O trabalho do juiz federal Sergio Fernando Moro, responsável
pelos processos da operação Lava Jato, já é discutido pelo STF e pelo Conselho
Nacional de Justiça há alguns anos; ele foi alvo de procedimentos
administrativos no órgão por conta de sua conduta, considerada parcial e até
incompatível com o Código de Ética da Magistratura; todos os procedimentos
foram arquivados e correram sob sigilo; entre as reclamações há o caso em que
ele mandou a Polícia Federal oficiar todas as companhias aéreas para saber os
voos em que os advogados de um investigado estavam; ou quando ele determinou a
gravação de vídeos de conversas de presos com advogados e até familiares por
causa da presença de traficantes no presídio federal de Catanduvas (PR)
5 de Maio de 2015 às 20:53
Pedro Canário, do Conjur - Se é recente o primeiro
julgamento de mérito de Habeas Corpus da operação “lava jato” pelo Supremo
Tribunal Federal, o trabalho do juiz federal Sergio Fernando Moro, responsável
pelos processos da operação, já é discutido pelo STF e pelo Conselho Nacional
de Justiça há alguns anos. Ao longo de sua carreira, Moro foi alvo de
procedimentos administrativos no órgão por conta de sua conduta, considerada
parcial e até incompatível com o Código de Ética da Magistratura. Todos os
procedimentos foram arquivados e correram sob sigilo.
Entre as reclamações há o caso em que ele mandou a Polícia
Federal oficiar todas as companhias aéreas para saber os voos em que os
advogados de um investigado estavam. Ou quando ele determinou a gravação de
vídeos de conversas de presos com advogados e até familiares por causa da
presença de traficantes no presídio federal de Catanduvas (PR).
O caso das companhias aéreas é famoso entre os advogados do
Sul do Brasil. Ganhou destaque depois que a 2ª Turma do Supremo mandou os autos
do processo para as corregedorias do CNJ e do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região para que apurassem irregularidades. Um Habeas Corpus (95.518) alegava
suspeição de Sergio Moro. O Supremo entendeu que não houve suspeição, mas que
“há fatos impregnados de subjeição” — clique aqui para ler o acórdão.
Foi um dos episódios da atribulada investigação sobre evasão
de divisas para o exterior conhecida como caso Banestado, nos anos 1990. Foi
esse o processo que deixou Sergio Moro famoso e o levou às manchetes nacionais
pela primeira vez.
Passo a passo
O HC rejeitado pelo Supremo pretendia anular a investigação
por imparcialidade de Sergio Moro, o que o tornaria suspeito para julgar o
caso. O processo ficou famoso porque Moro decretou, em 2007, a prisão
preventiva de um dos investigados, que não foi encontrado no seu endereço em
Curitiba. Estava no Paraguai, onde também tinha uma casa.
Moro não sabia. Por isso mandou a PF oficiar todas as
companhias aéreas e a Infraero para ficar informado sobre os voos com origem em
Ciudad del Este, no Paraguai, ou Foz do Iguaçu, para Curitiba a fim de que se
encontrasse o investigado. Também mandou fazer o mesmo com os voos de Porto
Alegre para Curitiba, já que os advogados do investigado, Andrei Zenkner
Schmidt e Cezar Roberto Bittencourt, poderiam estar neles.
Segundo o HC impetrado pelos advogados, Moro também expediu
quatro mandados de prisão com os mesmos fundamentos, todos revogados pelo
Tribunal Regional Federal da 4ª Região; determinou o sequestro prévio de bens
do investigado por entender que os bens apresentados por ele seriam
insuficientes para ressarcir os cofres públicos em caso de condenação.
“Magistrado investigador”
O HC foi rejeitado por quatro votos a um. A maioria dos
ministros da 2ª Turma do Supremo — por coincidência, colegiado prevento para
julgar a “lava jato” — seguiu o voto do relator, ministro Eros Grau, segundo o
qual havia indícios de subjetividade, mas nada que provasse suspeição ou
parcialidade do juiz.
Quem ficou vencido foi o ministro Celso de Mello. O decano
do STF se referiu a “fatos extremamente preocupantes”, como “o monitoramento de
advogados” e o “retardamento do cumprimento de uma ordem emanada do TRF-4”.
“Não sei até que ponto a sucessão dessas diversas condutas
não poderia gerar a própria inabilitação do magistrado para atuar naquela
causa, com nulidade dos atos por ele praticados”, votou Celso. “O interesse
pessoal que o magistrado revela em determinado procedimento persecutório,
adotando medidas que fogem à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo
coloca à disposição do poder público, transformando-se a atividade do
magistrado numa atividade de verdadeira investigação penal. É o magistrado
investigador.”
Os demais ministros argumentaram que todas as ordens de
prisão expedidas por Moro foram fundamentadas, embora posteriormente cassadas
pelo tribunal, o que faz parte do devido processo legal. Mas Celso de Mello
respondeu que o problema não é a ausência de fundamentação ou o conteúdo delas,
mas “a conduta que ele [Moro] revelou ao longo deste procedimento”.
O ministro listou, ainda em seu voto, as normas que estariam
sendo violadas pelo juiz. Ele questiona: "[Ao negar o HC], nós não
estaríamos validando um comportamento transgressor de prerrogativas básicas?
Consagradas não apenas na nossa Constituição, mas em declarações de direitos
promulgadas no âmbito global pela ONU, a Declaração Universal dos Direitos da
pessoa Humana, de 1948, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, o
Pacto Internacional de Direitos civis e Políticos de 66, a Carta Europeia de
Direitos Fundamentais, de 2000.”
O ministro Gilmar Mendes discordou da decisão de anular a
investigação, porque a sentença condenatória foi mantida pelo TRF-4. Mas
concordou que “todos os fatos aqui narrados são lamentáveis de toda ordem”. O
julgamento do HC terminou em março de 2013, e dele participaram, além de
Gilmar, Celso e Eros Grau, os minstros Ricardo Lewandowski e Teori Zavascki.
Sem problema
A Corregedoria de Justiça Federal da 4ª Região arquivou o
caso, por entender que os mandados de prisão foram fundamentados. Discuti-los
seria entrar em seara jurisdicional, o que não pode ser feito pela Corregedoria,
um órgão administrativo.
Sobre o rastreamento das viagens, o vice-corregedor do
TRF-4, desembargador, Celso Kipper, entendeu “haver certo exagero na afirmação
que o magistrado estaria 'investigando a vida particular' dos advogados. Não há
qualquer indício de que a vida particular dos advogados interessasse ao
magistrado”. A decisão é de 1º de dezembro de 2014.
O CNJ também arquivou o pedido. A corregedora nacional de
Justiça, ministra Nancy Andrighi, em fevereiro deste ano, entendeu que não poderia
reanalisar uma questão já debatida pela corregedoria local. Isso porque a
Corregedoria Nacional não é uma instância recursal.
Sem sigilo
Outra atuação célebre de Sergio Moro é de quando ele foi
juiz federal de Execução Penal da Seção Judiciária do Paraná. Ele dividia o
cargo com o juiz federal Leoberto Simão Schmit Junior. Naquela época, a
coordenação das execuções penais federais era feita por juízes em regime de
rodízio.
Reportagem da ConJur de 2010 mostrou que o monitoramento das
conversas entre presos e advogados acontecia no Paraná pelo menos desde 2007.
As gravações eram feitas no parlatório do presídio federal de segurança máxima
de Catanduvas.
Foi lá que ficou preso o traficante de drogas colombiano
Juan Carlos Abadia e é onde está o brasileiro Fernandinho Beira-Mar. Sob a
justificativa de eles terem uma grande rede de contatos em diversos lugares do
mundo, os dois juízes de execuções penais federais determinaram que fossem
instalados microfones e câmeras nas salas de visitas e nos parlatórios do
presídio para que fossem gravadas todas as conversas dos internos.
Eram monitorados, portanto, todos os encontros dos
presidiários. Segundo reclamação feita pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil ao CNJ, os dois juízes “autorizam e permitem a gravação de
áudio e vídeo de conversas entre presos e visitantes/familiares, inclusive
advogados, de forma irrestrita e aberta”.
De acordo com a entidade, “a existência e funcionamento
desses aparelhos ultraja os direitos dos advogados de avistar-se, pessoal e
reservadamente, com seus clientes, violando, ainda, a própria cidadania, o
Estado Democrático de Direito e o sagrado direito de defesa.”
A OAB chegou a oficiar os dois juízes de execução. E Moro
respondeu, em 2009, que a instalação desses equipamentos teve o objetivo de
“prevenir crimes a prática de novos crimes, e não interferir no direito de
defesa”. Ele diz haver ordem para que todo “material probatório colhido
acidentalmente” que registre contatos do preso com seu advogado seja
encaminhado ao colegiado de juízes de execução para evitar que as gravações
sejam usadas em processos.
Estado policial bisbilhoteiro
Moro ressalva, no entanto, que “o sigilo da relação entre
advogado e cliente não é absoluto. Legítimos interesses comunitários, como a
prevenção de novos crimes e a proteção da sociedade e de terceiros, podem
justificar restrição a tal sigilo”. Ele se justifica com base em um precedente de
uma corte federal americana, segundo o qual o sigilo das comunicações entre
advogado e cliente pode ser quebrado se ele for usado para facilitar o
cometimento de crimes.
Para a OAB, a argumentação comprova que as gravações eram
feitas sem base em qualquer indício de crime, ou sequer investigação em curso.
“É absurda e teratológica a determinação judicial que impõe a gravação de todas
as conversas sem efetivar um juízo de individualização em relação a certos
visitantes e eventual participação dos mesmos na organização criminosa do
preso. Ou seja, é o Estado policial bisbilhoteiro chancelado pelas
autoridades.”
O Conselho Nacional de Justiça sequer analisou o pedido. A
argumentação descrita acima consta de uma Reclamação Disciplinar levada à então
corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon. Mas, em 2011, ela
arquivou a Reclamação com base na decisão do plenário do CNJ de arquivar um
Pedido de Providências sobre o mesmo fato.
A decisão era de que as gravações de conversas entre presos
e advogados foram feitas no âmbito de processos judiciais. O caso, portanto,
esbarrou na “incompetência do CNJ para rever questões já judicializadas”.
Havia também um pedido para que o CNJ regulamentasse o
monitoramento dos parlatórios, que também foi negado. A ementa da decisão
afirma que “providência sujeita à análise de especificidades locais. Inviável a
fixação de critérios uniformes”.
Hoje a OAB prepara uma Ação Civil Pública para encaminhar à
Justiça Federal. O pedido será para que o Departamento Penitenciário Nacional
(Depen), órgão do Ministério da Justiça responsável pelos presídios federais
brasileiros, se abstenha de gravar os encontros entre presos e seus advogados.
Big brother
A investigação do caso Banestado levou Moro ao CNJ algumas
vezes. Outra delas foi quando a vara da qual ele era titular, a 2ª Vara Federal
Criminal de Curitiba, tocou a operação com o sugestivo nome de big brother.
O apelido foi uma brincadeira com as iniciais do Banco do
Brasil, o "irmãozão" que, segundo a PF, "deu" milhões de
reais a uma suposta quadrilha. Mas o prolongamento de grampos telefônicos por
pelo menos seis meses, aliado ao fato de a operação ter sido inteiramente
derrubada, lembra mais o Grande Irmão do romance 1984, de George Orwell, um
Estado totalitário que bisbilhotava a vida privada de todos os cidadãos.
No mais, foi um caso que entrou para os anais do Direito
Penal. O Ministério Público denunciou uma quadrilha pela prática de
“estelionato judicial”, tipo penal criado no ato do oferecimento da denúncia.
A investigação tinha como alvo uma quadrilha supsotamente
montada para falsificar liminares (daí o estelionato e daí o judicial) para
sacar, junto ao Banco do Brasil, títulos emitidos pela Petrobras e pela
Eletrobras. A operação nasceu depois que um dos investigados na big brother
sacou R$ 90 milhões em título emitido pela estatal de energia.
Segundo o advogado Airton Vargas, que defendeu um dos
investigados, foi “tudo suposição grosseira, sem indícios, com o uso da
expressão ‘provável’”. No curso do processo fiou provado que os títulos eram
verdadeiros e que as decisões judiciais de fato foram tomadas. E o tal do
“estelionato judicial” foi considerado conduta atípica num Habeas Corpus
julgado pelo TRF-4.
Outros meios, mesmo fim
O problema foi a condução da operação. Segundo Lagana, seu
cliente ficou preso preventivamente por 49 dias pela acusação de “estelionato
judicial”. Antes disso, teve a interceptação de seu telefone renovada por 15
vezes em 2005. Ou seja, a PF ficou ouvindo suas conversas telefônicas por seis
meses ininterruptos, embora a Lei das Interceptações Telefônicas só autorize
grampos de 15 dias de duração, renováveis uma vez.
Há discussão judicial sobre a possibilidade de mais
renovações. Mas a reclamação do advogado é que, se a acusação é de fraude a
títulos de dívida e de falsificação de decisões judiciais, não era necessário
grampear telefone algum. “Havia outros meios idôneos e recomendáveis para
apuração de eventuais delitos por parte do investigado, e o principal recurso
era a diligência com a Eletrobras acerca da falsificação dos títulos cobrados
judicialmente, o que foi realizado apenas depois das interceptações e da
prisão.”
A Corregedoria da Justiça Federal da 4ª Região decidiu por
arquivar a reclamação. Entendeu que “não cabe qualquer atuação correicional
pelo singelo motivo de a matéria suscitada estar absolutamente vinculada ao
exercício da jurisdição”.
O caso chegou ao CNJ por meio de um recurso. E, segundo a
corregedora nacional de Justiça à época, ministra Eliana Calmon, o pedido não
se enquadrava em nenhum dos casos descritos pelo Regimento Interno do Conselho
para autorizar rediscussão da matéria.
0 comentários :
Postar um comentário