Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
Na terça-feira houve a primeira exibição, em São Paulo, do
documentário “O Mercado de Notícias”, do cineasta gaúcho Jorge Furtado. Ele
entrelaça uma peça do século 17, que já abordava o papel da mídia, com
depoimentos de jornalistas.
A parte mais interessante do documentário é a reconstituição
do episódio da bolinha de papel que atingiu o candidato José Serra na campanha
de 2010.
Juntaram-se várias cenas..
Uma cena rápida da reportagem da TV Bandeirantes mostra um
braço negro, com uma camisa azul, atirando a bolinha de papel. Ao lado, uma
pessoa corpulenta com camisa vinho. Não se vêem seus rostos.
Outras cenas gravadas mostram um sujeito negro de óculos
escuros e camisa azul, e outro branco, corpulento, de camisa vinho, no mesmo
local, pouco antes do arremesso da bolinha. Ambos próximos a Serra, e atuando
na sua segurança.
Não é mencionado no documentário, mas provavelmente trata-se
de um trabalho de 2010 (http://glurl.co/dG0) de autoria de Sérgio Antiqueira,
que recebeu apenas 1.639 visualizações no Youtube.
Com essas revelações, fecha-se o ciclo de uma das maiores
tentativas de fraude eleitoral da história política recente do país.
O primeiro passo foi a escolha do local, uma região
francamente hostil da cidade.
Em 1999, quando Ministro da Saúde, Serra mandou demitir
5.700 mata-mosquitos da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) no Rio - técnicos
incumbidos de combater os mosquitos da dengue.
Há indícios de que o fim dos mata-mosquitos visou liberar
verbas para o governo do Estado, já que a Funasa continuou repassando
anualmente os R$ 11 milhões referentes aos salários dos demitidos.
As consequências foram desastrosas, com a gripe da dengue se
alastrando por todo o estado. No ano seguinte, a epidemia se abateu sobre 45
mil pacientes infectados, causando dezenas de mortes, mais da metade do total
de mortes por dengue no país (http://glurl.co/dG2). Foi o ano com mais
registros de dengue da história, a maior parte concentrada no Rio.
Serra acabou inimigo mortal da categoria. Em 2.000, eventos
políticos dos quais participava já tinham sido invadidos por mata-mosquitos
(http://glurl.co/dG3). O mesmo ocorreu em outubro de 2002
(http://glurl.co/dG5).
O episódio da bolinha de papel ocorreu justamente na região
oeste do Rio, onde fica o Sindicato dos mata-mosquitos. Era óbvio que haveria
reação, tanto assim que Serra desembarcou cercado por um exército de
seguranças, provocando ostensivamente os manifestantes e criando o clima
adequado para as cenas seguintes.
As duas bolinhas
Em poucos minutos, explodem duas cenas.
A primeira, o da bolinha de papel que pipoca na cabeça de
Serra e cai no chão. Serra leva algum tempo para se dar conta do fato e
aparentemente perde a primeira oportunidade de montar o teatro.
A segunda oportunidade é mais à frente. Serra recebe um
telefonema. Pouco tempo depois leva a mão à cabeça. Caminha mais um pouco, sem
aparentar danos. Uns cinco segundos depois leva a mão à cabeça, caminha em
direção ao carro da comitiva. Ainda tem tempo para conversar um pouco com
alguns fãs.
Depois entra e segue para um hospital onde é atendido pelo
cirurgião médico de cabeça e pescoço Jacob Kligerman – que presidiu o INCA
(Instituto Nacional do Câncer) na gestão de Serra na saúde.
Na Justiça existem as provas declaratórias (que dependem
apenas de declarações de testemunhas) e as provas documentais (as que têm
efetivamente valor).
Klingerman declara à imprensa que Serra chegou ao
consultório “com náuseas e tonteira”. Quanto às provas documentais, nada havia.
Informa que não havia lesão aparente (externa), e a tomografia nada acusou.
Pelo sim, pelo não, recomendou 24 horas de repouso.
Naquela noite, o Jornal Nacional divulgou reportagem onde
endossava a versão da agressão com “objeto contundente” (http://glurl.co/dG9).
Dizia-se ser um rolo de fita crepe. A reportagem terminava com um Serra
nitidamente interpretando o papel de uma pessoa fragilizada, deblaterando
contra a guerra política.
Naquela mesma noite, uma reportagem da SBT mostrava a cena
da bolinha de papel (mas sem os seguranças), o telefonema recebido por Serra e,
em seguida, ele levando a mão à cabeça.
Começou a guerra de versões. O Jornal Nacional chegou a
convocar o perito Ricardo Molina para analisar um vídeo gravado por celular que
supostamente provaria que houve um segundo objeto lançado contra Serra, um rolo
de fita crepe. Não se perguntou ao perito se, mesmo supondo-se ter sido um rolo
de fita crepe, qual seu poder de contusão.
Outros técnicos rebateram as análises de Molina, com vídeos
colocados na Internet, mostrando que o objeto identificado como fita crepe não
passava de uma sombra de algum manifestante, em um vídeo de baixíssima
resolução.
No dia seguinte, o então presidente Lula comparou Serra ao
goleiro chileno Rojas – que simulou ter sido atingido por um rojão em um jogo
no Maracanã.
O vídeo de 2010 – trazido à tona pelo documentário – ao
provar que foram os próprios seguranças de Serra que atiraram a primeira
bolinha, desnuda de vez a que poderia ter sido uma das grandes fraudes
midiáticas-políticas da década. E não foi graças ao contraponto exercido pelas
redes sociais.
O resultado final foi a desmoralização do candidato por um
partido alto de Tantinho da Mangueira (http://glurl.co/dGA).
“Deixa de ser enganador
Pois bolinha de papel
Não fere e nem causa dor”
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