“A elite brasileira comprou o livro de Piketty, O Capital no
Século 21. Não gostou. Achou que era sobre dinheiro, mas o principal assunto é
a desigualdade”
O Conversa Afiada reproduz excelente artigo de Antonio
Lassance, da Carta Maior:
Como pensa a elite brasileira
A elite brasileira comprou o livro de Piketty, O Capital no
Século 21. Não gostou. Achou que era sobre dinheiro, mas o principal assunto é
a desigualdade.
A elite brasileira é engraçada. Gosta de ser elite, de
mostrar que é elite, de viver como elite, mas detesta ser chamada de elite,
principalmente quando associada a alguma mazela social. Afinal, mazela social,
para a elite, é coisa de pobre.
A elite gosta de criticar e xingar tudo e todos. Chama isso
de liberdade de expressão. Mas não gosta de ser criticada. Aí vira perseguição.
Quando a elite esculhamba o país, é porque ela é moderna e
quer o melhor para todos nós. Quando alguém esculhamba a elite, é porque quer
nos transformar em uma Cuba, ou numa Venezuela, dois países que a elite conhece
muito bem, embora não saiba exatamente onde ficam.
Ideia de elite é chamada de opinião. Ideia contra a elite é
chamada de ideologia.
A elite usa roupas, carros e relógios caros. Tem jatinho e
helicóptero. Tem aeroporto particular, às vezes, pago com dinheiro público –
para economizar um pouquinho, pois a vida não anda fácil para ninguém.
A elite gosta de mostrar que tem classe e que os outros são
sem classe.
Mas, quando alguém reclama da elite por ser esnobe,
preconceituosa e excludente, é acusado de incitar a luta de classes.
Elite mora em bairro chique, limpinho e cheiroso, mas gosta
de acusar os outros de quererem dividir o país entre ricos e pobres.
O negócio da elite não é dividir, é multiplicar.
A elite é magnânima. Até dá aulas de como ter classe. Diz que,
para ser da elite, tem que pensar como elite.
Tem gente que acredita. Não sabe que o principal atributo da
elite é o dinheiro. O resto é detalhe.
A elite reclama dos impostos, mesmo dos que ela não paga.
Seu jatinho, seu helicóptero, seu iate e seu jet ski não pagam IPVA, mesmo
sendo veículos automotores.
Mas a elite, em homenagem aos mais pobres e à classe média,
que pagam muito mais imposto do que ela, mantém um grande painel luminoso, o
impostômetro, em várias cidades do país.
A elite diz que é contra a corrupção, mas é ela quem
financia a campanha do corrupto.
Quando dá problema, finge que não tem nada a ver com a coisa e reclama que “ninguém” vai para a
cadeia. “Ninguém” é o apelido que a elite usa para designar o pessoal que lota
as cadeias.
A elite não gosta do Bolsa Família, pois não é feita pela
Louis Vuitton.
A elite diz que conceder benefícios aos mais pobres não é
direito, é esmola, uma coisa que deixa as pessoas preguiçosas, vagabundas.
Como num passe de mágica, quando a elite recebe recursos
governamentais ou isenções fiscais, a esmola se transforma em incentivo
produtivo para o Brasil crescer.
A elite gosta de levar vantagem em tudo. Chama isso de
visão. Quando não é da elite, levar vantagem é Lei de Gérson ou jeitinho.
Pagar salário de servidor público e os custos da escola e do
hospital é gasto público. Pagar muito mais em juros altos ao sistema financeiro
é “responsabilidade fiscal”.
Quando um governo mexe no cálculo do dinheiro que é
reservado a pagar juros, é acusado de ser leniente com as contas públicas e de
fazer “contabilidade criativa”.
Quando o governo da elite, décadas atrás, decidiu fazer
contabilidade criativa, gastando menos com educação e saúde do que a
Constituição determinava, deram a isso o pomposo nome de “Desvinculação das
Receitas da União” - inventaram até uma
sigla (DRU), para ficar mais nebuloso e mais chique.
A elite bebe água mineral Perrier. Os sem classe se viram
bebendo água do volume morto do Cantareira.
A elite gosta de passear e do direito de ir e vir, mas acha
que rolezinho no seu shopping particular é problema grave de segurança pública.
A elite comprou o livro de um francês, um tal Piketty,
intitulado “O Capital no Século 21″. Não gostou. Achou que era só sobre
dinheiro, até descobrir que o principal assunto era a desigualdade.
A pior parte do livro é aquela que mostra que as 85 pessoas
mais ricas do mundo controlam uma riqueza equivalente à da metade da população
mundial. Ou seja, 85 bacanas têm o dinheiro que 3,5 bilhões de pessoas
precisariam desembolsar para conseguir juntar.
A elite não gostou da brincadeira de que essas 85 pessoas
mais ricas do mundo caberiam em um daqueles ônibus londrinos de dois andares.
Discordou peremptoriamente e por uma razão muito simples:
elite não anda de ônibus, nem se for no andar de cima.
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