Todos os dias, empresas fazem maus negócios, que dão
prejuízos. Todos os dias, firmas vão à falência. Nos períodos de bonança e
crescimento, muitas empresas lucram bastante fazendo apostas altas nos
mercados. Nos períodos de crise, muitas simplesmente desaparecem para nunca
mais serem vistas.
Isto se chama capitalismo. O capitalismo implica riscos.
Muitos e graves riscos. Há nele uma “destruição criativa”, como dizia
Schumpeter, que torna o ambiente dos negócios algo muito mais próximo ao rio de
Heráclito que ao ser imutável e imóvel de Parmênides.
Nos períodos de crescimento, tem-se a impressão que os bons
negócios são sólidos e vão durar para sempre, ainda que sejam, muitas vezes,
meras bolhas alimentadas por ambição desmedida, conveniente cegueira de longo
prazo e ausência de regulação estatal. Já nos períodos de crise, como dizia
outro filósofo, tudo que é sólido se desmancha no ar.
Pasadena se desmanchou no ar, não há dúvida. De acordo com
Graça Fortes, o negócio teria dado um prejuízo a Petrobras de aproximadamente
US$ 500 milhões. É bastante, ainda que seja uma cifra bem inferior aos quase
US$ 2 bilhões alegados pelos críticos da Petrobras.
Entretanto, se subirmos corrente acima o rio de Heráclito,
chegaremos à conclusão que, em 2006, ano em que foi decidida a compra da
refinaria, o negócio era, sim, muito bom. Com efeito, havia na época um “boom”
do refino nos EUA. As margens de lucro estavam altíssimas, turbinadas por um
consumo doméstico de refinados que chegava a 9,5 milhões de barrias/dia. Muitas
empresas, não apenas a Petrobras, estavam de olho nesse gigantesco e lucrativo
mercado.
Mas não era apenas a perspectiva de grande lucro que
motivava a Petrobras. Em 1999, no governo FHC, a empresa havia traçado uma
estratégia de negócios que colocava o refino de nosso óleo pesado no exterior
como uma das suas prioridades. Na época, ainda não tínhamos o óleo leve do
pré-sal, que é bem mais fácil de processar.
Pasadena, bem situada no corredor de Houston e com uma
capacidade instalada de 100 mil barris/dia, era uma boa aposta para processar o
óleo pesado do pós-sal, principalmente do poço de Marlim, e vender, com lucro
muito alto, os refinados no mercado norte-americano. Com isso, a nossa conta de
petróleo tenderia a ficar superavitária, pois venderíamos refinados, de valor
agregado bem mais alto, no exterior.
E não era apenas Pasadena. Naquele período, impulsionada
pela estratégia traçada no governo tucano, a Petrobras comprou as refinarias de
Baia Blanca, e San Lorenzo, na Argentina, e a refinaria de Okinawa, no Japão.
Observe-se que, de acordo com o sindicato dos petroleiros, em suas transações
com a Repsol, na Argentina, o Brasil entregou 3 bilhões de dólares e recebeu
750 milhões de dólares. Um prejuízo de mais de US$ 2 bilhões, quatro vezes
maior que o de Pasadena. Porém, essa transação desastrosa não merece,
misteriosamente, nenhum comentário da mídia.
No entanto, coerentemente com aquela estratégia traçada no
governo tucano e com as condições do mercado da época, tomou-se a decisão de
comprar Pasadena. Mesmo com as cláusulas Put Option e Marlim, inexplicavelmente
ocultadas do conselho da empresa e explicavelmente inseridas no contrato com a
Astra, já que se destinavam a compensar o fato de que a Petrobras teria efetivo
poder de mando na refinaria, o negócio tinha boas perspectivas de dar certo.
As perspectivas eram muito boas não fosse um detalhe: a
crise internacional, que tomou todo o mundo de surpresa e derrubou, entre
muitas outras coisas, o mercado de refino dos EUA. Assim, o problema essencial
de Pasadena não foram as cláusulas Put Option e Marlim ou eventual ato de
corrupção de diretor da Petrobras, mas a ausência de uma “cláusula Parmênides”,
que assegurasse a imutabilidade das condições da economia mundial.
Caso as condições do mercado de refino tivessem permanecido
semelhantes às de 2006, ninguém estaria hoje falando de Pasadena, a não ser
para elogiar uma decisão estrategicamente acertada. Pasadena já estaria “no
lucro”, a Astra não teria abandonado o negócio e a presença de uma refinaria da
Petrobras nos EUA, mesmo após a descoberta do pré-sal e da mudança da
estratégia da empresa, não seria questionada.
Ante isso, pode-se questionar para que serviria uma CPI que
tem como ponto central o mau negócio de Pasadena? Será que tem alguém beócio o
suficiente para acreditar que a compra de Pasadena e o mau negócio que ela se
tornou resultaram de meros atos de corrupção? É possível que sim, pois reina no
Brasil do denuncismo certo reducionismo moral, que pretende explicar todos os
problemas do país com base na corrupção e no malfeito.
Entre os Azande, povo africano estudado pelo famoso
antropólogo Evans – Pritchard, todos os infortúnios se explicavam pela
bruxaria. No Brasil de hoje, todos os problemas se “explicam” pela corrupção.
Até mesmo um negócio mal sucedido.
Não que atos de corrupção e de má-gestão não possam ter
ocorrido, no caso ou na empresa. Mas atribuir-lhes, de antemão, centralidade é,
no mínimo, um exagero “azandeano”. Além disso, a Petrobras já é objeto de
inquéritos internos e da própria Polícia Federal. Quem tiver de ser punido, que
seja.
Não obstante, essa metafísica da corrupção, quando aplicada
à Petrobras em pleno período eleitoral, talvez esconda interesses mais terrenos
e menos moralizantes.
Em primeiro lugar, há o óbvio interesse em desgastar o
governo Dilma e a candidatura da presidenta, que permanece à frente das
pesquisas. Com seu preciso “timing” eleitoral e sua vaga metafísica, a CPI se
tornaria palco de inúmeras ilações e denúncias, devidamente potencializadas
pelo maior partido de oposição do país.
Em segundo lugar, e menos óbvio, há também o interesse
altruísta de livrar a Petrobras do fardo de ter de explorar o pré-sal. Por
isso, crescem na mídia as matérias e reportagens patrioticamente dedicadas a
mostrar uma Petrobras à beira da falência, ferida de morte por suposta
má-gestão típica de uma estatal assediada pela política. Estratégia antiga e
marota, que deu certo na época das privatizações.
Não comove os altruístas e patriotas o fato da Petrobras,
como bem demonstrou Graça Foster no Senado, ser empresa sólida, com crédito no
mercado, desempenho extraordinário em prospecção, expertise única em águas
ultraprofundas e excepcionais perspectivas de médio e longo prazo, já que
dispõe do pré-sal, enormes megajazidas de óleo leve, num mundo em que há
carência de descobertas de novas jazidas, a não ser as de sujo óleo de xisto.
Talvez aconselhados pelos mesmos gênios que apregoam a volta
das medidas impopulares, de saudosa memória, esses abnegados senhores desejem o
retorno do modelo de concessão, instituído nos tempos de FHC e substituído pelo
modelo de partilha, nos tempos de Lula. Nesse modelo de concessão, as jazidas
passariam a pertencer às empresas que vencem os leilões e a Petrobras ficaria
alijada da exploração conjunta. Exxon, Chevron, Shell, et caterva, agradeceriam
esse gesto de grandeza. A União faria um caixa rápido para ampliar o superávit
primário e a Petrobras acabaria transmutando-se na tão sonhada Petrobax.
É claro que, neste cenário, a Petrobras seria, agora sim,
ferida de morte. A cadeia do petróleo sustentada pela empresa, inclusive a
indústria naval, ressuscitada nos governos Lula e Dilma, também. E a
alavancagem do desenvolvimento nacional e da educação brasileira pelo pré-sal
seria convenientemente esquecida na névoa do denuncismo metafísico.
Assim, a CPI do mau negócio tende a se transformar num mau
negócio para o país.
E não se enganem com as juras de amores à Petrobras por
parte daqueles que pretendem imolá-la no altar das disputas eleitorais e
achincalhá-la no vórtice das ilações e das denúncias vazias. O depoimento de
Graça Fortes no Senado, no qual alguns inquisidores se referiram à empresa como
“abismo moral”, “quitanda” e outras elevadas expressões, é somente uma prévia
do que vem por aí.
Afinal, no caudaloso rio de Heráclito, há coisas que aqui
permanecem tão imutáveis quanto o ser de Parmênides. Duas se destacam: o
entreguismo e a cara de pau.
* Marcelo Zero é formado em Ciências Sociais pela UnB e
assessor legislativo do PT.
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