Por Hylda Cavalcanti, na Rede Brasil Atual:
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro
Joaquim Barbosa, iniciou a sessão desta quinta-feira (29) sorrindo, mas sem
conseguir disfarçar o nervosismo para anunciar o que todos já sabiam e
esperavam. Ele confirmou oficialmente que vai sair da presidência e deixar o
tribunal - onde poderia ficar por mais onze anos - no início de junho. Alegou
que os motivos são “de ordem pessoal”. “Me afastarei do serviço público após 41
anos. Quero agradecer e dizer que tive a felicidade de compor esta Corte no seu
momento mais fecundo, de maior criatividade e importância no cenário político”,
colocou. Como também era esperado, o anúncio não teve a saudação comum, seguida
de reverências por parte dos demais ministros.
Tido como o mais polêmico dos presidentes do STF, ele só
contou com os pronunciamentos de Marco Aurélio de Mello e do procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, para comentar a decisão. Escalado antecipadamente
para falar, de forma estratégica diante da antipatia dos colegas por Barbosa,
Marco Aurélio adotou tom lacônico. Nada de elogios, nada de dizer que o colega
fará falta. “Meu sentimento pessoal, e sei que é compartilhado por todos, é que
a cadeira do Supremo tem uma envergadura maior. Somos 11 pronunciando-se sobre
a eficácia das leis e, por isso, é importante uma estabilização na composição
do tribunal, mas, por outro lado, a saída espontânea é direito de cada um”,
afirmou.
Mello lembrou a chegada do ministro ao STF, em 2003, e
destacou a relatoria da Ação Penal 470. “Foi importantíssima para o país”,
acentuou. Mas fez questão de passar um recado velado ao frisar que a AP foi
julgada por todos os ministros, e não apenas Barbosa, que acabou centralizando
decisões sobre os condenados nos últimos meses e bateu boca com colegas que
discordaram de suas posições. “Com esse julgamento, o STF provou que o processo
em si não tem cara e uma lei é uma lei para todos. A ação não foi julgada pelo
presidente nem pelo relator, e sim pelo colegiado deste tribunal”, comentou, ao
mencionar que agradecia a atuação dele no julgamento “até mesmo em função do
seu estado de saúde”, numa referência ao problema crônico na coluna que acomete
o ministro há anos.
Também manifestando-se com brevidade, Rodrigo Janot lembrou
o ano de 1984, quando tomou posse no Ministério Público Federal ao lado de
Barbosa e do também ministro Gilmar Mendes.
Surpresa do dia
Acostumado a surpreender em várias decisões, o ministro
movimentou a manhã no Congresso Nacional e nos órgãos do Judiciário depois da
divulgação do teor de conversa com o presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL), em clima de despedida. Contudo, sua saída teve como surpresa apenas
o dia escolhido, já que era dada como certa desde o início da semana entre os
ministros do STF.
“Aguardávamos que fosse anunciada no início do recesso, no
mais tardar. Não hoje exatamente, mas era esperada”, confirmou um dos
ministros, acrescentando que o clima tenso existente na mais alta Corte do país
passou a ficar mais apimentado depois da revogação da autorização para que os
condenados na AP-470 a regime semiaberto pudessem trabalhar.
Barbosa teria comentado a intenção com pessoas próximas e
vinha se queixando que estava sem estímulo para presidir as sessões até o final
da gestão como presidente, que acaba em setembro. Porém o que teria levado à
antecipação foram as críticas cada vez mais fortes à sua conduta por parte dos
próprios colegas (só Marco Aurélio defendeu a decisão de revogar a autorização
de trabalho na AP-470) e associações de magistrados e advogados.
Outra versão é de que o ministro teria analisado o momento
como o mais propício para a saída. “Deixando o STF, agora ele fica como vítima.
Muitas pessoas vão dizer que foi um herói que lutou para prender os corruptos e
saiu porque não conseguiu. Ele sabe jogar muito bem para a plateia e calculou o
período como ideal”, enfatizou um ministro do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), para quem as próximas eleições devem contar com a participação de
Barbosa não como candidato, mas dando declarações e apoio a algum dos presidenciáveis
– a mesma visão defendida por um colega de STF.
'Saída precoce'
No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde estão vários dos
principais assessores de Joaquim Barbosa, que também é presidente do órgão, o
clima era de novidade. Muitos conselheiros chegaram até a ligar para os
gabinetes e a secretaria geral para perguntar se era verdade. “Não esperávamos.
Foi uma saída precoce, em razão dos trabalhos que estão sendo realizados, mas
esperamos dar continuidade aos projetos”, destacou o conselheiro Gilberto
Valente Martins.
Criado para ser o órgão de controle do Judiciário
brasileiro, o CNJ viveu momentos de divisão durante a presidência de Barbosa.
Um dos principais motivos disso diz respeito ao programa de mutirões
carcerários, que acompanha a execução criminal no país, as decisões dos juízes
e percorre os presídios para ver como são cumpridas as sentenças.
A decisão do ministro a respeito do trabalho para os
condenados ao regime semiaberto e a interpretação que deu à Lei de Execução
Penal, principalmente no caso do ex-ministro José Dirceu, foi totalmente
contrária ao que vinha sendo defendido pelo conselho desde a sua existência e
causou desconforto entre conselheiros e juízes auxiliares.
Terceira renúncia
Joaquim Barbosa, com o anúncio, passa a registrar, assim, a
terceira renúncia a um cargo público. Inicialmente, em 2003, renunciou ao
Ministério Público Federal para ser empossado como ministro do STF. Em 2009,
renunciou ao cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em razão
de problemas de saúde. “Parece ser mais uma característica de sua personalidade
turbulenta”, comentou um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ao longo da passagem pelo STF, o ministro colecionou
desafetos. Chamou, durante uma briga no cafezinho, o então colega Eros Grau,
hoje aposentado, de “velho caquético”. Também disse ao ministro Gilmar Mendes,
quando presidente do tribunal, para “ir às ruas e ver o que o povo estava
achando”, depois de afirmar que ao falar com o plenário, Mendes não estava falando
“com seus capangas do Mato Grosso”.
Por fim, travou sérios embates com o ministro Ricardo
Lewandowski, que o sucederá na presidência, durante a AP-470, muitas vezes com
atitudes que levaram outros ministros a defenderem Ricardo Lewandowski.
Num dos casos mais conhecidos, acusou o colegiado de fazer
chicana durante o julgamento dos embargos infringentes à AP 470 (que no jargão
jurídico significa tentar atrasar o julgamento). Além disso, destratou
jornalistas e chegou a mandar um repórter “chafurdar no lixo” as informações
que queria.
A atuação de Joaquim Barbosa foi tão combatida que levou o
ministro Cesar Peluzo, que tinha por hábito repetir a frase de que um
magistrado deveria limitar-se a falar apenas pelos autos a quebrar a própria
regra e, durante a última entrevista antes da aposentadoria, em 2012, declarar
que ele não se sairia bem como presidente do tribunal por ser “um recalcado”.
Nesta manhã, a maioria dos críticos de Barbosa preferiu o
silêncio. Nos ministérios e em alguns gabinetes dos tribunais superiores, no
entanto, a saída foi comemorada com uma frase repetida inúmeras vezes ao longo
do dia: “que venha a era Lewandowski”, em referência à postura e ao
temperamento diferente do ministro que o substituirá.
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