quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Esculhambação: discípulos de Olavo mudam edital de livros didáticos

  

Já é de conhecimento geral que o auto-intitulado "filósofo" Olavo de Carvalho está por trás de boa parte das nomeações do governo Bolsonaro para a área da Educação. Do titular da pasta, Ricardo Vélez Rodriguez, ao novo coordenador do Enem, Murilo Resende, todos são "olavetes" declarados. Pois esta turma acaba de tomar mais uma iniciativa com potencial para virar escândalo e trazer constragimento para o novo governo. Trata-se da divulgação do novo edital para aquisição de livros didáticos, que são distribuídos a milhões de adolescentes de 11 a 15 anos no país (6º a 9º ano): pelas novas regras, estão censuradas todas as referência à violência contra a mulher, à promoção da cultura quilombola e dos povos do campo; as ilustrações dos livros não precisam mais retratar "a diversidade étnica da população brasileira, a pluralidade social e cultural do país"; os livros não precisam mais conter referências bibliográficas; está liberada a publicidade de produtos e empresas; acaba também a garantia de qualidade dos livros, o item que dizia que a obra deveria “estar isenta de erros de revisão e /ou impressão” foi retirado.

As mudanças estão no edital para os livros didáticos que serão entregues em 2020 lançado pelo Ministério da Educação em 2 de janeiro e estão em consonância com a diretriz do governo Bolsonaro e do ministro Ricardo Vélez de atender às demandas do movimento Escola Sem Partido, de extrema-direita e com forte conotação fundamentalista. 

Ao mesmo tempo, a nova regra indica que o governo estará a serviço das empresas. A vedação à publicidade nos livros escolares atendia, até agora, a determinação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente por ser considerada abusiva, segundo informa o jornalista Paulo Saldaña, na Folha de S.Paulo.

Na versão anterior do edital, a orientação para as editoras, com relação a princípios éticos necessários, é que as obras promovam "positivamente a imagem da mulher, considerando sua participação em diferentes trabalhos, profissões e espaços de poder, valorizando sua visibilidade e protagonismo social, com especial atenção para o compromisso educacional com a agenda da não-violência contra a mulher". 

Na versão atual, o último trecho sobre a atenção especial à agenda da não-violência contra a mulher foi suprimido. Os livros deveriam ainda "promover positivamente a cultura e a história afro-brasileira, quilombola, dos povos indígenas e dos povos do campo". O MEC exclui desse trecho as menções às palavras quilombola e povos dos campos.

É comum que os editais do programa sejam retificados algumas vezes mesmo durante o processo de produção de obras. Mas desta vez, houve essas alterações pontuais sobre temas sensíveis ao novo governo. A nova versão está disponível no site do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC. De acordo com uma fonte do ministério, o assunto foi recebido com surpresa por técnicos da pasta, que não tinham conhecimento da edição do documento.

O foco nos livros didáticos como forma de combate a supostas doutrinações de esquerda tem sido articulado desde antes da posse do presidente e do ministro Vélez Rodriguez. Um dos colaboradores do movimento Escola sem Partido, Orley José da Silva, que faz análises de supostas irregularidades em livros didáticos integrou a equipe oficial da transição da pasta. Silva está cotado para assumir um cargo comissionado no MEC. Em palestras e artigos que assina ele relativiza a escravidão de negros e o genocídio de indígenas na colonização e afirma que a questão quilombola é uma pauta do PT. O também goiano Murilo Resende, outro integrante da equipe, já atacou professores, chamando-os de desqualificados e manipuladores e acusando-os de disseminar ideias pró-pedofilia e incesto. Seguidor do escritor Olavo de Carvalho, Murilo já fez parte do MBL (Movimento Brasil Livre) mas Renan Santos, um dos coordenadores nacionais do movimento, escreveu no Twitter que ele fora expulso por ser 'lunático, conspiratório, fora da realidade'".

Prejuízo para editoras e alunos

Para profissionais do mercado editorial, o novo edital traz insegurança jurídica e indica retrocesso nas exigências de que as obras contemplem a promoção da cidadania e dos direitos humanos.

Uma profissional responsável pela área de PNLD de uma grande editora paulista, que preferiu falar sob anonimato, avalia que a mudança causa insegurança jurídica para as empresas."Você produziu as obras e inscreveu no programa considerando uma regra e vai ser julgado considerando outra?", questiona. Ela lembra ainda que o edital foi feito tendo como referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento de referência para os novos currículos do ensino fundamental, já aprovado em 17 Estados e no Distrito Federal. Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), alterações desse tipo atrapalham o papel conscientizador da educação para questões e problemas da sociedade. "O livro didático também serve como estratégia vinculada a políticas sociais e de saúde", afirma. Ele também destaca que, caso seja confirmada a retirada do trecho sobre quilombolas e povos do campo, os livros didáticos passarão a pressupor uma visão mais excludente de sociedade.

"Parte significativa da educação é construção de uma identidade que abranja a todos, mas iniciativas como essa quebram essa lógica e contribuem para a construção da ideia de que a sociedade é branca e heterossexual", afirma.

Com informações da Folha de S. Paulo, Brasil247 e Valor

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