Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:
Na década de 1990, a era de ouro da privataria em nosso
continente, o Banco Mundial expediu a “orientação” de que a distribuição de
água nos países fosse privatizada para se tornasse “mais eficiente”. O que as
empresas de fato fizeram foi: encarecer a água em até dez vezes e reduzir a
distribuição nos bairros mais pobres.
Alguns dos países que seguiram o “conselho” o fizeram sob
violentos protestos, como a Bolívia, que enfrentou uma Guerra da Água em 2000,
sob a presidência do ex-ditador Hugo Banzer: as multinacionais que passaram a
controlar a água em Cochabamba queriam proibir as pessoas de furar poços ou
mesmo recolher água de chuva, desatando a ira da população. A prefeitura teve
de voltar atrás.
Na última década, quando passaram a ser governados pela
esquerda, vários países que haviam privatizado resolveram reestatizar a água.
Em 2007, o governo Evo Morales nacionalizou a água na Bolívia e defendeu que os
países do Mercosul passassem a considerar os recursos naturais como direito
humano fundamental.
Três anos antes, no governo do antecessor e de novo sucessor
de Pepe Mujica, Tabaré Vázquez, havia sido aprovado, por plebiscito, uma emenda
constitucional que define a água como bem público no Uruguai e que prevê a
participação da sociedade civil na gestão dos recursos hídricos. Os serviços
públicos de abastecimento de água para consumo humano, diz o texto, devem ser
prestados “exclusiva e diretamente por pessoas jurídicas estatais”.
No Brasil, onde inexiste legislação neste sentido, já houve
várias tentativas de privatizar a distribuição de água. Há, aliás, uma
coincidência estranha em curso neste momento. Enquanto São Paulo vive uma crise
hídrica, foi nomeado como secretário de Saneamento e Recursos Hídricos, o
engenheiro civil Benedito Braga, que irá acumular o cargo com a presidência do
Conselho Mundial da Água, órgão ligado ao Banco Mundial e que inclui as maiores
corporações da água no mundo entre seus membros, como as francesas Suez e
Vivendi (leia mais na reportagem da Rede Brasil Atual, aqui).
Parte do esgoto em São Paulo já foi privatizado pelos tucanos
a partir de 1995, quando a Suez (olha ela aí), em consórcio com a brasileira
CBPO, obteve a concessão para operar os serviços de saneamento em Limeira. A
maior concorrente dessas empresas privadas é a própria Sabesp, que é de capital
misto, mas controlada pelo Estado (parte de suas ações são vendidas na Bovespa
e na Bolsa de Nova York). O saneamento foi privatizado em outras cidades do
Brasil, como Niterói e Manaus. Várias tentativas foram barradas na Justiça,
acionada pelos sindicatos da categoria.
Agora, com a seca na Cantareira, as ações da Sabesp sofreram
queda. Não parece o momento ideal para aplicar o surrado discurso de que apenas
a privatização traria “eficiência” à empresa? O que seria, antes de tudo, uma
injustiça, porque todo mundo reconhece a Sabesp como uma empresa eficiente e
que os erros técnicos foram motivados por decisões político-eleitoreiras
tomadas pelo governo Geraldo Alckmin. Sob a ótica privatista, no entanto, seria
perfeito. A combalida Sabesp poderia –maravilha!– ser vendida por menos do que
vale.
O documentário Flow (Fluxo) – Por Amor à Água, de 2008,
mostra como as grandes corporações tomaram conta da água no mundo e
transformaram riqueza natural em commodity. Trata-se de uma indústria de 400
bilhões de dólares atualmente, a terceira maior após o petróleo e a
eletricidade. Especialistas dizem que em 20 anos o negócio da água vai crescer
duas ou três vezes mais que a economia global. Imaginem o interesse dessas
multinacionais sobre as empresas públicas brasileiras, o país com a maior
reserva de água doce do mundo.
Na contramão da eficiência, o filme mostra moradores de
bairros pobres de países africanos tendo que usar um cartão magnético para
poder ter água na torneira. Água pré-paga, já imaginaram? A diretora francesa
Irena Salina revela ainda uma coisa bizarra: como a presença de disruptores
endócrinos na água, principalmente o pesticida Atrazina, está causando
feminização dos peixes. Já foram encontrados rios inteiros apenas com peixes
fêmeas ou intersex nos EUA, no País Basco e na França. A Atrazina é proibida em
diversos países da Europa, inclusive na Suíça, de onde a multinacional Syngenta
exporta para os países que a aceitam.
Muita gente se pergunta: se faz isso com os peixes, que
efeito poderia ter nos seres humanos? A atrazina é amplamente usada na
agricultura brasileira e de lá vai para os nossos rios, que correm para a água
que sai da torneira de nossas casas. Além das mudanças hormonais, a substância
tem sido conectada a tumores de mama, retardamento da puberdade, inflamação da
próstata em animais e a câncer de próstata em humanos.
“Milhares de pessoas vivem sem amor. Mas não sem água”, diz
a frase do poeta W.H. Auden na abertura de Flow. No Dia Mundial da Água,
convido vocês para um mergulho nessa questão da qual depende nosso futuro como
humanidade. Bom filme.
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