Violeta foi cantora, compositora, poeta, pesquisadora e artista plástica; tornou-se ícone e mãe da Nova Canção Chilena e ajudou a descobrir, registrar e difundir as raízes culturais latino-americanas por todo o continente e pelo mundo. Sendo assim, foi e é celebrada até hoje através de reinterpretações de suas músicas
Por Alessandra Monterastelli *
Violeta del Carmen Parra Sandoval, mais conhecida como Violeta Parra, nasceu no dia 4 de outubro de 1917, em San Fabián e Alico, no sul do Chile. Filha de um professor de música e de uma camponesa, não teve uma infância fácil. A família não era de uma classe privilegiada, necessitando fazer diversas viagens dependendo de onde o pai conseguia emprego.
Numa dessas viagens, em 1927, a família muda-se para a povoação de Villa Alegre. Lá Violeta conhece o circo e experimenta um contato mais próximo com a cultura popular. Sua mãe fazia trabalhos de costura para sustentar a família numerosa e ensinava canções populares aos filhos e filhas; mais tarde essas canções inspirariam a menina a partir para os mais afastados povoados, entrar em contato direto com as angustias e dores do público, fazendo o uso de um gravador, recolhendo canções dos mais velhos, usando ela também da linguagem popular, e, por fim, com o objetivo de compilar canções e retratar a cultura chilena em seus versos.
Aos nove anos já era cantora e tocava violão. Frequentou a escola que mais tarde teve que abandonar para trabalhar e ajudar financeiramente a família. Com seus irmãos, cantou em restaurantes, pousadas, circos, bordeis e nas ruas.
Após a morte do pai vai morar em Santiago. Em 1933, como escreve Ana Cansado em seu artigo “Violeta Parra, referência da música e da arte chilena”, dedica-se definitivamente a carreira musical e forma com a irmã Hilda a dupla “Las Hermanas Parra”; a dupla canta músicas folclóricas, boleros, rancheras, corridos mexicanos e outros estilos, nos bares do bairro Mapocho como "El Tordo Azul" e "El Popular".
Chegou a acompanhar uma companhia de teatro por todo o país com o nome artístico de “Violeta de Mayo”. Regressou a Santiago para trabalhar na campanha presidencial de Gabriel González Videla que foi o candidato da Aliança Democrática, formada por radicais, comunistas e democráticos e foi presidente do Chile entre 1946 e 1952.
Tinha o espirito inquieto. Cantou em bares na zona portuária, trabalhou em rádio e participou num grupo de teatro: não se adequava ao ideal convencional de uma esposa. Em 1948, após a decepção amorosa, separou-se do marido, Luis Cereceda. Na ocasião teria declarado: “estou me separado. Ele não apreciava meu trabalho e eu nada fazia quando estava em sua companhia. Ele queria uma mulher que limpasse e cozinhasse”.
Começou a pesquisar as raízes folclóricas chilenas em 1952, compondo os primeiros temas musicais que a fariam famosa. Como conta Ana Cansado, aprendeu, com Don Isaías Angulo, um camponês e guitarrista, a tocar o guitarrón, um instrumento chileno original de 25 cordas que era pouco conhecido no meio urbano. E, incentivada pelo seu irmão Nicanor, começou a investigar, a compilar e a ensinar a autêntica música folclórica em todo o Chile. Abandonou o seu antigo repertório e deu recitais, e promoveu cursos de folclore nas Universidades de Iquique e Concepción, em escolas de verão e no Instituto Chileno-Francês de Valparaíso.
O resgate da música de raíz proporcionou à artista um movimento muito interessante, como escreveu a especialista em História, Sociedade e Cultura pela PUC e pesquisadora da música e artes visuais latino-americanas Adriana de Carvalho Alves: “ao resgatar e valorizar estas canções, Violeta se sentiu preparada para intervir no contexto que a incomodava. Gravou diversas canções de autoria própria que, além de retratar a dura realidade social de seu país, traziam em suas raízes a música campesina. A obra de Violeta teve eco porque a sua base tinha a ver com a identidade e as dificuldades que o povo chileno enfrentava não sendo, por este motivo, uma canção alienígena. Inovadora, Violeta Parra relacionou-se com outros artistas que, assim como ela, utilizavam a canção popular como forma de manifestação política”.
Pesquisou ritmos, danças e canções populares chilenas, chegando a catalogar cerca de 3 mil canções tradicionais. Algumas dessas canções foram publicadas no livro: "Cantos folclóricos chilenos" e no disco "Cantos campesinos", editado originalmente em Paris, onde viveu um bom tempo. Aliás, seu trabalho não se restringiu apenas ao Chile: a artista viveu na Europa, levando a música campesina chilena ao velho mundo. Cantou em diversos países, como Polônia, Itália, Alemanha e União Soviética.
Chegou ter uma exposição no Louvre 1964 de suas pinturas, óleos, serapilheiras e esculturas, tendo sido a primeira artista latino-americana a ter uma exposição individual no museu. Ela era, portanto, também artista plástica, e retratou nas suas obras, assim como em suas composições, peculiaridades da cultura chilena e latino-americana.
Também em 1953, foi contratada pela Rádio Chilena para produzir programas radiofónicos de música folclórica que impulsionaram um rigoroso estudo das manifestações artísticas populares. Gravou pela editora Odeón, duas das suas canções mais conhecidas: "Qué pena siente el alma" e "Casamiento de negros". Recebeu em 1955 o Prêmio Caupolicán, para a “Melhor Folclórista do Ano” da Associação de Cronistas de Espetáculos, pelas gravações de “Qué pena siente el alma” e “Casamiento de negros” e pelo seu trabalho como locutora e difusira do folclore nacional.
É conhecida como percursora da Nova Canção Chilena, movimento musical que surgiu na América Latina na década de 1960 e que fazia canções com denúncia social nas quais incorporava elementos do folclore musical latino-americano. Sua música é universal, estendendo-se por diversos continentes, representando a cultura chilena e sempre fiel as suas raízes.
Paula Miranda, doutora em Literatura e autora do estudo La Poesía de Violeta Parra, publicado em 2013, lembra em entrevista para o jornal espanhol El País o diferencial de Violeta, o que lhe conferiu sua imortalidade: “a poesia em sua máxima expressão é aquela que consegue transformar o mundo, e isso é o que Parra faz em Gracias a la Vida. Por um lado agradece e, por outro, tenta retribuir algo que recebeu da vida. Sua arte não é de adorno, nem de entretenimento, mas de reflexão e emoção. Acompanha as dores e os amores humanos”.
O Chile está homenageando a artista com uma série de eventos, neste que é o ano de seu centenário. “Homenagear Violeta Parra é um dever de nosso país para que as novas gerações tenham a oportunidade de conhecer sua visão de mundo, seu contundente aporte às artes e a força criadora de uma figura que foi capaz de transpor fronteiras”, explica o ministro da Cultura chileno Ernesto Ottone Ramírez, ainda para o jornal espanhol.
Mulher, artista, pesquisadora, poeta, compositora, politica: Violeta tem todos estes atributos, e deixa um legado imenso para a América Latina e para o mundo.
Assim, diversos artistas trataram de reinterpretar suas músicas. Não só pela emoção das composições, mas também pela identidade que elas formam. Ao ser regravada, a voz de Violeta continua ressoando as raízes do povo de um continente inteiro e cantando resistência, reconhecimento, amor e liberdade. Continua, enfim, sendo ouvida.
A cantora argentina Mercedes Sosa, conhecida como La Negra pela ascendência ameríndia e com composições profundamente inspiradas na música folclórica argentina, cantou diversas canções de Violeta.
A atriz Francisca Gravilán regravou a música "Volver a los 17" para interpretar Violeta no filme "Violeta foi para o Céu", longa que narra a vida da artista e aclamado pela crítica após seu lançamento em 2011:
Victor Jara, artista ícone da resistência à ditadura de Pinochet, também cantou Violeta:
E, por fim, artistas brasileiros também homenagearam a chilena. Caetano Velozo, Gal Costa, Milton Nascimento, Chico Buarque e Elis Regina.
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