Autor: Miguel do Rosário
Além do sucesso das manifestações do dia 13, temos outro
motivo para sentirmos um grande alívio neste sábado.
A CUT, maior central sindical do país, acordou para a vida.
O seu presidente, Vagner Freitas, assume a liderança contra
o golpe que setores políticos querem dar na economia brasileira, quebrando a
indústria naval e o setor de construção civil.
Freitas admite, ainda, que o principal erro do PT foi não
ter apoiado políticas públicas para o fortalecimento de mídias alternativas.
Nada como uma crise política para fazer as pessoas abrirem
seus olhos.
*
VAGNER: ‘O TRABALHADOR JÁ PAGA O PATO DA LAVA JATO’
Depois de levar mais de 40 mil pessoas às ruas, apenas em
São Paulo, e organizar manifestações em defesa da democracia em várias cidades,
o presidente da CUT, Vagner Freitas, afirma que uma das prioridades da central
sindical será defender as empresas brasileiras atingidas pela Operação Lava
Jato, assim como o setor naval; “Estamos assistindo a um atentado contra a
política de conteúdo nacional. Quando você desenvolve um setor como a indústria
naval no País, você gera emprego e conhecimento. Tem coisa mais absurda do que
alguém propor, por conta da Operação Lava Jato, a quebra de todo o setor de
construção no Brasil? Sabe quem vai pagar o pato? Os trabalhadores, que já
estão perdendo o emprego, e não vão estar se empoderando para fazer a disputa
social com a burguesia”, diz ele; nesta entrevista, ele também defende a
reforma política e da democratização da mídia; confira a íntegra
13 DE MARÇO DE 2015 ÀS 21:39
247 – O sindicalista Vagner Freitas, presidente nacional da
Central Única dos Trabalhadores, foi o personagem da semana. À frente de uma
marcha “pelos direitos e contra a direita”, ele reuniu mais de 40 mil pessoas
em São Paulo, numa jornada de protestos que mobilizou trabalhadores em 24
estados brasileiros, em defesa da democracia, mas também contra medidas de
ajuste fiscal anunciadas pelo governo Dilma. Ao 247, ele falou sobre os
desafios do movimento sindical e também sua preocupação com os impactos da
Operação Lava Jato na economia. “O trabalhador já está pagando o pato dessa
crise”, disse ele. Leia, abaixo, a íntegra de sua entrevista:
247 – Quais são os principais desafios do movimento
sindical, num momento em que já surgem sinais de piora nos níveis de emprego?
Vagner Freitas – O movimento sindical é muito impactado pela
conjuntura econômica. Nos últimos doze anos, com a eleição do presidente Lula e
da presidente Dilma, o Brasil viveu um grande ciclo de desenvolvimento, que foi
também favorecido pela ação do movimento sindical. Juntamos duas coisas: um
governo trabalhista, encabeçado por um trabalhador e depois por uma presidente
trabalhista, com sindicatos fazendo seu papel de reivindicar melhorias. Isso
trouxe grandes ganhos. O governo não substitui sindicatos. Ele deve criar uma
situação de equilíbrio para que, na luta de classes, na disputa por espaços
econômicos, o trabalhador cumpra o seu papel. Em 12 anos, tivemos crescimento,
controle da inflação e um governo que aceita diálogo social. Muito diferente do
que acontecia no governo PSDB. No governo FHC, na nossa primeira greve, a dos
petroleiros, o governo colocou o exército na rua. Na nossa primeira greve do
governo Dilma, a dos metalúrgicos do ABC, o poder público entrou como agente de
negociação e solução.
247 – Esse discurso significa que, com Lula e Dilma, o
movimento sindical arrefeceu?
Vagner – Muito pelo contrário. Nos últimos 12 anos, o
trabalhador teve conquistas. O trabalhador com a barriga cheia fica muito mais
satisfeito do que o trabalhador com a barriga vazia. E o essencial é o
trabalhador estar trabalhando, ou seja, empregado. O objetivo da CUT é o
trabalhador feliz, e não desempregado para que o sindicalista esteja feliz
porque xingou o governo. Não é o meu ego que interessa. Não tenho a menor
saudade de ser sindicalista na era FHC. Naquele tempo, nas campanhas salariais,
a gente lutava para, no máximo, empatar.
247 – Mas a coexistência pacífica com os governos atuais não
enfraqueceu o movimento sindical?
Vagner – A CUT ainda é muito forte. O que me dá muita
certeza da nossa força é o modo como a burguesia nos combate. Mas hoje os
jovens têm muitas outras opções de ação política. Existem as ONGs, os
movimentos sociais, a área da comunicação… Quando eu entrei no movimento
sindical, em 1989, havia duas formas de participação política no Brasil. Ou
você militava no movimento sindical, ou na militância partidária. Hoje, o que
me preocupa é a renovação.
247 – É difícil atrair jovens para o sindicalismo?
Vagner – Sim. Temos que ter cuidado para que a faixa etária
dos sindicalistas não seja superior à base que ele representa. No final da
ditadura, ser sindicalista era ‘cult’. Você transitava na burguesia. Hoje,
quando você fala que é sindicalista, é tratado como desocupado. Existe uma
campanha organizada da burguesia para enfraquecer o movimento sindical. Além
disso, há uma hipervalorização do individualismo. Tanto que empregado ou
trabalhador, nas empresas, virou colaborador. Todo o jogo da comunicação visa
criar a percepção de que as conquistas são individuais e não coletivas. É uma
disputa de conceitos. A burguesia aprendeu a combater o sindicalismo de modo
mais eficiente. Hoje, em vez de punir o sindicalista, a empresa tenta
cooptá-lo.
247 – Até o fim do ano passado, o emprego vinha sendo
mantido. Agora, há ameaças a essa situação de pleno emprego. Qual a posição da
CUT sobre o pacote fiscal e o fim da desoneração sobre a folha de pagamento?
Vagner – Nós somos contra e nos posicionamos claramente
contra isso. Nos dois governos Lula e no primeiro da presidenta Dilma, havia um
olhar mais progressista de política econômica. Agora, o discurso, talvez até
pela mudança no Ministério da Fazenda, é o do corte. Eu reconheço, até por ser
bancário, que o momento econômico hoje é mais delicado. Mas nós precisamos
saber quais serão as medidas compensatórias, para os trabalhadores, ao corte e
ao ajuste. Até agora, só vimos aumento de juros, aumento da gasolina, da
energia e fim da desoneração. A nossa preocupação é que o ajuste venha só pelo
ajuste, sem políticas que permitam a volta do crescimento. Se tivermos
estagnação da economia e inflação, o empresário vai tirar o lucro dele do couro
do trabalhador.
247 – O que poderia ser feito para compensar essas medidas?
Vagner – No nosso entendimento, é possível buscar o ajuste,
mas não nas costas do trabalhador. Um exemplo é a proposta de taxação das grandes
fortunas. Com isso, nós concordamos. Também concordamos com o fim do fator
previdenciário, como já colocou o ministro Carlos Gabas. O governo deveria
recriar o Fórum Nacional de Previdência, incluindo trabalhadores, empresários e
Congresso.
247 – Hoje, o Brasil vive uma crise política. De que maneira
ela impacta a economia?
Vagner – Estamos vivendo o terceiro turno. O fato é que a
burguesia brasileira não suporta o fato de termos tido um presidente
metalúrgico eleito e reeleito com grande sucesso, assim como uma mulher,
combatente da ditadura. O Brasil ainda é um país de mentalidade escravocrata. O
PT também paga por isso, por ter feito com que milhões de brasileiros mudassem
de classe social e disputassem espaços antes restritos à burguesia. Você acha
que a patroa suporta estar no mesmo avião que a empregada doméstica?
247 – É a síndrome Danuza Leão, que disse que Paris perdeu a
graça depois que descobriu que seu porteiro havia ido pra lá?
Vagner – A classe média não suporta ver a classe operária ocupar
esses espaços. Hoje, o filho do pedreiro pode virar doutor, tirando uma vaga na
universidade pública de um aluno da classe média. Fomos o último país a abolir
a escravatura. O estado brasileiro sempre foi concentrador de renda. Isso
começou a mudar com Lula e Dilma. Apesar de todos os equívocos, estes são
governos trabalhistas. Mas a revolta da burguesia val além da luta de classes.
247 – Em que aspecto?
Vagner – Ela também não suporta que o Brasil tenha
construído, por exemplo, a aliança dos BRICs e um espaço de integração
econômica, social e política na América do Sul.
247 – Essa crise econômica paralisa o País?
Vagner Freitas – Sim, e paralisa de forma organizada. De
forma pensada. O objetivo é promover a ruptura constitucional, permitindo a
volta do conservadorismo.
247 – Do ponto de vista prático, alguns setores, como a
indústria naval, estão ameaçados.
Vagner – Isso é deliberado. Há um ataque à política de
conteúdo nacional. Querem que o Brasil compre navio e plataforma lá fora, em
vez de produzir aqui. É muito bom pra quem vende. É muito ruim pra gente,
porque o Brasil não gera emprego, nem adquire conhecimento.
247 – Como a CUT avalia o caso da Sete Brasil, que está
parando?
Vagner – É um atentado ao conteúdo nacional. Quando você
desenvolve um setor como a indústria naval no País, você gera emprego e
conhecimento. Como a China faz. Tem coisa mais absurda do que alguém propor,
por conta da Operação Lava Jato, a quebra de todo o setor de construção no
Brasil? Faz sentido impedir que as empresas nacionais possam participar de
concorrências? Sabe quem vai pagar o pato? Os trabalhadores, que já estão
perdendo o emprego, e não vão estar se empoderando para fazer a disputa social
com a burguesia.
247 – O trabalhador já está pagando o pato?
Vagner – Claro, basta ver as demissões. Mas o pior não é
isso. O que eles querem mesmo é inviabilizar a Petrobras. A bandeira contra a
corrupção é a bandeira da CUT, dos movimentos sociais, do PT. Se há corruptos,
que sejam investigados e punidos na forma da lei. Diferente disso é tentar
inviabilizar a Petrobras, que não consegue nem apresentar o seu balanço. Sabe o
que virá depois disso? Aquele discurso. ‘Olha vamos ter que privatizar, a Shell
tá com uma proposta boa…’
247 – Estamos vivendo a maior batalha da nossa geração?
Vagner – Sim, é luta de classes na veia. Por isso que a CUT
se mobilizou para realizar atos em defesa da democracia. Em defesa dos direitos
e contra a direita. Precisamos rechaçar qualquer ameaça de golpismo e de
retrocesso. Nós defendemos nossos direito, mas também os quatro anos de mandato
da presidenta Dilma Rousseff. É por isso que não podemos perder a mão da
economia.
247 – A CUT também tem defendido duas bandeiras, a reforma
política e a democratização da mídia. De que maneira isso afeta o cotidiano do
trabalhador?
Vagner – A comunicação democrática interessa ao trabalhador.
Realizamos marchas dos trabalhadores todos os anos. Levamos, em média, 100 mil
trabalhadores a Brasília, todos os anos, para defender direitos. Se não são
alguns abnegados, o enfoque a imprensa burguesa é o seguinte: ‘manifestantes
atrapalham o trânsito’. O direito à informação é um direito do trabalhador,
para que ele possa formar opinião e ser ouvido. O controle dos meios não é
censura, nem caça às bruxas, mas sim a garantia do direito à diversidade. O
mesmo sujeito não pode ser dono da televisão, do rádio, do jornal, da internet…
de tudo.
247 – E a reforma política? Por que ela é importante para o
trabalhador.
Vagner – Por que se o trabalhador não tiver oportunidade de
fazer política e de ser representado, ele não será ouvido. É preciso ter
direitos iguais para que todo cidadão ou cidadã brasileira possa concorrer a um
cargo público em igualdade de condições. Não é o que acontece hoje, com o
financiamento empresarial de campanha, que é o problema central. Os
empresários, que são os patrões dos trabalhadores, financiam e elegem 70% da
Câmara dos Deputados. Eles sequestram a agenda pública.
247 – O PT não errou ao se aproveitar desse sistema, em vez
de combatê-lo?
Vagner – Sim, os dois grandes erros do PT foram não criar
uma política de comunicação alternativa e não lutar, lá atrás, pelo fim do
financiamento empresarial de campanha.
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