Por Dedé Rodrigues
O Vermelho entrevistou o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, Ricardo Alemão Abreu, para entender a conjuntura política da Venezuela. Segundo ele, há um novo padrão de intervenção da direita na América Latina e o que está acontecendo no país é a aplicação desta tática de desestabilização, uma vez que a oposição não tem força política suficiente para enfrentar os governos de esquerda de forma democrática. Leia a seguir a íntegra da entrevista.
Por Théa Rodrigues, da redação do Vermelho
Como avalia o momento pelo qual a Venezuela está passando atualmente?
Há um novo padrão de intervenção da direita na América Latina, que diz defender a democracia e a liberdade, mas que na verdade sempre foi antidemocrática e autoritária. A direita vem se apropriando dos discursos da esquerda, para implantar a dúvida de quem são os reais democratas e quem são os ditadores.
A Venezuela é um caso mais flagrante disso atualmente, mas essa mesma tática está sendo usada na Argentina e no Brasil. Trata-se da tentativa de criar um ambiente de desestabilização com o desabastecimento, que gera uma guerra econômica e o caos que força uma crise cambial. Por sua vez, isso provoca uma violência política que dá a sensação de que o governo não tem controle da situação e de que é culpado pela situação caótica.
Venezuela é vítima de uma nova tática intervencionista da
direita
Manifestação a favor do governo de Nicolás Maduro em
Caracas. Foto: Alba.
Como os opositores conseguem o apoio popular utilizando essa
tática?
Na Venezuela há uma parcela da população que hora vota no
chavismo, hora vota contra. Esse grupo não cai no discurso fácil de que o
presidente Nicolás Maduro é culpado por tudo, mas pode não votar novamente nele
por conta da situação do país. Com isso, os opositores reforçam sua porcentagem
de eleitores (cerca de um terço dos votantes) e disputam outra franja de apoio
popular. Por meio da desestabilização do governo, o golpe de Estado se torna
mais palpável para esses grupos de ultradireita, que utilizam quaisquer
artifícios para manipular informações.
A manipulação e a desestabilização de governo rumo a um
golpe de Estado são uma resposta à força da integração latino-americana?
Claro. À medida que temos a democracia e liberdade para o
povo na América Latina, surgem ainda mais alternativas, mais à esquerda,
progressistas e até revolucionárias, que sempre foram sufocadas ou por golpes
militares, ou por invasão dos Estados Unidos, ou por apoio às ditaduras. O
golpe militar de 1964 no Brasil é um exemplo, assim como o golpe que derrubou
Salvador Allende no Chile, na década de 1970.
Tivemos, a partir do final dos anos 1990, um avanço no
processo de democratização latino-americano e, consequentemente, a vitória de
governos mais progressistas e até de forças revolucionárias que passaram a
democratizar ainda mais esses países – a Venezuela teve 15 eleições no período
de 10 anos. Por tanto, o processo é contrário ao que dizem dos governos de
esquerda: que são ditaduras.
O governo de Cristina Kirchner democratizou os meios de
comunicação na Argentina, o mesmo aconteceu no Uruguai e no Equador. Quer
dizer, quanto mais os governos de esquerda avançam em reformas democráticas, os
grupos de direita opositores ficam sem alternativa e buscam uma saída fascista.
Por isso o presidente Nicolás Maduro considera que a
conjuntura na Venezuela é uma consequência da ação de grupos fascistas?
A oposição está mudando de tática e de líder na Venezuela.
Veja bem, Henrique Capriles não dá mais conta de fazer oposição ao governo em
eleições. Já perdeu para o Hugo Chávez e, posteriormente, para Nicolás Maduro.
Nas eleições municipais de dezembro passado, eles achavam que teriam ao menos
um empate técnico com o partido governista, mas as medidas que Maduro tomou
contra a guerra econômica foram muito eficientes e, com isso, o mandatário teve
a confirmação do apoio popular.
Então precisa ser alguém mais radical, como é o caso de
Leopoldo López. Tanto que, anteriormente, ele e Capriles faziam parte da mesma
coligação contra o chavismo e agora estão divididos. Ou seja, pelas vias
democráticas a oposição não tem mais espaço. A cena golpista fica impaciente
com os governos que vão se reelegendo e que dão continuidade e aprofundamento
aos programas progressistas. A partir disto, a direita passa a fortalecer uma
alternativa neofascista, de golpe de Estado, de ditadura e de violência.
Para ter uma ideia, em 2002, López liderou a agressão armada
à embaixada de Cuba e hoje prega um discurso pacífico. Ele, na época, já
organizava esses grupos neofascistas de ultradireita. O opositor continua sendo
o mesmo, mas agora utiliza essa “fachada” de defensor da paz, da democracia e
de José Martí. Isso é tudo jogo de cena.
E assim Leopoldo López ganha o apoio popular...
Sim, mas essa campanha denominada “A Saída” que ele comanda
é ditatorial e acusa o governo que construiu um Estado com base na democracia
popular, que é o conteúdo real da Revolução Bolivariana, de ser uma ditadura.
Podemos afirmar que há uma tentativa de golpe de Estado na
Venezuela, tal e qual o presidente Nicolás Maduro vem denunciando?
Sim, há uma tentativa de golpe, mais complexa, mais
sofisticada e que utiliza o discurso da democracia e da liberdade, mas com o
conteúdo de um golpe fascista. Essa inversão de sinais e essa apropriação dos
termos de esquerda promove uma confusão ao desconstruir a imagem da real
democracia. Há uma falsificação que tenta enganar o povo para a saída golpista.
Qual o papel dos Estados Unidos no que está acontecendo na
Venezuela?
Os Estados Unidos e as direitas locais não suportariam mais
10 anos de governos progressistas e anti-imperialistas na América Latina. Como
disse anteriormente, existe hoje um novo padrão de intervenção política do
imperialismo, que prepara a guerra midiática, a guerra econômica, o terror
psicológico e a falsificação.
Gene Sharp, um escritor que possui ligações com a CIA,
escreveu um livro no qual ele levanta 198 estratégias de desestabilização de
governo. Tudo o que está sendo feito na Venezuela está nesse “manual”. Isso foi
aplicado no Irã em 1953 e no Chile em 1970.
O opositor Leopoldo López tem muita ligação com os EUA. O
próprio fato de o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, ter se
pronunciado contra a prisão de López pode ser uma demonstração da ligação entre
eles.
Qual é a nossa tarefa para prevenir essa “infiltração”
fascista?
Nós precisamos defender a democracia e os governos eleitos
de forma legítima e denunciar essa tentativa de “fascistização” da América
Latina. É importante agir agora para desmoralizar essa tática e essa estratégia
da direita para implantar o golpe de Estado a qualquer custo.
Na Venezuela é importante aproveitar que a oposição não está
totalmente unida nisso e desmascarar esse tipo de discurso fascista para evitar
que a onda golpista cresça. Não acredito que possa haver um golpe na Venezuela
manhã, mas pode ser criada uma situação favorável a isso. Temos que nos
preparar para uma nova fase de contraofensiva.
Qual o papel da mídia na propagação desse discurso “falsificado”?
As redes sociais repercutem o que a grande mídia diz.
Manipulam imagens e divulgam sempre aquilo que é lhes é favorável. A
multiplicação de um discurso que parece a favor do povo, mas que tem por trás
grupos de extrema direita merece atenção especial.
Há algum perigo para a integração latino-americana?
Os três países fundamentais para a integração
latino-americana são a Venezuela, o Brasil e a Argentina. Para quebrar a
integração hoje, é preciso quebrar esses três países. Isso abalaria o todo o
processo de avanço consolidado com o Mercosul, Unasul, Celac, Alba e outros.
Por isso, hoje, a direita intensifica sua campanha nesses
três países. O plano era derrotar o Polo Patriótico, em dezembro passado, na
Venezuela – o que não aconteceu – para criar uma alternativa para o próximo
referendo revogatório daqui a dois anos. Também querem derrotar a presidenta
Dilma Rousseff nas presidenciais deste ano e a o partido de Cristina Kirchner
na Argentina, em 2015.
É possível, portanto, encontrar semelhanças nos
acontecimentos recentes nesses países no último ano. Há uma guerra midiática,
uma guerra política e econômica que acontece em intensidades diferentes contra
esses três governos. Os opositores apostam que o caos e que um governo cada vez
mais desprestigiado perca o apoio popular.
Como isso pode repercutir no Brasil?
No Brasil não será diferente, eles vão tentar ganhar uma
parte do povo que vota na presidenta Dilma Rousseff utilizando o falso
argumento de que a governante é incapaz, que a economia está um caos, que a
política social está esgotada.
Aqui no Brasil, o discurso da direita em 1964 era
“democracia e liberdade” com a chamada “revolução democrática”. Contudo, o
governo deposto de Jango era, até então, o mais avançado e o que tinha mais
compromisso com a luta dos trabalhadores, com a democratização e com a soberania
nacional.
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