A
proposta de Emenda Constitucional 241/2016 focaliza a transferência de recursos
públicos das áreas sociais para o pagamento de juros e para a redução da dívida
pública. Estabelece um “Novo Regime Fiscal”, encaminhado para a Câmara de
Deputados no dia 15 de junho de 2016. Esta medida de contenção asfixiante, parte
de uma premissa falsa segundo o Economista Francisco Funcia, da PUC- SP, que
seria a grave situação econômica do país; em nota à imprensa, foi divulgado
pelo Ministério da Fazenda, em 24 de junho de 2016: “A situação do Brasil é de
solidez e segurança porque os fundamentos são robustos. O país tem expressivo
volume de reservas internacionais e o ingresso tem sido suficiente para
financiar as transações correntes. As condições de financiamento da dívida
pública brasileira permanecem sólidas neste momento de volatilidade nos
mercados financeiros em função de eventos externos. A dívida publica federal
Nacional conta com amplo colchão de liquidez”. Como se verifica na declaração
não há no país uma situação caótica que exija um ajuste tão violento e brutal,
a ponto de “congelar” as despesas federais no patamar dos valores de 2016, por
um prazo de 20 anos.
1. Qual o objetivo é finalidade da PEC
241?
A
agenda explícita desta proposta é como está na argumentação do governo
interino: “estabilizar o crescimento da despesa primária, como instrumento para
conter a expansão da dívida pública”. Esse é o objetivo desta proposta de
Emenda à Constituição”. No entanto traduzindo para os efeitos reais da sua
aplicação, significa cortes drásticos na saúde, educação, habitação,
transportes, etc … para priorizar o absoluto do déficit nominal e da dívida
pública. Esta visão econômica, que volta aos anos 90 da hegemonia neoliberal e
do Acordo de Washington, deixa claro que a dívida está muito acima da vida do
povo e que a economia para ser sanada exige o sacrifício da população
especialmente aqueles que não estão incluídos no mercado. Para confirmar esta
assertiva o Ministro Henrique Meirelles se posiciona em entrevista do
01/07/2016: “As despesas com educação e saúde são itens que … junto com a
previdência, inviabilizaram um controle maior das despesas nas últimas décadas.
Educação e saúde inviabilizam ajustes”. Trata-se não só de limitar despesas mas
de desconstruir a Arquitetura dos direitos sociais que consolidou o sistema de
seguridade social da CF de 1988, quer se eliminar o Estado Social de Direito
desmontando o SUS, levando-o a falência e colapso total.
2.
Se passar esta PEC letal, quais serão as consequências para nossa população?
Se a
PEC for aprovada, serão perdidos não somente os direitos sociais inscritos na
Constituição Federal, mas a qualidade de vida da população brasileira sofrerá
um forte rebaixamento, voltando a expectativas de longevidade bem inferiores às
atuais. No caso particular da saúde poderão provocar a ampliação de doenças e,
até mesmo, mortes diante da redução de recursos para o financiamento do SUS nos
próximos 20 anos. É importante não esquecer que está PEC estabelece que os
valores de 2016 serão a base para a projeção de despesas até 2037, ou seja, que
não está previsto o crescimento populacional, a mudança de perfil demográfico
com o envelhecimento da família brasileira em condições de saúde mais
precárias, que demandará mais o sistema, e da incorporação tecnológica
crescente neste setor. Para ilustrar o recorte de recursos basta afirmar que
esta proposta tivesse sido aplicada no período de 2003- 2015 teriam sido
retirados do SUS R$ 314,3 bilhoēs (a preços de 2015), sendo somente no ano
2015, R$ 44,7 bilhões, cerca de 44% a menos do que foi efetivado pelo
Ministério da Saúde no mesmo exercício.
É
conveniente alertar também que a redução de recursos federais para o
financiamento do SUS atingirão fortemente Estados e Municípios, pois cerca de
2/3 das despesas do Ministério da Saúde são transferidas fundo a fundo para
ações de atenção básica, média e alta complexidade, assistência farmacêutica,
vigilância idemiológica e sanitária, entre outras.
3.
Existe outro caminho que os cortes na saúde, e o recuo nos direitos sociais?
A
pesquisadora em saúde da ENSP/ FIOCRUZ e Diretora Executiva do CEBES, a Dra.
Isabela Soares Santos, dá uma resposta positiva citando o Economista de Oxford
Dr. David Stuckler que estudou a política econômica de austeridade em 27 países
(1995-2011). Este renomado cientista gerou o chamado “multiplicador fiscal ”
que mostra o quanto de dinheiro se consegue de volta com diferentes gastos
públicos. Os melhores índices multiplicadores vem de gastos com educação e
saúde, os piores com a defesa. Ele argumenta: “Saúde é oportunidade de gerar economia
e crescer mais rapidamente. Se cortar em saúde, gera mais mortes, aumento e
surtos de infecções por HIV, TB, DIP, aumento dos índices de alcoolismo e
suicídio, aumento dos problemas de saúde mental, risco de retorno de doenças
erradicadas. Saúde não deve ser cortada em situação de crise, pois os governos
deveriam investir mais em saúde em tempos de crise, para sair dela”. Os
próprios diretores do FMI criticam as políticas recessivas de inspiração
neoliberal (site da BBC.com, 30 de junho de 2016), em vista disso, o tripé
econômico de meta inflação, altos juros e superávit primário trás como
consequências: o aumento da desigualdade, colocam em risco a expansão duradoura
e prejudicam seriamente a sustentabilidade do crescimento.
4.
Não seria o caso de ampliar os arranjos públicos privados e favorecer o seguro
privado (PHI) para sair de crise?
Na
verdade, nestes arranjos públicos privados o sistema público perde (maiores e
mais complexas filas), o arranjo contribui para a iniquidade no financiamento
no acesso e no uso, o arranjo não diminui a demanda por serviços e
financiamento, o arranjo não contribui para os objetivos gerais do SNS
(equidade, universalidade e solidariedade), não há evidência que o PHI alivie o
SNS. É interessante constatar que a União Europeia proíbe os países membros de
regular o PHI quando houver SNS, com o argumento de defender o “sistema
estatutário”, que foi escolhido pela nossa Nação na CF/1988. Lamentavelmente o
que vemos é uma aposta crescente no setor privado o que contribui para a
segmentação do sistema de saúde brasileiro como um todo, introduzindo a lógica
mercantil, abandonando a luta histórica do movimento sanitarista brasileiro que
conseguiu a implementação do SUS e sua inserção na Carta Magna, garantindo
saúde integral e universal para toda a população.
5.
Que fazer para impedir a PEC 241 e os seus desdobramentos perversos na
seguridade social e na saúde?
Em
primeiro lugar é necessário ter clareza que esta desconstituição do SUS se
apoia na ideologia do Estado Mínimo e no retorno a uma Democracia restringida,
tutelada, com os direitos sociais à míngua. O problema para estes economistas
sem coração é o estado, o tamanho do SUS. Em compensação não há medidas para
penalizar os mais ricos, achatar as desonerações fiscais, ou para reduzir os
juros: o ajuste acaba se concentrando nas despesas que garantem os direitos
sociais como meio de criar superávits primários crescentes, visando a
diminuição da dívida pública, de acordo com o economista e doutor em saúde
coletiva do IMS-UERJ, Carlos Otávio Ocké-Reis. Na prática, assistiremos ao
desmonte do SUS e a privatização do sistema de saúde, onde todo esforço para
melhorar as condições de saúde das famílias brasileiras ficará à deriva,
prejudicando os recentes avanços obtidos no combate à desigualdade e acesso
universal à saúde coletiva.
Em
segundo lugar devemos manifestar nosso repudio e indignação, pensando como
sempre nos mais pobres que serão as vítimas principais desta política
antipopular contra a vida. Conclamar a uma mobilização geral em defesa da
Constituição, do Estado Social de Direito, da Seguridade Social e do SUS. O SUS
é nosso, o SUS é da gente, direito conquistado, não se compra nem se vende! Que
Jesus o Rosto da misericórdia do Pai, nos ilumine e nos fortaleça na caminhada
e defesa de saúde integral e universal para todos os brasileiros(as).
Dom Roberto
Francisco Ferrería Paz,
Bispo de Campos e Referencial Nacional da Pastoral da Saúde
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