"Apesar dos muitos cartazes sobre 'petrolão' e
Petrobrás, não houve referências às contas secretas no HSBC da Suíça ou sobre o
mega-escândalo de sonegação revelado pela Operação Zelotes. Deve ser a
corrupção seletiva", observa Tereza Cruvinel, colunista do 247; também não
foram destacados "os problemas do bolso e do estômago, o aumento da
inflação ou do desemprego, que certamente pouco afetam a vida da maioria que
foi às ruas", acrescenta; jornalista lembra que líderes dos movimentos
anti-governo, que agora querem protestar no Congresso, deveriam começar a pauta
contra o projeto da terceirização; "Um protesto de gente que trabalha não
podia ser indiferente a um tema que está aí, ameaçando conquistas e
direitos", afirma; por fim, ela ironiza o pedido de impeachment desses
grupos: "Vai ser engraçado ver movimentos que se dizem contra todos os
políticos e partidos pedindo a estes mesmos que violem as regras da política e
tirem Dilma do governo"
13 de Abril de 2015 às 12:05
Por Tereza Cruvinel
Os protestos minguaram, talvez porque muita gente não quis
marchar com pregadores do golpe e da violência política mas outros milhares
fizeram o barulho que gera instabilidade política, agora com uma agenda ainda
mais difusa e contraditória. Segundo o Datafolha, a motivação mais citada pelos
manifestantes foi a corrupção. Entretanto, apesar dos muitos cartazes sobre
"petrolão" e Petrobrás, não houve referências às contas secretas no
HSBC da Suíça ou sobre o mega-escândalo de sonegação revelado pela Operação Zelotes.
Deve ser a corrupção seletiva: O cidadão se revolta com o escândalo que envolve
políticos mas não se incomoda com os casos em que grandes empresas e
milionários sonegaram impostos depositando dinheiro lá fora ou subornando
conselheiros do CARF/Receita Federal para burlar o fisco. Ou alguém viu um
cartaz sobre os Zelotes ou sobre as contas na Suíça? Eu não vi.
A segunda motivação, segundo o Datafolha, foi impeachment de
Dilma e o protesto contra o PT. Não foram os problemas do bolso e do estômago,
o aumento da inflação ou do desemprego, problemas que certamente pouco afetam a
vida da maioria que foi às ruas. Talvez por isso não vi nenhuma jovem loura,
nenhum rapaz bem nutrido ou senhora elegantemente vestida reclamando do preço
do feijão. Mais ainda. Examinando imagens dos protestos não vi uma só
referência àquela que é a maior ameaça aos que vivem do próprio trabalho, o
projeto de terceirização de mão de obra aprovado pela Câmara. A aprovação do
projeto do deputado Sandra Mabel é coisa do Congresso, da qual o governo não
conseguiu se dissociar e acabará pagando o pato. Se não conseguir barrar a
aprovação no Senado, ainda vai tornar-se o pai desta aberração, embora o PT
tenha votado maciçamente contra e o governo tenha feito suas críticas. Um
protesto de gente que trabalha não podia ser indiferente a um tema que está aí,
ameaçando conquistas e direitos.
Os movimentos que chamaram as manifestações, mesmo rachados,
anunciaram que agora vão mudar de tática, partindo para a pressão sobre o
Congresso. Deviam começar pressionando pela não aprovação do projeto de
terceirização.
Mas, falando nisso, o que irão mesmo pedir a Renan Calheiros
e Eduardo Cunha nesta marcha a Brasília? O impeachment de Dilma, sem que haja
elementos jurídicos para fundamentar o pedido? Renan Santos, líder do Movimento
Brasil Livre, anunciou que uma caravana irá ao Congresso na sexta-feira
"encaminhar a pauta do movimento". Devia começar mudando o dia.
Sexta-feira, mesmo nestes tempos frenéticos de Congresso hiper-ativo disputando
poder com o Executivo, é dia de casa vazia.
Já Rogerio Chequer, do Vem Prá Rua, acusado de ser bancado
pelo PSDB, falou numa aliança de 50 grupos que iriam ao Congresso na quarta em
busca de lideranças dispostas a encaminhar os pleitos dos movimentos. O PSDB,
até agora, não abraçou a bandeira do impeachment. Pelo menos oficialmente. Ou
haverá alguma reivindicação mais viável, além do Fora Dilma?
Vai ser engraçado ver movimentos que se dizem contra todos
os políticos e partidos pedindo a estes mesmos que violem as regras da política
e tirem Dilma do governo. Estão quase entendendo o óbvio: na democracia, por
piores que sejam os partidos, não há salvação fora da política. O que
precisamos é melhorar o sistema de regras em que ela é exercida. É de uma boa
reforma política, embora isso também não seja remédio para todos os males.
Educação política
Boa parte dos que protestam não sabe mesmo do que está
falando. Assim como 12% dos defensores do impeachment, segundo o Datafolha, não
sabem que se Dilma for afastada o governo será assumido por Michel Temer. Desta
vez apareceram cartazes pedindo "intervenção militar constitucional".
A Constituição é consequência da luta pela democracia. Os que a escreveram não
pactuaram com a ditadura e o passado, mas com o futuro e com a liberdade. Não
existe tal asneira em nossa Constituição cidadã. A alma de doutor Ulysses
Guimarães deve estar horrorizada com tal deturpação.
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