terça-feira, 15 de agosto de 2017

REFLEXÃO POLÍTICA DO DIA

Aldo Arantes: Por que o povo não está nas ruas?


Por Aldo Arantes*

Os fatos são mais do que evidentes. Apesar das medidas radicais adotadas contra os trabalhadores, o povo e a soberania nacional as manifestações estão longe da necessidade imposta pela gravidade da situação.

É bem verdade que existiram manifestações importantes como a greve geral do dia 28 de abril deste ano e as manifestações contra as reformas e o governo Temer. Todavia elas incorporam, sobretudo, os setores mais politizados do movimento social. A própria greve não atingiu, no fundamental, o setor produtivo.

Mais recentemente as manifestações arrefeceram. No dia da votação do processo por corrupção passiva contra o ilegítimo Temer o que se viu foram pequenas manifestações. Defronte do Congresso, local de históricas manifestações, não havia ninguém. Tal fenômeno se torna mais difícil de entender à medida em que as pesquisas constatam que Temer conta com 94% de reprovação do povo.

Várias são as razões que podem tentar explicar tal situação. Dentre elas estão a perplexidade, a refeição à política e aos partidos, o desemprego e, principalmente, a indignação contra a corrupção. Pesquisa divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo, de 13 de agosto, revelou que 86% dos eleitores não se sentem representados pelos políticos nos quais votaram. E 94% responderam que os políticos que estão no poder não representam a sociedade. A pesquisa avaliou, também, que 9 entre 10 pesquisados concordam com o fato de que “ o Brasil poderia ser um país do primeiro mundo se não fosse a ação da corrupção”.

A pesquisa concluiu o que, numa avaliação empírica, se pode constatar: a questão mais importante que maioria do povo indica para explicar a crise que o país enfrenta é a corrupção. Isto foi incutido na sociedade pela grande mídia desde o tal Mensalão. Com isto procuram fugir do debate de conteúdo relacionado às medidas colocadas em pratica pelos Lula e Dilma para suscitar o combate a uma falsa moralidade.

A propaganda da grande mídia, tomando por base a ação da Lava Jato, atuou no sentido de caracterizar a corrupção atual como “novidade”, responsabilizando o PT e o Ex-presidente Lula. Com tal tática conseguiram sensibilizar amplas camadas da sociedade ao afirmarem que todos partidos e políticos são corruptos e não merecem a confiança do povo. Tudo isto resultou na conquista, pelas forças conservadoras e de direita, da hegemonia política e de ideias no país.

Tal resultado foi fruto de um plano elaborado e conduzido a longo prazo, pelo professor Norte-americano Gene Sharp. O plano está contido no livro de sua autoria intitulado Da Ditadura à Democracia onde o autor descreve os passos a serem dados para executar o chamado “golpe brando”. Ele destaca, como primeiro passo, a necessidade de “ promover ações para gerar um clima de mal-estar social, utilizando os meios de comunicação”, e descreve o segundo passo ao afirmar “ fazer denúncias fundadas ou não para debilitar a base de apoio de governo e criar um descontentamento social crescente”.

No Brasil o falso combate à corrupção foi o mote da agitação necessária para o golpe contra a presidenta Dilma. E continua sendo agora com o objetivo de aprofundar as reformas antipopulares e antinacionais e inviabilizar a candidatura do ex-presidente Lula à presidência.

Na América Latina o modelo teve características próprias. O agente secreto de Cuba, Raúl Antonio Capote Fernandez, que durante 10 anos foi infiltrado na CIA, em declarações Site Sul 21, afirmou ter a agência constatado que o crescimento da esquerda no continente teve início nas Universidades. Para reverter esta situação elaborou um plano para criar um pensamento em defesa do mercado, nas instituições de ensino superior da região. O resultado, no Brasil, foi o crescimento do pensamento conservador entre boa parcela dos estudantes. Tal estratégia teve como uns seus pilares a criação de institutos para desenvolver elaborar ideias em defesa de seus pontos de vista e de combate ao projeto de nação da esquerda e as ideias progressistas.

Para isto foi executado um trabalho de formação da consciência conservadora aliado à massificação da luta contra a corrupção para conquistar parcelas expressivas da juventude. O mesmo se deu, com suas particularidades, junto aos demais segmentos sociais. Este resultado foi facilitado pela despolitização da sociedade. Com isto boa parcela dos estudantes e do povo passou a colocar a responsabilidade da crise nos “políticos corruptos”, sobretudo do PT. Esqueceram dos benefícios que as políticas dos governos Lula e Dilma trouxeram para os trabalhadores e o povo.

Tal situação está ancorada, também, na campanha de despolitização desencadeada pelo neoliberalismo. A negação da política, dos políticos e dos partidos é fundamental para colocarem em prática a reforma do estado que atenda aos interesses do capital financeiro.

O combate à política é o combate à democracia. Visa retirar o povo das ruas e entregar a direção do país aos gestores, representantes do capital financeiro. Isto tudo criou um campo não só para a articulação dos grupos conservadores, mas também dos grupos de direita e extrema direita.

No entanto a sociedade enfrenta uma contradição flagrante. Por um lado, há um profundo descontentamento com a atual situação política, as reformas em curso e o agravamento da situação com a crise, o desemprego e os cortes dos recursos das áreas sociais. Por outro há uma ausência de amplas manifestações populares para lutar contra esta situação.

Isto pode indicar que está havendo uma dissintonia entre os dirigentes políticos e sociais e as massas. A grande massa do povo perdeu a confiança ou está sem entender as orientações dadas por sua representação.

O dirigente deve, em sintonia com as massas, indicar os caminhos a serem perseguidos na luta. Quando, por qualquer razão, esta sintonia é rompida as massas passam ao não acompanhar as indicações das lideranças.

É verdade que a luta política e social tem fluxos e refluxos. Mas, a questão que se coloca no momento é identificar as causas desta situação e elaborar os caminhos para acelerar um novo fluxo.

A questão que se coloca é, portanto, como incorporar milhões de trabalhadores, mulheres, jovens, democratas e nacionalistas na luta política. Isto porque os fatos indicam que só a esquerda não consegue reverter a atual de defensiva da esquerda e do movimento popular.

Não há como superar a situação sem entender a fundo o que o “povão” está pensando e sentindo. Quais as questões materiais e políticas que mais o sensibiliza. Ao mesmo tempo é decisivo identificar as formas através das quais o povo possa entender a mensagem de transformação que está sendo levada.

O baixo nível de mobilização indica que não conseguimos identificar, em profundidade, as razões desta situação para formular saídas capazes de mobilizar amplas massas. A solução é, portanto, ouvir o povo.

Tal postura só será possível na medida em que a esquerda faça uma leitura realista do que acontece e tenha a humildade de ouvir o povo, com o objetivo de enriquecer os programas que estão sendo propostos com as questões mais sentidas pela população.

Não só a partir do que os intelectuais ou políticos progressistas formulam, mas do que está pensando o povão. Para isto é necessário abandonar a visão de que o projeto de nação está completamente eleorfado. É preciso aprender com o povo para melhor formatar uma proposta de saída para a crise que toque na razão o no sentimento do povo.

É verdade que a candidatura do ex-presidente Lula poderá dar uma importante contribuição no processo de mobilização social. Isto porque grande parte da população encarna, em sua figura, um verdadeiro programa, ao fazer a comparação entre o que foi feito em seu governo e o que ocorre agora.

Seu périplo pelo país pressionará por eleições diretas e contribuirá com a luta contra as reformas do governo ilegítimo. É bom lembrar que o ex-presidente Getúlio Vargas era alvo de graves críticas quando resolveu se candidatar. Viajando pelo país, durante a campanha presidencial, mobilizou a população e ganhou as eleições assumindo o governo em 1950.

No entanto não se pode desconhecer que vivemos uma situação mais complexa porque os setores conservadores e a direita conquistaram a hegemonia política e de ideias. Assim a retomada de uma ofensiva sólida exige não só a mobilização em torno de um novo caminho para o país, mas também a reconstrução da hegemonia de um pensamento progressista, tarefa de mais longo prazo.

Este processo de reconstrução da hegemonia passa pela politização da sociedade com o estímulo à retomada do pensamento crítico. Tal perspectiva tem muita aceitação, particularmente, entre a juventude. Para isto o debate, a luta de ideias em torno dos projetos de país contribuirá para a sociedade se situar em relação ao projeto de nação defendido pela esquerda e o que está sendo levado à prática por este governo.

Sem dúvida que um dos importantes erros cometidos pelo PT e parte da esquerda foi não ter politizado e sociedade. Foi não fazer as reformas estruturas e nem mesmo consolidar entre o povo sua necessidade. Assim o povo ficou desarmado para entender as razões do golpe e foi envolvido no falso debate contra a corrupção. Há, portanto de se dar ênfase ao processo de politização da sociedade.

É evidente que não há fórmulas prontas. A saída surgirá da inteligência coletiva com a participação das diversas correntes democráticas e de esquerda e de contribuições individuais.
Penso que a reconquista da hegemonia deve ter como fundamento a mobilização, o povo nas ruas. Todavia, é necessário a elaboração de um plano de luta de ideias que possa ser articulado por fundações e partidos políticos que tenham afinidade político-ideológica. Isto dará importante contribuição à mobilização da sociedade.

Ele deverá defender os valores da esquerda como a solidariedade, o apoio às lutas dos trabalhadores, mulheres, negros e minorias. Assim como as éticas individual e social. Deve denunciar a captura do poder político pelo poder econômico e defender o papel do estado no desenvolvimento do país e a soberania nacional.

Por outro lado, deve criticar o individualismo, a discriminação contra as mulheres, negros e LGBT. Se colocar contra a intolerância, a submissão à lógica do mercado, a falta de um pensamento crítico e a submissão ao discurso único da grande mídia, entre outras questões. Para maior eficácia acho que seria necessário estabelecer prioridades na implementação do plano da luta de ideias.

A sociedade vai, progressivamente, retomando uma avaliação positiva dos acertos dos governos Lula e Dilma. Todavia os erros e debilidades dificultam uma mobilização mais ampla. E a sociedade, em particular a juventude apreciam as ideias novas.

Neste sentido é muito importante reafirmar o que houve de positivo na experiência nos governos de Lula e Dilma e retificar erros e omissões para propor uma nova plataforma de mudanças.

No esforço da reconquista da hegemonia é de grande importância a existência de um núcleo de esquerda com afinidades táticas e estratégicas no caminho da construção da frente ampla do povo brasileiro capaz de tirar o país da crise e abrir novas perspectivas.

*Aldo Arantes foi deputado Constituinte de 1988. É membro da Comissão Política do Comitê Central do PCdoB.

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