Autor: Fernando Brito
Como é bom que alguns percebam que levar o discurso
político-ideológico às grandes massas do nosso povo, mostrar-lhes em palavas as
razões dos sofrimentos que vivem, faze-las ver qual são os choques e impasses
em que este país vive e que o impedem de ser tão feliz quanto é grande…
O PT, talvez por sua origem na base operária
metalúrgica, muitas vezes desdenhou
deste discurso e desta prática, imaginando que ela brotaria naturalmente, tese
que atingiu seu corolário na esdrúxula tese do “controle remoto” que
desenvolveram para a mídia, repetindo a ideia da “livre escolha” dos
neoliberais, como se esta escolha não fosse livre apenas dentro do conjunto de
uma mídia dominada pelo poder econômico e por nenhum amor ppor um
desenvolvimento libertador e inclusivo para o povo brasileiro.
Este é o tema de mais uma “aula” do velho mestre Mauro
Santayana, no JB, mostrando o que se perdeu e o que mais não se pode perder,
para não cevar tanto aos urubus que eles, além de nós, devorem também um país
transformado em carniça.
O PT, o PSDB e a arte de cevar os urubus
Mauro Santayanna
Se houve um erro recorrente, que pode ser trágico em suas
consequências, cometido pela geração que participou da luta pela
redemocratização do Brasil, foi permitir que a flor da liberdade e da
democracia, germinada naqueles tempos memoráveis, fosse abandonada, à sua
própria sorte, no coração do povo, relegada a segundo plano pela batalha, encarniçada e imediatista, das suas
diferentes facções, pelo poder.
Perdeu-se a oportunidade – e nisso também devemos nos
penitenciar – de aproveitar o impulso democrático, surgido da morte trágica de
Tancredo Neves, para se inserir, no currículo escolar de instituições públicas e privadas,
obrigatoriamente, o ensino de noções de cidadania e de democracia, assim como o
dos Direitos do Homem, estabelecidos na Carta das Nações Unidas, e esse tema
poderia ter sido especificamente tratado na Constituição de 1988 e não o foi.
Não se tendo feito isso, naquele momento, a ascensão ao
poder de um auto-exilado, o senhor Fernando Henrique Cardoso, poderia ter
levado ao enfrentamento dessa mazela histórica, e, mais ainda, pelas mesmas e
mais fortes razões – a questão deveria ter sido enfrentada quando da chegada ao
poder de um líder sindical oriundo da camada menos favorecida da população,
pronto a entender a importância de dar a
outras pessoas como ele, o acesso à formação política que lhe permitiu mudar a
si mesmo, e tentar, de alguma forma,
fazer o mesmo com o seu país.
Em vários anos, nada foi feito, no entanto, nesse sentido.
Mesmo tratando-se de questão fundamental – a de explicar aos
brasileiros para além das eventuais campanhas feitas pela Justiça Eleitoral a
divisão e a atribuição dos Três Poderes da República, noções do funcionamento
do Estado, dos direitos e deveres do cidadão, e de como se processa, por meio
do voto, a participação da população – nunca houve, e tratamos do tema muitas
vezes, nenhuma houve nenhuma iniciativa desse tipo, mesmo que pudesse ter sido
adotada, a qualquer momento, por qualquer administração municipal.
Pensou-se, erroneamente, que bastava voltar à eleição, pelo
voto direto, do Presidente da República,
e redigir e promulgar um novo texto constitucional, para que se consolidasse a Democracia no Brasil.
Na verdade, essas duas circunstâncias deveriam ter sido
vistas apenas como o primeiro passo para uma mudança mais efetiva e profunda,
que teria de ter começado por uma verdadeira educação cívica e política da
população.
Imprimiu-se a Democracia em milhões de exemplares da
Constituição da República, mas não nos corações e mentes da população
brasileira.
De um povo que vinha, historicamente, de uma série de curtas
experiências democráticas, entrecortadas por numerosos golpes, contra-golpes,
de todo tipo; educado ao longo das duas décadas anteriores, dentro dos ritos e
mitos de uma ditadura que precisava justificar, de forma peremptória, a
derrubada de um governo democrático e nacionalista – ungido pelo plebiscito que
deu vitória ao presidencialismo – com a desculpa do bovino anticomunismo da
Guerra Fria, cego e ideologicamente manipulado a partir de uma potência
estrangeira, os Estados Unidos.
À ausência de um programa de educação democrática para a
população brasileira – e da defesa da
Democracia como parte integrante, permanente, necessária, no nível do Congresso
e dos partidos, do discurso político nacional, somou-se, nos últimos tempos, a
deletéria criminalização e judicialização da política, antes, depois e durante
as campanhas eleitorais.
Assim como parece não perceber que a desestruturação da
Petrobras, do BNDES, das grandes empresas de infra-estrutura, de outros bancos
públicos, criará um efeito cascata que prejudicará toda a nação, legando-lhe
uma vitória de Pirro, caso venha a
chegar ao poder em 2018, a oposição também não compreende, que ao incentivar ou
se omitir, oficialmente, com relação a ataques à Democracia e aos apelos ao
golpismo por parte de alguns segmentos da população, está dando um tiro pela
culatra, que só favorecerá uma terceira
força, com relação à qual comete terrível engano, se acredita que tem a menor
possibilidade de vir a controlar.
A mesma parcela do público radicalmente contrária ao Partido
dos Trabalhadores, estende agora, paulatinamente, o processo de criminalização
da política ao PSDB e a outros partidos contrários ao PT, e já há quem defenda,
na internet, e nas redes sociais, a tese de que o país precisa livrar-se das
duas legendas, e de que a saída só virá
por meio do rápido surgimento de outra
alternativa política, ou de uma intervenção militar.
Bem intencionado na área social, na macroeconomia, em alguns
momentos, e em áreas como as Relações Exteriores e a Defesa, e atuando quase
sempre sob pressão, o PT cometeu
inúmeros erros – e não apenas de ordem política – nos últimos anos.
Abrir a porta a paraquedistas que nada tinham a ver com os
ideais de sua origem, atraídos pela perspectiva de poder, foi um deles.
Outro, foi o de fechar os olhos para o fato de que alguns de
seus militantes estavam caindo, paulatinamente, na tentação de deixar-se
seduzir e contaminar, também, pelas benesses e possibilidades decorrentes das
vitórias nas urnas.
O maior de todos, no entanto, foi se omitir de responder, do
começo, àqueles ataques mais
estapafúrdios, sem outra motivação do que a do ódio e do preconceito, que
passou a receber desde que chegou à Presidência da República.
Ao adotar, de forma persistente, essa posição, o PT prestou um terrível, quase irreparável, desserviço à Democracia.
Em um país em que blogueiros são condenados a pagar
indenizações por chamar alguém de sacripanta, a própria liturgia do cargo exige
que um Presidente ou uma Presidente da República usem a força da Lei para
coibir e exemplar quem os qualifica, pública e diuturnamente, na internet, de
fdp, ladrão, bandido, assassina, terrorista,
vaca, anta, prostituta, etc, etc,
etc.
E tal liturgia exige que isso se faça desde a posse, não
apenas para preservar a autoridade
máxima da República, que a ninguém pertence pessoalmente, já que
conferida foi pelo voto de milhões de brasileiros, mas, sobretudo, para
defender a democracia em um país e uma região do mundo em que quase sempre
esteve ameaçada.
Existe, é claro, a liberdade de expressão, e existem a
calúnia, o ataque às instituições, ao
Estado de Direito, à Constituição, que ameaçam a estabilidade do país e
a paz social, e o governo que se furta a
defender tais pressupostos, nos quais se fundamentam Estado e Nação,
deveria responsabilizar-se – fossem outras as circunstâncias – direta, senão
criminalmente, por essa omissão.
Se Lula, Dilma, e outras lideranças não se defendem, nem
mesmo quando acusadas de crimes como esquartejamento, o PT, como partido, faz o
mesmo, e incorre no mesmo erro, ao
omitir-se de ampla e coordenada defesa da democracia – e não apenas em proveito
próprio – dentro e fora do ambiente
virtual.
Em plena ascensão do discurso anticomunista e
“anti-bolivariano” – o Brasil agora é um
pais “comunista”, com 55 bilhões de
reais de lucro para os bancos e 65 bilhões de dólares de Investimento
Estrangeiro Direto no ano passado, e perigosos marxistas, como Katia Abreu,
Guilherme Afif Domingos e Joaquim Levy no governo – sua militância insiste em
se vestir de vermelho como o diabo, como adoram lembrar seus adversários,a cada
vez que bota o pé na rua.
Isso, enquanto, estranhamente, abandona, ao mesmo
tempo, o espaço de comentários dos
grandes portais e redes sociais, lidos pela maioria dos internautas, a
golpistas que se apropriam das cores da
bandeira, agora até mesmo como slogan.
Ao fazer o que estão fazendo, o Governo, o PT e o PSDB,
estão fortalecendo uma terceira força, e especializando-se na perigosa arte de
cevar os urubus.
De que se alimenta a extrema direita?
Do ódio, da violência, do preconceito, da criminalização da
política, da infiltração e do aparelhamento do estado, do divisionismo, da
disseminação terrorista da calúnia, do boato e da desinformação.
No futuro, quando for estudado o curto período de 30 anos
que nos separa da redemocratização, será possível ver com clareza – e isso
cobrarão os patriotas pósteros, se ainda os houver, nesta Nação – como a hesitação, a imprevisibilidade, a
aversão ao planejamento, a anomia e a mais absoluta incompetência por parte da
comunicação do PT, principalmente na enumeração e disseminação de dados
irrefutáveis; e o irresponsável fomento ao anti-nacionalismo e à paulatina
criminalização e judicialização da política, por parte, PSDB à frente, da
oposição, conseguiram transformar o país libertário, uno e nacionalista, que
emergiu da luta pela Democracia e que reunia milhões de pessoas nas ruas para
defender esses ideais há 30 anos, em uma
nação fascista, retrógrada, politicamente anacrônica, anti-nacional e
conservadora, que reúne, agora, nas ruas, pessoas para atacar o Estado de
Direito, a quebra das regras que o sustentam, e a interrupção do processo
democrático.
Um país cada vez mais influenciado por uma direita
“emergente” e boçal – abjeta e submissa
ao estrangeiro e preconceituosa e arrogante com a maioria da população
brasileira – estúpida, golpista e
violenta, que está estendendo sua
influência sobre setores da classe média e do lumpen proletariado, e crescendo,
como câncer, na estrutura de
administração do estado, na área de segurança, nos meios religiosos, na mídia e
na comunicação.
Destruiu-se a aliança entre burguesia nacionalista e
trabalhadores, que conduziu o país à Campanha das Diretas e à eleição de
Tancredo Neves como primeiro presidente civil, depois de 21 anos de interrupção
do processo democrático.
Destruiu-se a articulação das organizações e setores mais
importantes da sociedade civil, na defesa do país, do desenvolvimento e da
democracia.
Destruiu-se, sobretudo, a esperança e o nacionalismo, que,
hoje, só a muito custo persistem, no coração abnegado de patriotas que lutam,
como quixotes aguerridos e impolutos, em
pequenas organizações, e, sobretudo, na
internet, para evitar que a Nação naufrague, definitivamente, em meio à
desinformação, ao escolho moral e à apatia suicida da atualidade; ao pesado
bombardeio das forças que cobiçam, do exterior, nossas riquezas; e que o Brasil
abandone e relegue, como quinto maior país do mundo em território e população,
qualquer intenção que já tenha tido de ocupar, de forma altiva e soberana, o
lugar que lhe cabe no concerto das Nações.
Quando se veem brasileiros encaminhando pedidos à Casa
Branca de intervenção na vida nacional, defendendo a total privatização, desnacionalização e
entrega de nossas maiores empresas, em troca, alegadamente, de comprar, como no
país do Tio Sam, por um real um litro de
gasolina – se for por esta razão, por que não se mudam para a Venezuela, e vão
abastecer seus carros em postos PDVSA, empresa 100% estatal, onde ela está custando 15 centavos ? – tratando meios de comunicação estrangeiros e
pseudo organizações de todo tipo sediadas na Europa e nos Estados Unidos como
incontestáveis oráculos aos que se deve reverência e obediência absolutas, os
inimigos do Brasil riem, e sua boca se enche de saliva, antecipando a divisão e
o esgarçamento da nossa sociedade, e nossa entrega e capitulação aos seus
ditames, com a definitiva colonização da nossa Pátria, e, sobretudo, da alma
brasileira.
Pouco mais há a fazer – correndo o risco de sermos tachados
mais uma vez de loucos, ridículos e senis, extintos, e sem mais lugar neste
mundo, do que os répteis que outrora cruzavam as planícies de Pangea – do que
pregar, como João Batista, no deserto, mastigando os gafanhotos do ódio e do
sarcasmo.
É preciso reunir os democratas e os nacionalistas onde os
houver, para evitar e se contrapor, de forma inteligente, coordenada, ao
fortalecimento descontrolado, já quase inevitável, das forças antidemocráticas
e anti-nacionais.
O governo e a oposição – ao menos a mais equilibrada –
precisam parar de cevar as aves de rapina, que, dentro, e fora do país, anseiam
e já anteveem nossa destruição, e o
controle definitivo de nossa população e de nossas riquezas.
Quando acabarem, pelo natural esgotamento e imposição das
circunstâncias, os equívocos, as concessões, os enganos, as omissões, as
pequenas felonias, as traições à verdade, ao passado e ao futuro, de que se alimentarão os urubus ?
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