Por Roberto Amaral, em seu blog:
A carta do vice-presidente da República – pobre, patética,
beirando a infantilidade – dá a justa medida do estado moral lastimável em que
se encontra a política brasileira, apequenada, amesquinhada, aviltada e
envilecida.
Desnudando-se, o presidente do PMDB revela-se um político
menor, como menores são seus companheiros da ópera bufa em que foi
transformado, pela miséria da política, um dos momentos mais dramáticos de
nossa História recente, tão vazia de estadistas e miseravelmente tão plena de
pulhas.
Pois grave é a crise ignorada pela vendetta e pelo ódio. No
encontro da saturnal dos ódios – ódio amador e ódio profissional, ódio gratuito
e ódio remunerado e, até, ódio puro ódio, o ódio irascível do perdedor sem
consolo, ódio que cega e embrutece – nesse encontro de ódios com a compulsão
dos interesses os mais vários, interesses pessoais, interesses de grei,
interesses de súcias-partidos, só não são considerados os interesses do País,
os interesses coletivos. Ninguém se dá conta dos riscos que corre o processo
político quando a ordem constitucional se transforma em espaço para
traficância.
Na missiva do vice, ‘um copo até aqui de mágoa’, apenas
lamúrias, queixumes e muxoxos; nenhuma reflexão, nem uma só palavra sobre a
crise de que seu partido, insaciável consumidor de cargos e verbas públicas, é
um dos atores e artífices.
Crise grave – pois a um só tempo crise política, crise
econômica, crise institucional, crise de representatividade – da qual, rompendo
com toda e qualquer noção de ética, Temer pretendeu aproveitar-se, sem pejo do
papel de traidor doméstico, o mais pérfido de todos.
O vice-presidente reclama de cargos e carguinhos para os
mais chegados, reclama de afagos negados, de convites não formulados, de acenos
evitados. O País? O País passa ao largo.
A pequenez de espírito salta nas primeiras linhas, quando o
missivista se diz informado por “tudo o que me chega aos ouvidos das conversas
no Palácio”. Ou seja, o rompimento político, a justificativa da maquinação
golpista, se alimenta não em uma crise de Estado, num conflito de visões
político-ideológicas, mas nas tricas e futricas das salas e antessalas dos
palácios da Corte!
Bate-papo de comadres. Este o personagem que se oferece à
oposição ensandecida para suceder a presidente Dilma ao fim do golpe de Estado
comandado, na Câmara dos Deputados, pelo seu correligionário e assecla e sócio
Eduardo Cosentino da Cunha.
Pobre política, pobre país.
Temer se queixa de haver passado “os quatro primeiros anos
de governo como vice decorativo”. Ora, só um traste, um obnóxio, se prestaria a
tal papel; só um carreirista voraz ainda desejaria outros quatro anos de igual
ostracismo. Pois, findo o primeiro mandato de Dilma Rousseff, o desconsiderado
Temer – à míngua de votos que lhe ensejassem um voo solo – ainda lutou para ser
o vice da presidente candidata à reeleição.
Agora choraminga porque um ministro de sua intimidade não
foi reconduzido do primeiro para o segundo mandatos, e porque outro, de igual
domesticidade, não teve confirmada a nomeação de um apaniguado qualquer para um
cargo qualquer. Cargos, cargos, verbas, sinecuras! Faz beicinho de ciúmes, pois
a presidente conversou diretamente com o líder (já defenestrado) do seu
partido, e não com ele – e vaidoso, ressente-se de não haver sido convidado
para encontro da presidente com o vice-presidente dos EUA de passagem por
Brasília.
São essas as razões do estadista Michel Temer,
vice-presidente da República e presidente do PMDB. São essas as suas razões
para a carta, pois, consabidamente, ela não se destinava, apenas, a desafogar
um coração magoado.
Destinava-se, sim, a formalizar, documentar, justificar o
abandono, pelo vice, da “lealdade pautada pelo Art. 79 da Constituição Federal”
à titular da Presidência, abandono aliás que logo transitou para a conspiração
plena, já tornada pública pela imprensa, que, aliás, também dá conta de suas
articulações para a montagem de seu hipotético governo.
Enquanto isso e coerentemente com tudo isso, coerentemente
com tanta baixeza, seu correligionário ainda presidente da Câmara dos
Deputados, e ainda à solta, prossegue, lépido e fagueiro, na faina despudorada
e impune de desmoralizar o Poder Legislativo. Se este se amesquinhava com sua
simples presença, mais se degrada com sua presidência que associa a ostensiva,
despudorada e cínica ausência de ética com um absolutismo cujo sucesso é outro
indicador do nível de miséria a que chegou a maioria da Casa.
A persistente presidência de Cunha ultrapassou, e ultrapassa
ainda, todos os limites da plausibilidade, ofendendo o decoro parlamentar,
rasgando regimento, rasgando a Constituição, ofendendo normas parlamentares,
tudo em função de suas duas prioridades do momento: fugir da sua própria
cassação, motivada por reiterados atos de improbidade, e promover, a ferro e
fogo, a qualquer preço, a cassação do mandato da presidente Dilma.
Para isso se serve de uma coorte de áulicos na qual desponta
figura exemplarmente deprimente como o sr. Paulinho da Força (cujo prontuário
inclui ação penal no STF por lavagem de dinheiro e crime contra o sistema
financeiro nacional), líder da Comissão de Frente que abre-alas para Aécio
Neves e outros menos cotados, como Mendonça Filho, os Bolsonaros e uma penca de
caronistas que nem vale citar.
Diz-se que a história forja os personagens de que necessita.
Isso é injusto conosco, não merecemos Temer, Cunha e seus quejandos, ainda
menos o vazio humano que possibilitou essa safra. A média brasileira é muito
melhor. Portanto, ainda podemos confiar, com esperança, no papel da organização
social, a sociedade reagindo mediante seus mecanismos de ação, intervindo no
processo, ditando e corrigindo as lamentáveis rotas de hoje.
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