a festa de um filho que estava na arquibancada vendo o pai soldado
desfilar? De novo, se o objetivo era fazer "propaganda pelo ato", o
resultado foi apenas serem vistos como "chatos".
Depois houve o caso do colchão em chamas pretensamente usado
como "barricada". Acabou incendiando um fusca de um trabalhador, com
crianças e mulheres dentro, felizmente salvas a tempo. Os blocs não admitiram
que poderiam estar errados. Para eles a culpa foi da vítima, segundo divulgaram
em suas redes sociais.
Agora, em protesto contra o aumento das passagens de ônibus
que acabou em confronto no Rio de Janeiro, na semana passada, um manifestante,
que não se sabe ainda se é de fato ou não adepto da tática black bloc, soltou
um rojão potente, cujo alvo provavelmente seriam os policiais, mas que acabou
estourando na cabeça do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, cuja
morte cerebral foi anunciada hoje (10).
Oito meses se passaram desde junho, e não vemos uma curva de
aprendizado evolutiva dos blocs.
Não se vê nenhuma autocrítica consistente sobre os episódios
do colchão, nem mesmo do caso mais grave do cinegrafista da Band. Não se vê nas
páginas dos blocs nas redes sociais nenhuma recomendação para não usar rojões
em manifestações. Pelo contrário, o que se lê nas entrelinhas é incentivo
subliminar a continuar a escalada da violência, procurando justificar com os
casos de violência policial.
Também pouco se vê em termos de conscientização da
sociedade, de organização em movimentos sociais para conquistas. Nada que não
seja destruição. Enfim, não se percebe nenhuma agenda política positiva dos
blocs, mesmo que possam ter.
Para quem luta contra a criminalização de movimentos
sociais, não agrada ver a intensa e raivosa campanha que a morte do
cinegrafista da Band provocará como resposta da mídia, mesmo que eles não se
constituam em um grupo organizado.
Mas, para isso, os blocs têm de se ajudar. Precisam fazer o
que a maioria dos manifestantes de junho fizeram no processo de amadurecimento.
Precisam aprender com erros, descartando o que dá maus resultados, rever conceitos
equivocados, e se engajarem em lutas políticas e sociais mais consistentes do
que transformar ruas em um coliseu para o embate entre gladiadores.
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