segunda-feira 19 de setembro| Edição do dia
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Está prevista para essa semana a
apresentação do projeto de reforma do Ensino Médio defendido pelo governo
Temer. Sem nenhum compromisso em obter um mínimo de legitimidade democrática, o
governo diz que pode prescindir até mesmo do Congresso Nacional que endossou
seu golpe institucional, editando uma medida provisória para apressar sua sanha
reformadora.
Como já discutimos aqui, aqui e aqui,
o Ministério da Educação tem pressa na aprovação dessa reforma. Embora
formalmente dirigido por um membro do Partido Democrata (DEM), sabemos que
muito da linha reformadora é ditada pelo velho staff tucano da área
educacional, como Maria Helena Guimarães de Castro e Maria Inês Fini,
respectivamente secretária executiva do MEC e presidenta do INEP, como
mostramos aqui.
Mas o interventor no MEC, Mendonça
Filho, tem grande importância para apressar as coisas. Ele está articulando a
aprovação dessa reforma em duas frentes: apresentando um substitutivo a uma
proposta de reforma de 2013que já tramita no Congresso; e articulando
com Temer a publicação de uma medida provisória para baixá-lo por decreto.
Tanto em um caso como em outro, Mendonça Filho tem deixado claro que essa
reforma será feita ainda esse ano:
“Temos o receio de que no momento em
que se discutem medidas tão significativas no campo econômico, a gente venha a
secundarizar a reforma do ensino médio. Se percebermos, e isso foi fruto do meu
despacho com o presidente Temer, que não será aprovado até o fim do ano via
projeto de lei, mesmo com a urgência dada pela Câmara, vamos partir para Medida
Provisória”, afirmou Mendonça.
Assim, o MEC quer impor uma reforma
bastante profunda do Ensino Médio sem nenhum debate com as pessoas diretamente
atingidas por sua medida: os professores, os estudantes e os trabalhadores em
geral. Nem mesmo as entidades nacionais de pesquisadores da área foram
consultados ou mesmo tiveram acesso ao inteiro teor da proposta. A própria
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED) critica duramente o projeto, apontando para
“equívocos e retrocessos que remontam aos anos 1940”.
Para o MEC basta o apoio dos seus próprios burocratas ou dos
burocratas das secretarias estaduais de educação:
"Como a reforma é quase
consensual, com apoio de praticamente todos os secretários estaduais, vamos
avançar. O presidente [Michel Temer] já sinalizou apoio à Medida
Provisória".
Depois do resultado do
último IDEB, no qual o Ensino Médio teve uma leve queda em
matemática, embora tenha tido ganho na pontuação em Língua Portuguesa, o MEC
conseguiu a desculpa que faltava para colocar em movimento sua sanha
reformadora. A grande imprensa fez soar o alarme do caos do Ensino Médio e o
MEC logo apresentou sua solução reformadora; só faltou esclarecer que o remédio
é uma dose ainda maior do veneno que está matando o paciente.
A Reforma do Ensino Médio no contexto
da PEC 241
Para entendermos essa reforma, temos
que situá-la no conjunto dos ataques que o governo tem feito aos trabalhadores
em geral e à educação em particular. Como já havíamos escrito em artigo para
esse mesmo diário, o governo Temer, com seu projeto chamado “Ponte para o futuro”, simplesmente propõe “acabar com as
vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e
com educação”.
Como havíamos escrito antes, “o que o
PMDB propõe é desvincular os gastos com educação de seu mínimo constitucional,
desmantelando o atual modelo de financiamento da educação pública no país. A
verba da educação (e da saúde) poderão assim ser usadas para o desenvolvimento
da economia e para a saúde fiscal do Estado, mesmo que ao custo do
desenvolvimento da próxima geração e da saúde de todos os brasileiros e
brasileiras que dependem da educação e saúde públicas no país.
O que se coloca aqui não é uma questão
fiscal ou contábil: é o próprio
direito à educação pública e gratuita que corre risco. Sem a
garantia orçamentária para a área, não dá para se falar em educação como um
direito a ser garantido pelo Estado.”
É esse plano de ajustes que o governo
Temer faz avançar com o Projeto de Emenda Constitucional que ele apresentou
para instituir um novo regime fiscal, a famigeradaPEC 241.
Não se trata de um ataque qualquer.
Essa PEC, que "altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
para instituir o Novo Regime Fiscal”, simplesmente quer mudar o artigo da
Constituição que determina essa vinculação orçamentária para a educação,
estabelecendo, no lugar de um piso, um teto. Ele quer trocar o “nunca menos” da
Constituição pelo “não poderão ser superiores” dessa emenda constitucional.
Como dissemos mais acima, sem a
garantia orçamentária para a educação, é o próprio direito à educação que passa
a ser questionado.
Para se ter uma ideia do quanto isso é
grave, faremos um pequeno estudo histórico: você sabe quais foram as duas
únicas Constituições desde 1930 que não tinham vinculação orçamentária para a
educação?
Pois é, a de 1937 e a de 1967:
justamente a Constituição da ditadura do Estado Novo (1937-1945) e a da
ditadura militar (1964-1985).
A Constituição de 1934 estabelecia que
a União e os municípios deveriam aplicar nunca menos de 10% e os estados 20% da
arrecadação de impostos “na manutenção e desenvolvimento dos sistemas
educacionais”. Essa vinculação orçamentária foi retirada na Constituição de
1937, a Constituição do Estado Novo. Em 1946, a nova Constituição estabeleceu o
mínimo de 20% da arrecadação dos estados e municípios para a educação e 10% do
poder federal. Já após o golpe de 1964, a Constituição de 1967 e a emenda
constitucional de 1969 voltaram a excluir essa vinculação orçamentária. Só com
a Constituição de 1988 se restabeleceria uma vinculação orçamentária,
garantindo que “nunca menos” de 18% da arrecadação de impostos da União e 25%
dos estados e municípios terão que ser investidos na educação.
Como sempre gostamos de lembrar,
orçamento em espanhol se escreve “presupuesto”, assim ter garantido
constitucionalmente um orçamento para a educação é o “presupuesto” para sua
própria existência enquanto um direito.
É claro que essa vinculação é sempre
atacada para que os governos possam transferir parte dos recursos da educação
para seus compromissos de classe com o grande capital, criando várias formas de
burlar ou flexibilizar o que está inscrito na Constituição.
Podemos lembrar aqui a manobra criada
por FHC, e repetida infinitamente, de distinguir a arrecadação de impostos
(como está garantido na Constituição) e a arrecadação com contribuições, mesmo
essas sendo compulsórias, ou seja, impostas. Também devemos lembrar as desvinculações das receitas da União, estados e
municípios, que flexibilizam e abrem espaço para que a norma constitucional não
seja cumprida.
Mas de qualquer forma, o que Michel
Temer está propondo é muito mais sério. Sem meias palavras, ele quer acabar com
a vinculação orçamentária para a educação, fazendo com sua emenda
constitucional o que fizeram as Constituições da ditadura Vargas e da ditadura
militar.
É nesse contexto de ataque à educação
que devemos entender a reforma do Ensino Médio que agora está em pauta.
Mas do que se trata essa reforma,
afinal?
Primeira coisa que temos que ter claro
é que não se trata de uma reforma superficial no Ensino Médio, mas de uma
“completa reformulação”, como declarou a secretária executiva do MEC, Maria
Helena Guimarães de Castro.
É a própria Maria Helena quem, em entrevista para a Revista Época, deu as diretrizes dessa
reformulação:
“Uma delas é a flexibilização do ensino
médio a partir da segunda metade do 2º ano. Atualmente, o aluno que quer um
diploma de curso técnico – que oferece formação profissional – precisa cursar
três anos de ensino médio regular e mais, em média, dois anos de técnico. É
possível, também, fazer isso de forma concomitante: o ensino regular em um
período e o curso técnico em outro. A sugestão é mudar esse modelo. Para se
formar no ensino técnico, o estudante deverá cursar o currículo regular, aquele
que é comum a todos, por um ano e meio. Essa etapa deverá abordar o que é
essencial. A partir daí, ele poderá optar por um curso técnico, com um ano e
meio ou dois anos de duração. Ou seja, em cerca de três anos, terá dois
diplomas.”
Assim, o que ela propõe é reduzir a
parte básica do Ensino Médio – aquela que é comum para todos – para um ano ou,
no máximo, um ano e meio:
“Depois de cursar durante um ano, um
ano e meio, aquilo que é comum a todos, ele poderá se aprofundar na área que
escolher: exatas, ciências sociais ou ciências da saúde, por exemplo. Se o
aluno optar por se aprofundar em ciências sociais, ele provavelmente terá uma
carga horária maior de história, filosofia, sociologia, atualidades. A ideia é
que língua portuguesa e matemática continuem sendo ensinadas de forma
aprofundada até o final do ensino médio, independentemente da escolha do
aluno”.
É claro que, dada a situação objetiva
de nossas redes públicas, nem todos os “itinerários formativos” estarão
disponíveis para todos os estudantes.
Chamando atenção para o momento de
transição que a implementação desse projeto requererá, a secretária executiva
do MEC diz que “uma escola poderá oferecer aprofundamento só em ciências exatas
e da natureza, por exemplo. Ela pode não ter condições de oferecer cursos voltados
para letras e ciências sociais, modalidades que serão ofertadas por outra
instituição”.
Para o ministro Mendonça Filho, é importante promover um
enxugamento do currículo e uma flexibilização na escolha das disciplinas. Para
ele, é importante ter “mais flexibilidade para que o jovem no ensino médio
comece a decidir a própria trajetória. Não faz sentido que o jovem que quer
ingressar em um curso ligado à área de humanas tenha a mesma base curricular
daquele jovem que vai para as ciências exatas”.
Assim, vemos que a reforma do Ensino
Médio proposta pelo MEC vai gerar um esvaziamento da formação dos nossos jovens
estudantes, que não terão garantidas a oferta dos “itinerários formativos”
propostos pelo MEC, fragmentando e estratificando ainda mais a formação.
Na esteira das medidas de ajustes do
governo Temer, com o projeto de acabar com as verbas constitucionais para a
educação, vemos que esse projeto de reforma não moverá uma palha em relação às
condições objetivas e materiais de nossas escolas. Ele não passa por discutir
nenhuma melhoria na sua estrutura, nenhuma real valorização do trabalho docente
e dos demais trabalhadores em educação, discutindo de forma articulada as
condições de trabalho e as condições de ensino: como salário, carreira,
formação, jornada, mas também o número de alunos por sala, o currículo e a
infraestrutura educacional.
Por fora de um incremento das verbas
públicas para a educação pública de gestão pública, essa reformulação do Ensino
Médio só pode redundar em privatização, fortalecendo o controle patronal e
empresarial sobre a formação dos nossos jovens trabalhadores:
“No caso dos cursos técnicos, pode ser
que o estado já tenha uma estrutura para ofertar o ensino, de maneira
articulada. Explico: até a metade do 2º ano do ensino médio, o aluno pode
estudar em uma escola pública. Depois, ele pode passar a frequentar uma escola
do Sistema S ou uma escola técnica da rede estadual, da rede federal.
Diferentes combinações serão possíveis”.
Talvez tenha sido a Folha de São Paulo,
em editorial intitulado “Ensino Médio Flexível” quem
melhor captou o significado dessa reforma: “O país precisa de uma escola que
faça mais sentido para o jovem, na qual ele tenha a possibilidade de moldar sua
formação a seus planos para o futuro. Há os que pretendem ir para a
universidade e os que desejam seguir uma carreira técnica. Há os que apostam em
aptidões artísticas e os que se deliciam com problemas de álgebra”.
Embora com sua inversão ideológica
habitual, o editorial deixa bem claro do que se trata esse projeto: separar já
na formação de nível médio aqueles que “pretendem ir para a universidade” dos
“que desejam seguir uma carreira técnica”. Novamente nos vemos diante de um
projeto que repõe de maneira explícita a velha dualidade escolar, com uma
escola formando para o trabalho e outra para os estudos superiores.
Dada a relação bastante significativa
entre condição socioeconômica, formação e planos para o futuro, o que um
projeto como esse propõe de fato é criar uma escola ainda mais estratificada,
mais segredada e mais diferenciada, não segundo os “itinerários formativos”,
mas segundo a origem social e de classe dos estudantes, reforçando assim a
divisão do trabalho capitalista que diferencia cada vez mais as funções manuais
e intelectuais do trabalho, as funções de execução e controle. Fonte: Esquerda Diário.
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