O escritor e jornalista Bernardo Kucinski, autor do premiado
'K', enxerga uma mobilização em marcha para erradicar o PT da sociedade
brasileira.
por: Saul Leblon
A ideia de que só existe uma coisa a fazer em termos de
política econômica– ‘a coisa certa’—é um daqueles mantras com os quais o
conservadorismo elide as escolhas e conflitos inerentes à luta pelo
desenvolvimento.
O ardil para desautorizar a discussão do que importa
–desenvolvimento para quem, desenvolvimento para o quê e desenvolvimento
como?-- passa pela desqualificação moral do adversário.
A criminalização do agente contamina sua agenda.
O escritor e jornalista Bernardo Kucinski –autor do premiado
‘K’, romance apontado como uma das grandes vozes do ciclo ditatorial
brasileiro-- resgata o termo ‘politicídio’ para expressar o espanto com o que
se passa no país.
Politicídio, grosso modo, é o extermínio de uma comunidade
política.
Kucinski enxerga uma mobilização em marcha para exterminar o
PT da sociedade brasileira, a começar pela sua presença no imaginário da
população.
A aspiração não é nova nas fileiras conservadoras. Em 2005,
já se preconizava livrar o país ‘ dessa raça pelos próximos trinta anos’.
Jorge Bornhausen, autor da frase, reúne credenciais e
determinação para levar adiante seu intento. Hoje ele os exercita na
articulação da campanha de Eduardo Campos e Marina Silva.
A verdadeira novidade é a forma passiva como um pedaço da
própria intelectualidade progressista passou a reagir diante dessa renovada
determinação de exterminar o PT da vida política nacional.
Doze anos de presença do partido no aparelho de Estado, sem
maioria no Congresso, por conta do estilhaçamento intrínseco ao sistema
político , explicam um pedaço do desencanto.
O ex-ministro Franklin Martins, em entrevista nesta página,
resumiu em uma frase a raiz da desilusão: ‘o PT elege o presidente da República
há três eleições e não elege 20% dos deputados federais (...) Se não se
resolver isso, teremos uma crise permanente e o discurso de que o Brasil não
tem mesmo jeito só se fortalecerá’.
Coube a Maria Inês Nassif, em coluna também nesta página
(leia:‘Como um parlamentar adquire poder de chantagem?) debulhar o mecanismo
através do qual o sistema de financiamento de campanha alimenta a chantagem do
Congresso contra o Executivo e delega a “pessoas com tão pouco senso público
credenciais para nomear ministros ou diretores de estatais”.
O politicídio contra o PT faz o resto ao descarregar nos
erros do partido –que não são poucos-- a tragédia da democracia brasileira.
Uma inestimável contribuição à chacina foi providenciada
pelas togas do STF ao sancionarem uma leitura rasa, indigente, das distorções
implícitas à construção de maiorias parlamentares na esfera federal.
Espetar no coração do ex-ministro José Dirceu a indevida
paternidade --‘chefe de quadrilha’-- pela teia que restringe a soberania do
voto é o ponto alto da asfixia do esclarecimento pelo politicídio contra o PT.
O passo seguinte do roteiro conservador é estender a
desqualificação do partido aos resultados do governo Dilma na economia.
A transfusão é indispensável para emprestar aromas de
pertinência –‘fazer a coisa certa’-- ao lacto purga que o PSDB tem para
oferecer às urnas de outubro: retomar aquilo que iniciou nos anos 90, o
desmonte completo do Estado brasileiro.
A prostração de uma parte da intelectualidade progressista
diante dessa manobra subtrai da sociedade uma de suas importantes sirenes de
alerta quando a tempestade congestiona o horizonte.
Por trás das ideias, melhor dizendo, à frente delas,
caminham os interesses.
Cortar a ‘gastança’, por exemplo, é a marca-fantasia que
reveste a intenção de destroçar o pouco da capacidade de fazer política pública
restaurada na última década.
Subjacente à panacéia do contracionismo-expansionista
(destruir o Estado para a abrir espaço ao crescimento privado) existe um
peculato histórico.
É justamente ele que está na origem de boa parte dos
impasses enfrentados pelo desenvolvimento brasileiro nos dias que correm.
O principal déficit do país não é propriamente de natureza
fiscal, como querem os contracionistas, mas um déficit de capacidade de
coordenação do Estado sobre os mercados.
As empresas estatais, cujos projetos e orçamentos,
permitiram durante décadas manter a taxa de investimento nacional acima dos
22%, em media, contra algo em torno de 18% atualmente, perderam o papel que
desempenharam até a crise da dívida externa nos anos 80, como ferramenta
indutora da economia.
Nos anos 90, o governo do PSDB promoveu sua liquidação.
Sem elas não há política keynesiana capaz de tanger o
mercado a sair da morbidez rentista para o campo aberto do investimento
produtivo.
Sobretudo, não há estabilidade de horizonte econômico que
garanta a continuidade dos investimentos de longo prazo, aqueles que atravessam
e modulam os picos de bonança e os ciclos de baixa.
O que sobra são espasmos e apelos bem intencionados,
fornidos de concessões de crédito e renúncias fiscais, frequentemente
respondidos de forma decepcionante por uma classe dominante que se comporta,
toda ela, como capital estrangeiro dissociado do país.
Não há contradição em se ter equilíbrio em gastos correntes
e uma carteira pesada de investimentos públicos, como faz a Petrobrás, que deve
investir quase US$ 237 bilhões até 2017.
A cota de contribuição da estatal para mitigar as pressões
inflacionárias decorrentes de choques externos --vender gasolina e diesel 20%
abaixo do preço importado—não a impediu de fechar 2013 como a petroleira que
mais investe no mundo: mais de US$ 40 bilhões/ano, o dobro da média mundial do
setor, o que a tornou campeã mundial no decisivo quesito da prospecção de novas
reservas.
O conjunto explica o interesse conservador em destruir esse
incomodo paradigma de eficiência estatal, antes que ele faça do pré-sal uma
alavanca industrializante demolidora das teses dos livres mercados.
À falta de novas Petrobras –elas não nascem em gabinetes,
mas nas ruas-- a coerência macroeconômica do desenvolvimento terá que ser
buscada em um aprofundamento da democracia participativa no país.
A chegada do PT ao governo em plena era da supremacia das
finanças desreguladas, deixou ao partido a tarefa de fazer da justiça social a
nova fronteira da soberania no século XXI.
Essa compreensão renovada da âncora do desenvolvimento
orientou prioridades, destinou crédito, criou demandas, gerou aspirações e
alimenta as expectativas de uma fatia da população que compõe 53% do mercado de
consumo do país.
Ficou muito difícil governar o Brasil em confronto com esse
novo protagonista.
Daí o empenho em desqualificar seu criador.
E em desacreditar suas políticas e lideranças diante da
criatura.
É o politicídio em marcha.
Se a construção de uma democracia social for entendida pelo
PT –e pelos intelectuais progressistas que ora se dissociam de sua sorte-- como
a derradeira chance de renovar o desenvolvimento e a sociedade, ficará muito
difícil para o conservadorismo levar a cabo o politicídio.
A menos que queira transformá-lo em um democídio: um governo
contra toda a nação.
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