Bem medidas as coisas, o ataque de Joaquim Barbosa e Sergio
Moro ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, é um ato que tenta afrontar
a autoridade da presidente Dilma Rousseff.
Não cabe a um juiz, muito menos de primeira instância, nem a
um magistrado aposentado, dizer a presidente da República o que ela deve fazer.
O ministro da Justiça pode, deve e já foi criticado por várias razões. Só não
pode ser judicializado. Nem Joaquim Barbosa nem Sergio Moro podem dar a
impressão aos brasileiros de que tem a atribuição de lhe dar tarefas, definir
funções e estabelecer limites.
A democracia não é uma gritaria irracional de arquibancada,
onde vence quem fala mais grosso. Magistrados falam pelos autos, lembrou Sérgio
Moro, ontem. Lembrou mas curiosamente não cumpriu. Assim como Joaquim Barbosa.
Ele evitava receber advogados quando estava no STF mas agora recomenda aos réus
da Lava Jato que procurem o juiz.
Vivemos sob o regime de divisão de poderes, que devem ser
respeitados em suas diferenças e funcionar em harmonia.
A atuação do ministro da Justiça é extensão legítima da
soberania da presidente, que recebeu do eleitor a incumbência de montar seu
governo e orientar seus atos. A não ser em bailes de carnaval, não se pode
“exigir” da presidente que demita seu ministro, da mesma forma que não se podia
“exigir”, antes, que fosse nomeado. (Exigir, explica o mini-Houaiss, significa
“pedir em tom autoritário, determinar por ordem ou intimação”).
Cardozo não só tem o direito de receber advogados sempre que
julgar necessário. Tem o dever de agir desse modo — toda vez que considerar que
essa decisão pode ser útil para realizar sua obrigação política fundamental,
que é garantir e defender a Constituição, onde vigora a noção de que toda
pessoa é inocente até que se prove o contrário.
Uma recusa pode ser considerada omissão - e isso sim seria
grave, digno de indignação.
Lançar suspeitas sobre um ministro que recebe um advogado é
um exercício primário de linchamento.
Trai o vício típico de quem se acha no direito de acusar sem
provar - o que é lamentável mas não é novo.
O argumento de que advogados devem dirigir-se a juízes e não
a políticos seria apenas ridículo se não fosse, antes de tudo, vergonhoso.
Numa democracia, nenhuma autoridade tem o monopólio da
defesa dos direitos da cidadania, até porque não há garantia de que esteja
sempre a disposta a honrar este dever. Foi um senador conservador de Alagoas,
Teotônio Vilela, quem abriu a porta das cadeias para ouvir os presos políticos
que enfrentavam a tortura da ditadura. Foram familiares, foram advogados, que
se dispuseram a colher relatos de horror e sofrimento. Alguns eram políticos.
Outros, se tornaram.
Mesmo em tribunais superiores, em teoria muito mais
protegidos em suas prerrogativas especiais, a regra era o silencio das togas
encurvadas, da boca fechada. Denuncias de tortura e execução estavam
disponíveis em quantidade, em corajosos depoimentos de réus e testemunhas, mas
ninguém foi investigado por isso. Nenhum processo foi anulado porque um cidadão
fora pendurado no pau-de-arara ou havia sido submetido ao interrogatório com
choques elétricos. Sobraram denúncias, arquivadas cuidadosamente, e só
divulgadas quando nada mais poderia ser feito para localizar e punir os
responsáveis.
Há um outro ponto. Nas últimas semanas, denúncias de abuso
nas delações premiadas e nas prisões preventivas de acusados da Operação Lava
Jato se tornaram frequentes, gerando um ambiente de mal-estar nos meios
jurídicos. Marco Aurélio Mello, um das vozes mais respeitadas do Supremo, já
manifestou seu descontentamento. Celso Bandeira de Mello, um de nossos grandes
advogados, também. O que se assiste é uma tentativa de blindagem: intimida-se
um ministro na tentativa de calar quem poderia falar, paralisar quem poderia
reagir.
Essa é a questão.
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