Por Darío Pignotti, no site Carta Maior:
“Os estrategistas dos Estados Unidos seguramente estão de
acordo com as diretrizes da política externa defendida pela candidata Marina
Silva. Se ela for eleita, será a vitória de um modelo diplomático similar ao
que tivemos nos anos 90”, declarou à Carta Maior o embaixador Samuel Pinheiro
Guimarães, ex-secretário-geral do Itamaraty no governo de Luiz Inácio Lula da
Silva.
Junto do ex-chanceler Celso Amorim e do assessor Marco
Aurélio Garcia, Pinheiro Guimarães integrou a troika responsável por planejar
de diplomacia com sotaque nas relações Sul-Sul aplicada entre 2003 e 2010.
Premissas que “tiveram continuidade a partir de 2011 durante o mandato da
presidenta Dilma Rousseff, que adotou medidas muito corretas sobre o Mercosul e
contra a Inteligência norte-americana no escândalo da NSA, e resistiu às
pressões para a compra de aviões de guerra norte-americanos”, afirmou Pinheiro
Guimarães.
No programa de governo apresentado uma semana atrás por
Marina, foram formuladas propostas em alguns casos antagônicas às dos governos
de Dilma e Lula, além de formular críticas enredadas ao que define como uma
diplomacia “ideologizada” e “partidarizada” durante as três gestões petistas.
Embaixador, estamos diante do risco de serem restaurados
princípios diplomáticos que dominaram a segunda metade dos anos 90?
Considero que a candidata Marina Silva encarne a anulação do
progresso conquistado nestes 12 anos. Ela e os setores que representa buscam
outro modelo de inserção internacional. Um pensamento que se traduz no
propósito de enfraquecer o Mercosul com o pretexto de torná-lo aberto ao mundo.
Será o fim de qualquer aspiração de uma diplomacia
independente?
Até agora, a única vez que escutei Marina falar de
independência foi para mencionar a independência do Banco Central (risos).
Washington aposta em Marina ou Aécio?
Não estou em Washington para dizer o que pensam. Agora, há
interesses dos Estados Unidos que foram prejudicados durante os governos de
Lula e Dilma, e é claro que o candidato de que mais gostavam era o Aécio.
A Embaixada norte-americana adotou um perfil muito discreto
nas eleições, mas isso não deve se confundir com o fato de estarem alheios ao
que acontece. Quando o Aécio fica fora do jogo, os Estados Unidos se inclinam
para a Marina, por pragmatismo e porque ela representa o oposto ao PT. Além
disso, é alguém sem quadros próprios e, segundo dizem, tem bons contatos nos
Estados Unidos, e que demonstrou estar aberta para desmontar o Estado, reduzir
sua capacidade e autonomia internacional. Interessa aos Estados Unidos que o
Mercosul sejam desmontado e que projetos da era tucana sejam retomados, não nos
enganemos: nestas eleições, está em jogo a retomada do processo privatizador,
parcial ou total, da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.
Como a Marina implementaria esse desmantelamento do
Mercosul?
Avalio que possa começar com a eliminação da cláusula que
obriga os países do Mercosul a negociar conjuntamente acordos de livre comércio
com outros blocos. Este ponto, que até agora não conseguiram derrubar, é uma
cláusula que vem desde o Tratado de Assunção (assinado em 1991, na formação do
Mercosul).
E depois de terminada esta limitação, o que aconteceria?
Uma vez eliminada essa cláusula, o caminho estará aberto
para a assinatura de acordos do Brasil com a União Europeia, sem a participação
dos outros quatro integrantes do Mercosul. Mas se a cláusula continuar em pé,
seria igualmente perigoso um pacto entre todo o Mercosul e a União Europeia. E
essa negociação, que já se iniciou mas avança lentamente, provavelmente será
acelerada durante o governo de Marina.
Quais consequências um acordo com a UE traria?
Muitas, uma delas é a redução considerável das tarifas [de
importações] industriais europeias afetando nossas fábricas. Defendo faz tempo
que esta aproximação, que agrada os economistas da Marina, é o passo inicial
rumo ao fim do Mercosul.
Vou resumir assim: a assinatura de um acordo entre os dois
blocos significará uma extraordinária vantagem para empresas europeias que
poderão exportar para cá sem que cobremos taxas, enquanto não haverá grandes
benefícios para os exportadores sul-americanos.
E acrescento que se este acordo acontecer, afetará outra
instituição fundamental do Mercosul, que é a Tarifa Externa Comum, fixada para
terceiros países. Se isto acontece, a união aduaneira é pulverizada, qualidade
central do Mercosul. E uma vez que chegarmos à hipotética assinatura do pacto
de livre comércio com os europeus, os Estados Unidos reaparecerão.
De que maneira?
Os meios e os grupos de interesses brasileiros que se
sentirem representados pela Marina só falam de um acordo com a União Europeia
por oportunismo, pela boa imagem dos europeus, que seriam maravilhosos,
educados, que nos abririam as portas do primeiro mundo. Uma retórica para
ocultar que o acordo será prejudicial para nós. Quem quiser saber o que nos
espera com esse acordo que pergunte aos gregos e aos espanhóis como a velha
Europa é tratada.
Agora tudo isso nos leva ao começo desta conversa, que são
os Estados Unidos. Por quê? Porque uma vez assinado o pacto UE-Mercosul, no
outro dia, Washington vai querer igualdade de condições comerciais que europeus
conquistaram, exigindo de nós um acordo de livre comércio. Os Estados Unidos
nunca se esqueceram do espírito da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).
No começo da década passada, FHC sancionou Pinheiro
Guimarães por ter se oposto publicamente à assinatura da ALCA, que seria
enterrada durante a Cúpula das Américas, celebrada em novembro de 2005 no
balneário argentino de Mar del Plata, graças a uma frente formada pelos
presidentes Lula, Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Evo Morales, apoiados por outros
líderes sul-americanos diante de um atônito George Walker Bush e de seu aliado,
o mexicano Vicente Fox, ex-gerente da Coca Cola com um grande bigode.
A tese da ALCA pode ser recriada com outro nome. É possível
que a Marina, FHC e a inteligência neoliberal reciclem o projeto?
Tudo me leva a pensar que o projeto norte-americano de
integração hemisférica comercial, de eliminação de barreiras, de sanção de um
sistema de leis que privilegiam suas multinacionais etc continua em vigor. É
preciso prestar atenção na Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e
Chile).
Entendo que os Estados Unidos se preparem para retomar essa
proposta em caso de a Marina ganhar. Porque suas posições sobre política
externa refletem as aspirações se setores empresariais, de banqueiros e grandes
meios de comunicação que demonstraram certa saudade da dependência colonial.
Com Marina voltaremos ao passado anterior ao encontro de Mar
del Plata?
A candidata parece estar muito aberta a essas ideias. Mas o
interessante é que ela não está sozinha.
No seu entorno, se expressa esse espírito anterior à reunião
de Mar del Plata. Eu me refiro ao professor André Lara Rasende, ao professor
Eduardo Giannetti da Fonseca, à senhora Maria Alice Setúbal (Banco Itaú). Além
disso, me parece natural que depois do primeiro turno (5 de outubro) se somem
outras pessoas com pensamento similar e que hoje estão junto do candidato
Aécio. Estou falando o professor Armínio Fraga, do professor Pedro Malán.
O senhor acredita que, apesar da subida de Dilma, a Marina
será a futura presidenta?
Não, pelo contrário, acredito que, apesar de toda esta
comoção, a presidenta Dilma será reeleita. Acredito que, ao longo destes dois
meses, as ideias da ex-senadora vão ficar em evidência.
Neste caso, quais seriam os objetivos de sua política
externa em um segundo mandato?
Em primeiro lugar, deve-se mencionar que sua política
externa não teve diferenças coma de Lula, apesar de Dilma não ter o mesmo
estilo de fazer política externa. Trabalho para reforçar os BRICS, impulsionou
o banco dos BRICS, foi firme a favor da entrada da Venezuela no Mercosul,
apesar de os Estados Unidos terem manifestado abertamente seu interesse em
substituir o governo venezuelano, postura que encontra eco na grande imprensa
brasileira, no FHC e nos dirigentes tucanos
No segundo mandato, a presidenta deveria ter como objetivo
reduzir a vulnerabilidade externa do país, a dependência de capitais
especulativos para o pagamento da dívida e tudo isto cria um círculo vicioso
que aumenta as taxas de juros. É falso, é um mito que as taxas sobem para
combater a inflação.
Ou seja, as alianças diplomáticas devem continuar, mas são
necessárias mudanças na estratégia econômica internacional?
Sim, e está completo o comentário dizendo que em
um segundo governo a presidenta Dilma terá que trabalhar para diversificar
nosso comércio exterior, para reduzir nossa vulnerabilidade comercial devido ao
crescimento das exportações de produtos primários cujos preços não somos nós
quem decidimos. Quando digo diversificar penso em base para reforçar
exportações industriais porque o Brasil corre o risco de seguir rumo a uma
especialização regressiva na produção agropecuária e mineral, acompanhada de
uma contração do setor industrial, aliada a uma atrofia de sua capacidade
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