No momento em que o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto,
está preso em Curitiba, depois de ter sido acusado por delatores, o jornalista
Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília, lembra dados biográficos de
quatro ex-tesoureiros do PSDB: (1) Ricardo Sérgio de Oliveira, que dizia agir
"no limite da irresponsabilidade" foi acusado por ninguém menos do
que Antonio Carlos Magalhães de receber propina de R$ 90 milhões na venda da
Telemar; (2) Andrea Matarazzo, apresentado nesta semana por FHC como seu
candidato à prefeitura de São Paulo, arrecadou junto à Alstom para o caixa 2 da
campanha tucana em 1998; (3) Marcio Fortes está na lista do HSBC, com contas
que somavam US$ 2,4 milhões, em 1997; (4) Sergio Motta, o pai de todos, foi o
mentor da reeleição, que teria custado US$ 200 mil por deputado; o que espanta,
diz PML, é o silêncio do PT diante da desigualdade jurídica que impera no País
17 DE ABRIL DE 2015 ÀS 18:57
Por Paulo Moreira Leite
Há algo de muito estranho na postura de uma parcela de
petistas diante da prisão do tesoureiro do tesoureiro João Vaccari Neto. No
pior momento da história do Partido dos Trabalhadores, quando a legenda parece
estar sendo conduzida calculadamente até a beira do abismo pela ofensiva do
juiz Sérgio Moro, eles preferem tomar distância dos acusados, exigem que
entreguem seus cargos no partido e só reapareçam depois que não houver um fiapo
de dúvida a respeito de sua conduta.
Em vez de demonstrar solidariedade com os envolvidos nas
acusações, integrantes reunidos em torno da corrente Mensagem ao Partido,
formada por políticos respeitáveis e de prestígio, como o ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, o deputado Paulo Teixeira, o ex-ministro, ex-prefeito de
Porto Alegre e ex-governador do Rio do Sul Tarso Genro, todos com reconhecida
formação jurídica, parecem ter invertido as regras elementares da Justiça.
Exigem que os acusados demonstrem a própria inocência — em vez de aguardar que
o Ministério Público e a Polícia Federal sejam capazes de demonstrar sua culpa,
a partir de provas robustas e inquestionáveis.
O comportamento causa estranheza por seu efeito político
duvidoso como instrumento de proteção à reputação dos petistas, já que mesmo em
casos menores da vida cotidiana a falta de apoio das pessoas próximas — como
parentes e amigos — costuma ser vista como um indício frequente de culpa pela
maioria dos cidadãos.
Em vez de auxiliar o partido no esforço politicamente
compreensível — em qualquer legenda que se encontre em situação semelhante —
para questionar as acusações e denúncias em fase inicial de apuração, contribui
para reforçar a convicção, extremamente danosa para o PT e para o governo
Dilma, de que a Lava Jato é um processo essencialmente jurídico, conduzido de
forma equilibrada e isenta pelo juiz Sérgio Moro. Só a disposição para defender
uma visão desse tipo, que nega o caráter essencialmente injusto e seletivo das
investigações sobre boa parte dos casos corrupção ocorridas no país — algo tão
fácil de demonstrar como a existência da lei da gravidade — pode justificar uma
postura de quem pretende punir militantes e dirigentes, aliados até a véspera,
antes que a Justiça tenha dado sua palavra final.
Em 2005, durante o processo que levou à AP 470, uma parcela igualmente
ponderável de petistas assumiu essa postura pela primeira vez. Dizia-se, na
época, que entregar alguns troféus do partido — a começar por José Dirceu — às
fogueiras da cassação pelo Congresso poderia até ser uma medida injusta, mas
aceitável como uma tentativa de encerrar uma crise e garantir a sobrevivência
do partido. Dez anos depois, o saldo dessa estratégica está aí, à vista de
todos.
Outro aspecto diz respeito à natureza opaca das denúncias de
corrupção e ao caráter dos crimes que podem — ou não — serem associados ao
sistema de financiamento de campanha, historicamente promíscuo. No mesmo dia em
que os jornais estampavam uma foto da prisão de Vaccari, Fernando Henrique
Cardoso apresentava o empresário e vereador Andrea Matarazzo — nome frequente
em boa parte das denúncias de irregularidades na tesouraria tucana — como
candidato do PSDB a prefeitura de São Paulo em 2016.
Soube-se, na mesma data, que o deputado estadual Barros
Munhoz (PSDB-SP) livrou-se de uma denúncia em que era acusado de formação de
quadrilha e fraude em licitação. Isso só aconteceu porque ocorreu uma retenção
— por três anos — da ação penal na qual poderia ser condenado. Passado este
prazo, o parlamentar completou 70 anos e a denúncia prescreveu. Para a Folha de
S. Paulo, que noticiou o benefício assegurado ao parlamentar, o desembargador
Armando Sergio Prado de Toledo, que manteve a denúncia na gaveta, é “suspeito
de haver retardado a sentença para beneficiar o parlamentar tucano.”
Num partido que conseguiu livrar-se de uma denúncia vigorosa
como sobre propinas do metrô paulista, empurrada com a barriga durante uma
década e meia, e que ameaça sair do julgamento do mensalão-PSDB-MG sem uma
única condenação efetiva, essas situações não chegam a surpreender. Apenas
confirmam as conexões sempre apontadas por observadores entre a luta política e
a investigação judicial em nosso país, permitindo que se imagine uma engrenagem
capaz de fazer movimentos de mão dupla. Não só é capaz de trabalhar para
proteger e inocentar seus aliados prediletos, mas ainda se permite investigar e
condenar seus adversários políticos com ferocidade, não apenas pelo uso
extravagante de ideias jurídicas como a teoria do domínio do fato, mas também
pelo emprego excessivo de medidas como prisões preventivas e delações
premiadas.
Para quem compreende que escândalos costumam traduzir uma
pequena fração da política real, frequentemente distorcida, essas imagens são
um escárnio — quando colocadas ao lado das cenas de condução de João Vaccari à
prisão.
O uso de caixa 2 nas campanhas de Fernando Henrique Cardoso
foi admitido pelo tesoureiro principal, Luiz Carlos Bresser Pereira, e também
por um publicitário que atuava a seu lado, Luiz Fernando Furquim. Os dois
também sustentaram que o candidato a prefeito Andrea Matarazzo participou da
coleta de recursos, coisa que ele próprio negou — sempre. Anos atrás, as
suspeitas andavam em água morna até que explodiu — fora do país, naturalmente —
o escândalo da multinacional Alstom, tradicional fornecedora de equipamentos
para o governo paulista. Apareceram memorandos internos em que um diretor se
dizia disposto a pagar uma comissão de 7,5% para obter um contrato de R$ 100
milhões junto à Eletropaulo. Os papéis detalhavam: os 7,5% seriam divididos
entre “as finanças do partido”, “o tribunal de contas” e a “Secretaria de
Energia”. Não havia nomes, mas os endereços comprometiam vários figurões do
PSDB paulista, inclusive Matarazzo que, na época, ocupava a Secretaria de
Energia, a quem a Eletropaulo estava subordinada. Matarazzo chegou a ser
indiciado pela Polícia Federal. Acabou descartado, ao lado de outros tucanos de
primeira linha.
Sem exagerar no simplismo sociológico, é curioso notar que
Vaccari é um sindicalista, assim como Delúbio Soares, enquanto os tesoureiros do
PSDB vêm de outra linhagem, situada no topo social, sugerindo algo de
preferência pela punição de Pobre, Preto e Puta.
Sérgio Motta, o paraninfo da turma tucana, era um grande
empresário, com ideias de esquerda, capaz de atos generosos como empregar presos
políticos que deixavam a cadeia durante o regime militar — e prestar auxílio
financeiro a jornais que faziam oposição à ditadura. Caixa forte da eleição e
do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, inclusive dos projetos de
privatização da telefonia, foi um dos arquitetos do esquema que garantiu os
votos necessários para aprovar a emenda que permitiu a FHC disputar a
reeleição, em 1998.
“Os deputados votavam pela reeleição e na saída encontravam
um empresário que lhes dava o endereço para receber o pagamento”, me disse o
deputado Pedro Correa (PP-PE), numa entrevista em que estava acompanhado por
seu assessor de imprensa. Narciso Mendes, parlamentar do PP do Acre, disse a
Palmério Doria, autor de O Príncipe da Privataria, que a reeleição envolveu a
compra de 150 votos, adquiridos por R$ 200 000 cada.
Herdeiro de uma das principais construtoras do país, o
empresário Marcio Fortes sempre ocupou postos altos no PSDB. Foi tesoureiro de
Fernando Henrique e de José Serra, em 2002. Acusado de usar notas frias, o
esquema financeiro tucano, naquela campanha, recebeu uma multa de R$ 7 milhões.
Ex-presidente do BNDES por dois anos, Fortes apareceu entre
os 8 000 brasileiros com contas no HSBC, na Suíça. Titular de três contas na
instituição, que somavam US$ 2,4 milhões em 2007, ele nunca informou o TRE-RJ
desse investimento, revelou o Globo. No início de 2001, o então senador Antonio
Carlos Magalhães fez uma acusação pesada a respeito da privatização das teles.
Segundo ACM, teria havido irregularidade na venda de uma
delas. Ele contou que o consórcio Telemar, que explora a telefonia fixa em
dezesseis Estados, do Rio de Janeiro ao Amazonas, teria feito um acerto para
pagamento de 90 milhões de reais para levar o negócio. Em 2002 ficou-se sabendo
que pedido semelhante de comissão pode ter ocorrido também no processo de venda
da Vale. O valor é menor, 15 milhões, mas a história é igualmente grave. Nos
dois casos, as denúncias recaem sobre uma mesma pessoa: o ex-diretor do Banco
do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira, que atuou no passado como um dos
arrecadadores de fundos do alto tucanato. Ele foi gravado quando admitiu, em
conversa telefônica, que estava atingindo o “limite da irresponsabilidade” na
montagem de consórcios que disputaram as teles.
Diante dessas circunstâncias, envolvendo tantos personagens,
chega a ser espantoso que dirigentes do Partido dos Trabalhadores, a principal
vítima de investigações preferenciais, evitem confrontar uma situação tão
desigual, e procurem tratar com reverência jurídica uma questão que é,
claramente, política. Chega ser deseducativo do ponto de vista da população em
geral, que nunca foi devidamente formada sobre o valor dos direitos e garantias
individuais, o que explica a popularidade de soluções fáceis e demagógicas,
como redução da maioridade penal e mesmo a pena de morte. Também é
desmobilizador, do ponto de vista dos petistas, em particular num momento em
que a legenda necessita, mais do que nunca, recuperar energias para enfrentar
tormentas que se avizinham. Em 2015, adversários mais despudorados sonham
inclusive em colocar o partido na ilegalidade, medida que privaria a democracia
brasileira do único partido de massas nascido da luta popular, das organizações
de trabalhadores e da mobilização dos mais pobres, desfalcando o universo
político brasileiro de uma voz de ressonância histórica.
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