Em texto que retrata a influência de líderes religiosos,
como Silas Malafaia, na política brasileira e na postura da candidata a
presidente da República Marina Silva (PSB), Saul Leblon, de Carta Capital,
prega que a presidente Dilma Rousseff e o PT enxerguem que, em eventual segundo
mantado da presidente, requererá "um chefe de Casa Civil dotado ao mesmo
tempo de inexcedível sintonia com a Presidenta Dilma , e de incontrastável
representatividade popular. Essa referência existe. Seu nome é Lula"
31 de Agosto de 2014 às 15:00
247 - Em texto que retrata a influência de líderes
religiosos, como Silas Malafaia, na política brasileira e na postura da
candidata a presidente da República Marina Silva (PSB), Saul Leblon, de Carta
Capital, expõe a proximidade e o conservadorismo dos de direita com os
princípios religiosos e exemplifica ainda a campanha de José Serra (PSDB) para
a Prefeitura de São Paulo em 2012. Saul vê os mesmos vícios de Malafaia, de
Marco Feliciano (PSC) e cia. encampados na figura de Marina.
Por fim, o editorialista de Carta Capital prega que Dilma e
o PT enxerguem que, em eventual segundo mantado da presidente, requererá
"um chefe de Casa Civil dotado ao mesmo tempo de inexcedível sintonia com
a Presidenta Dilma , e de incontrastável representatividade popular. Essa
referência existe; já funciona de fato como líder político do campo
progressista; deveria ser oficializado desde já na nova estrutura de um segundo
governo Dilma. Seu nome é Lula".
Leia abaixo a íntegra do editorial de Saul Leblon.
Ousar e vencer ou entregar o Brasil aos mercados
passivamente?
Silas Malafaia, pastor e radialista evangélico, de larga
audiência no Rio de Janeiro, é um símbolo exclamativo daquilo que se
convenciona chamar um estereótipo.
Certas características nele são tão acentuadas que mais se
assemelha a um personagem de desenho animado.
Mas Malafaia é de verdade.
E personifica um dos mais buliçosos marcadores do extremismo
conservador nos ciclos eleitorais brasileiros.
Malafaia é velho conhecido no ramo do palanque de rebanho.
Com a retórica adestrada na radiofonia da fé, o pastor
evangélico se notabiliza como uma ferramenta implacável no exorcismo de gays e
lésbicas; na condenação do aborto e da educação sexual; na demonização de
petistas, esquerdistas e libertários em geral.
Não necessariamente nessa ordem, mas com essa vivacidade.
Sempre em nome da pureza da sociedade, dos costumes e do que mais se engata a
esse comboio.
Em 2012, já descendo a ladeira do seu moderado escrúpulo, na
largada do 2º turno em São Paulo quando foi derrotado por Fernando Haddad,
Serra importou o animador cirúrgico para reforçar a musculatura na hora do vale
tudo na disputa.
Silas Malafaia desembarcou na cidade festejado então em
manchete graúda do caderno de política da'Folha de SP', em 10/10/2012.
Assim:
"Líder evangélico diz que vai 'arrebentar' candidato
petista -- Silas Malafaia afirma que Haddad apoia ativistas gay".
Em entrevista ao diário dos Frias, de imoderados pendores
tucanos, o bispo disse que Serra agradeceu o apoio recebido no primeiro turno,
quando fez um vídeo em que pedia votos ao candidato do PSDB e ligava Haddad ao
'kit anti-homofobia'.
Carimbado de "kit gay" pelos evangélicos, o
material consistia de uma cartilha contra a homofobia encomendada pelo
Ministério da Educação em 2011, para ser distribuída nas escolas na gestão
Haddad.
A pressão da mídia e evangélicos obrigou o governo a recuar.
"O Haddad já está marcado pelos evangélicos como o candidato do 'kit gay'.
Não vamos dar moleza a ele", fuzilou Malafaia, após o encontro com Serra.
Arrebentar a tolerância, de um lado, para resgatar o voto da
'pureza' de outro; esse, o fundamento regressivo representado pela restauração
do filtro religioso na política.
A especialidade de Silas Malafaia está prestes a ser
direcionado agora no apoio à candidata do PSB.
O bispo anunciou que apoiará Marina Silva no provável 2º
turno das eleições presidenciais deste ano, embora a tenha trocado por Serra,
em 2010, quando Marina sugeriu um plebiscito sobre o aborto.
Malafaia é um estereótipo.
Como qualquer marcador, cola onde encontra aderência.
A adesão a Marina foi revelada em blog de uma revista
semanal, ela também um marcador sanguíneo dos pecados incluídos na lista de
Malafaia.
No 1º escrutínio, 'para marcar posição', informa a revista,
o voto do influente bispo terá outro dono: o pastor e presidenciável Everaldo,
do PSC, -como ele e Marina, também da Assembleia de Deus, e cujo bordão eleitoral
é 'vou privatizar tudo'.
Na decisão para valer, Malafaia vai de Marina.
Outro conhecido político e pastor evangélico, o deputado
federal Marco Feliciano (PSC), envolvido recentemente em acusações de homofobia
e rompido com o governo pela falta de solidariedade dos petistas, anuncia a
mesma dobradinha.
Porém, com uma ênfase mais representativa dos dias que
correm: 'no segundo turno, qualquer um, menos o PT', proclama Feliciano.
O bordão é o mesmo empunhado pelos operadores de outra
confissão de fé arrebatada: a do mercado financeiro, que aspira à multiplicação
bíblica do pão e do peixe na forma dinheiro.
O vertedouro desse sortido aluvião de intolerância e cobiça
é a proposta de higienizar 'a velha política', apresentada ora como uma
instância devassa de uma sociedade pia; ora como uma interferência suja na
pureza lógica do maquinismo rentista.
A purgação desses pecados uiva na fogueira programática mais
festejada da praça nesse momento. Das labaredas emana o espírito santo de um
Banco Central autônomo ; de um mercado financeiro independente e de um
moralismo a salvo dos incréus.
Todos abrigados da ingerência do Estado belzebu e das
liberdades democráticas e individuais.
O tucano Aécio Neves, no debate da Bandeirantes, ao criticar
Marina Silva, que se autonomeia a semente dessa 'nova política' (a limpa),
acabou na verdade reiterando a falsa disjuntiva.
Aécio trocou a dualidade higiênica de Malafaia e
assemelhados pelo maniqueísmo da 'boa e a má política'.
Boa política para o candidato do PSDB era a política de
Tancredo ...Naturalmente não a de Vargas, não a de Morales, não a de Chávez,
não a de Lula.
A ideia de uma salubridade externa à história que deve ser
tomada como referência limpa e boa na construção da sociedade é um daqueles
mantras aos quais se agarram os interesses dominantes de todos os tempos.
Pode assumir a forma de uma religião (leia o indispensável
artigo de Katarina Peixoto; nesta pág). Ou a da judicialização da 'velha e má'
política. Ou ainda encarnar no monopólio de um dispositivo midiático que se
avoca a prerrogativa de um Bonaparte, a emitir interditos e sanções em defesa
dos interesses que nomeia como 'a ordem'.
O mercadismo rentista, o fanatismo religioso, assim como o
barbosismo togado ou o bonnerismo midiático sempre tiveram dificuldade em se
expressar através de um palanque unitário que emprestasse carisma a um credo
excludente em seus próprios termos.
Agora parece que não mais, graças à ascensão desse
super-bonder chamado 'nova política'.
Trata-se de um retrofit da desgastada terceira via.
Retro, do latim "movimentar-se para trás" e fit do
inglês, adaptação, ajuste.
O termo emprestado da arquitetura adequa-se à descrição da
candidatura sensação nesse momento que os mais entusiasmados, a partir de dados
do Datafolha, enxergam em escalada irreversível rumo a Brasília.
O retrofit é recomendável quando um edifício chega ao fim de
sua vida útil, oferecendo-se como opção para corrigir o desgaste e a decadência
do longo tempo de uso, todavia sem alterar seus alicerces e estruturas de
sustentação.
É mais barato e funcional.
No caso da política, o retrofit consiste em vender como novo
a velho ardil conservador que evoca uma ordem natural naquilo que cabe ao
conflito democrático resolver: ou seja, as escolhas inerentes à luta pelo
desenvolvimento da economia e da sociedade.
Objetivamente, a candidatura Marina Silva é um retrofit do
neoliberalismo e da terceira via.
Não qualquer retrofit , mas o estuário do higienismo
político diuturnamente inoculado no imaginário brasileiro pelo intercurso de
mídia, togas e elites nos últimos anos.
O desafio de vida ou morte do campo progressista nesse
momento é restaurar a transparência dos dois campos em confronto na sociedade
brasileira, dissimulados sob o xale da 'nova política'.
O calcanhar de aquiles do retrofit conservador é o antagonismo
entre a maquiagem da fachada e de alguns equipamentos e a rigidez dos pilares e
colunas estruturais.
Num edifício isso é contornável com algum jogo de decoração.
Numa sociedade pode ser insuportável.
A participação soberana e democrática da população nas
decisões sobre o desenvolvimento frequentemente evoca mudanças que colidem com
as velhas estruturas que a 'nova política' visa preservar.
Marina Silva afirma apoiar o decreto de Dilma, demonizado
pela elite que a festeja, da Política Nacional de Participação Social.
Como, porém, se a mesma Marina defende, por exemplo, a
independência sagrada do Banco Central em relação à democracia e ao governo?
Como, se terceiriza aos operadores do mercado a hegemonia
plena sobre a fixação de um dos principais preços da economia: a taxa de juros?
(Leia esclarecedor artigo de Paulo Kliass sobre esse tema; nesta pág).
Marina e seus formuladores defendem a mesma autonomia em
relação a outro preço estratégico: o câmbio, que segundo eles, deve flutuar
livremente. E abjuram, em relação ao salários (o terceiro preço decisivo no
capitalismo) , a política de valorização do salário mínimo adotada pelos
governos petistas –da qual Dilma avisa que não abdicará.
É justo perguntar: assim encapsulada a economia nas mãos do
mercado, o que sobra então à participação social endossada por Marina Silva?
O Brasil, desde 2003 –com todas as limitações e contradições
intrínsecas a um governo de base heterogênea-- tem figurado aos olhos do mundo
como uma da estacas de resistência à retroescavadeira ortodoxa que demole e
tritura direitos sociais e soberania econômica urbi et orbi.
Essa resistência criou um dos maiores mercados de massa do
mundo numa demografia de 202 milhões de habitantes.
Não há dúvida de que isso se fez às custas de afrontar a
lógica de uma globalização financeira cujo colapso apenas acentuou sua natureza
intrinsicamente excludente.
O assoalho macroeconômico brasileiro range e ruge sob o peso
da inadequação entre a emergência desse protagonista de massa, que constitui a
nova força motriz da economia, e estruturas pensadas para atender a 1/3 da
população mais rica.
A solução da 'nova política' é reconduzir a agenda do
desenvolvimento aos fundamentos estritos de sua autorregulação pelas forças dos
mercados globais.
Higienizar 'a sujeira' do intervencionismo em todas as
frentes.
Com as consequências sociais sabidas. E a dose de repressão
necessária que faz do endosso de Marina à participação social pouco mais que um
retrofit na palavra simulacro.
Não é uma acusação eleitoreira; é uma operação em marcha
promovido por massas de forças ferozes.
Curto e grosso: está em jogo colocar o Estado esfericamente
na mira dos jagunços de gravata de seda italiana e Rolex, dos quais Neca do
Itaú é só a face elegante, para que façam o serviço sangrento.
Sobrepor o interesse privado aos da sociedade implica
capturar o sistema democrático integralmente para o mesmo fim.
É uma operação de potencial lucrativo tão elevado que ao
mercado compensa tolerar o xale dissipador de Marina Silva –desde que o
bangue-bangue da faxina econômica esteja liberado às mãos e bicos que dão conta
do serviço.
Não é só uma sucessão presidencial, portanto.
Estamos diante de um divisor histórico do desenvolvimento
brasileiro.
Ao aluvião de malafaias, rentistas e bem intencionados
--seduzidos estes pelo glamour da 'nova política', não basta contrapor o
exaustivo balancete publicitário do que se conquistou nestes últimos 12 anos.
É importante, mas não é suficiente.
É forçoso contrapor à 'nova política' aquilo que a desnuda e
afronta.
É urgente dizer pelo que se luta e contra quem se trava a
batalha dos próximos dias e noites.
Essa é uma batalha entre a democracia social e as forças
regressivas do galeão malafaico-rentista.
É preciso escancarar a contradição entre o retrofit
messiânico e as estruturas calcificadas que ele maquia.
Contrapor , enfim, ao galope conservador um salto efetivo da
democracia participativa em um novo governo Dilma.
Tornar esse salto palpável aos olhos da população requer um
símbolo de magnetismo equivalente às tarefas que essa agenda encerra em termos
de negociação de pactos, metas, concessões, salvaguardas e organização.
Um novo governo estruturado em torno dessa renegociação do
desenvolvimento requer um chefe de Casa Civil dotado ao mesmo tempo de
inexcedível sintonia com a Presidenta Dilma , e de incontrastável
representatividade popular.
Essa referência existe; já funciona de fato como líder
político do campo progressista; deveria ser oficializado desde já na nova
estrutura de um segundo governo Dilma.
Seu nome é Lula.
0 comentários :
Postar um comentário