quinta-feira, 1 de março de 2018

Por que os bancos lucram muito mesmo quando a economia vai mal?



 
 

Embora o número seja positivo, trata-se de uma expansão bem modesta considerando os tombos de 3,6% e 3,8% de 2016 e 2015, que sucederam um irrisório 0,1% em 2014. A economia como um todo sofre, mas pelo menos um setor parece não se abalar: os bancos.

Para entender porque há um descompasso entre os crescimentos da economia e do lucro dos bancos, CartaCapital ouviu quatro economistas, com uma só pergunta: por que os bancos lucram muito mesmo quando a economia vai mal?

O Brasil tem cerca de 150 bancos autorizados a funcionar, mas dados do Banco Central mostram que apenas os quatro maiores - Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Itaú - detêm 73% do total de ativos do sistema e 80% do crédito concedido no País. Excluídos Banco do Brasil e Caixa Econômica, bancos públicos, o Santander entra no ranking. 

No ano passado, o Itaú lucrou 24,9 bilhões de reais, o Bradesco 19,1 bilhões, o Banco do Brasil 11,1 bilhões e o Santander 9,9 bilhões, crescimentos de 12,3%, 11,1%, 55% e 35,6%, respectivamente.

É importante lembrar também que mesmo mantendo um patamar nominalmente elevado, o lucro dos bancos teve retração em 2016, segunda ano de encolhimento da economia. Na comparação com 2015, uma queda de cerca de 20% de acordo com dados da consultoria Economatica.

Ainda assim, o lucro líquido das quatro maiores instituições financeiras com ações listadas na Bovespa - Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander - somou 50,29 bilhões em 2016. Os números mostram que mesmo demorando mais para sentir os efeitos da recessão os bancos se recuperam mais rapidamente dela. No ano anterior, quando a economia já havia retraído 3,8%, esses bancos lucraram 62 bilhões de reais.

A concentração do sistema financeiro, que limita a concorrência, explica parte dos números, mas especialistas mencionam também a inovação tecnológica do setor e a demora da queda na taxa básica de juros chegar de fato ao consumidor.

A baixa concorrência está, inclusive, na mira do próprio Banco Central, que agiu para reduzir os juros mas não viu resultados no crédito. A partir de agora, o BC terá a palavra final em atos de concentração (fusões e aquisições de empresas) que envolvam algum risco à solidez e estabilidade do Sistema Financeiro Nacional. O entendimento está em um memorando assinado pelo BC e pelo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) na quarta-feira 28.

O memorando inclui ainda o compromisso do BC e do Cade de reverem suas regulamentações, se necessário, e de trabalharem conjuntamente pela aprovação de um projeto de lei complementar que seguiria as linhas gerais estabelecidas no documento, mas que trará maior segurança jurídica e previsibilidade para a defesa da concorrência no sistema financeiro.

Confira as respostas de quatro economistas para a questão "por que os bancos lucram muito mesmo quando a economia vai mal"?

Fernando Nogueira da Costa, professor do Instituto de Economia da Unicamp e ex-vice-presidente da Caixa Econômica

A oferta de crédito depende da demanda representada pelo ritmo de produção, porém, as duas outras funções dos bancos - captar e administrar recursos de terceiros e viabilizar o sistema de pagamentos - só indiretamente depende do crescimento da renda, pois a circulação monetária e financeira se mantém na depressão. Não se cria muitos ativos novos, mas continuam as transferências de propriedades dos ativos existentes.

Em geral, no ano passado, os maiores bancos reduziram a concessão de crédito. A taxa de inadimplência das operações de crédito do sistema financeiro, considerados os atrasos superiores a noventa dias, manteve trajetória de queda, embora pequena, situando-se em 3,2% (-0,5 p.p. doze meses). Com a reversão de parte das provisões para devedores duvidosos (18% das despesas financeiras), o resultado melhorou.

Cada banco gigante possui seu nicho de mercado, mas todos exploram uma grande rede de varejo que permite captar com valores reduzidos em relação ao CDI (taxa das transações interbancárias): milhões de cartões de crédito e débito com os quais ganha taxas de desconto nas vendas de varejo e explora crédito rotativo; o baixo risco do crédito consignado, que representa 65% do crédito pessoal; o crédito imobiliário que permite relacionamento fidelizado com os clientes em longo prazo; o crédito para veículos com a garantia da alienação fiduciária, etc

Também a gestão de ativos das grandes fortunas em Private Banking e soluções para corporações são fatores explicativos do bom desempenho bancário, bem como a administração de fundos e atuação internacional.

João Ildebrando Bocchi - professor do Departamento de Economia da PUC-SP

Esse lucro extremamente elevado explicita qual é o papel dos bancos na economia, que não é fornecer recursos para investimento, recursos em prol do crescimento.

Então os bancos, como empresas, são competentes, fazem um conjunto de ações, elevam taxas, sem o compromisso com o crescimento e o desenvolvimento. Nós temos, ou tínhamos, o BNDES, que está com cada vez mais dificuldades, o setor público está manietado também nesses últimos ano.

Os bancos privados nunca foram voltados para o crescimento, mas em momentos de crise isso fica mais explícito, uma situação aparentemente absurda, onde se tem uma grave recessão, ou uma taxa de crescimento muito baixa, e os bancos com lucros exorbitantes.

Os bancos deveriam lucrar menos com baixas taxas de juros. Quando a taxa básica de juros está baixa, em princípio as taxas cobradas em toda a economia deveriam cair bastante. Mas por vários elementos, no Brasil não acontece isso. A distância entre o custo do dinheiro para o cliente final e a taxa Selic é de três ou quatro vezes no crédito mais barato, no capital de giro por exemplo. É uma situação anômala e talvez o Brasil seja o único país do mundo nessa situação.

Esse resultado mostra as contradições, mostra como o capital financeiro acaba dominando a economia brasileira. 

João Ricardo Costa - professor de economia do Ibmec/SP

Em valores absolutos, os lucros dos bancos são expressivos (já a taxa de retorno sobre o patrimônio não, pois é semelhante à de outros setores) e aumentaram mesmo durante a depressão econômica. Um dos motivos é a inovação. Ao utilizarem novas tecnologias nos seus processos, os bancos podem diminuir custos, tornando-se não apenas mais eficientes, como mais lucrativos.

Outro motivo se dá pelos juros básicos da economia, que antes da crise são mais altos e, portanto, proporcionam alternativas atraentes para aumentar o lucro sem incorrer nos riscos e custos da intermediação financeira, gerando ganhos defasados em relação ao ciclo econômico.

Finalmente, a baixa competição no setor é outro importante fator. Existem barreiras para que novas empresas/tecnologias aumentem a competição, o que proporciona poder de mercado aos bancos. Iniciativas como o cadastro positivo, por exemplo, visam diminuir essas barreiras.

Rafael Schiozer, professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas

A percepção de que o lucro dos bancos cresce quando a economia vai mal é falaciosa. Tomemos como exemplo o ano de 2016, em que o PIB caiu 3,6%: os lucros dos quatro maiores bancos do país (Itaú, Bradesco, BB e CEF) diminuíram em relação ao ano anterior (na CEF caiu mais de 40%).

O principal motivo do crescimento no lucro dos bancos em 2017 foi a melhora do ambiente macroeconômico, pois o PIB voltou a crescer no ano. O nível de inadimplência caiu em 2017, resultando em menores perdas no crédito.

A expectativa de uma economia mais forte em 2018 permitiu uma redução nas despesas com provisões, que refletem a perda que se espera ter nas operações de crédito vigentes, o que também impactou positivamente o lucro de 2017.

Finalmente, no caso específico do Banco do Brasil, uma gestão mais profissional e voltada para resultados permitiu um crescimento de 4 bilhões de reais no lucro de 2017 (mais de 50% em relação a 2016), o maior crescimento entre os grandes bancos. 


Fonte: Carta Capital

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